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Modelo Cognitivo do Suicídio (Wenzel & Beck, 2008)

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 2. VULNERABILIDADE EM RELAÇÃO AOS ATOS SUICIDAS

2.1. Modelos Explicativos

2.1.4. Modelo Cognitivo do Suicídio (Wenzel & Beck, 2008)

Mais recentemente, um outro Modelo Cognitivo do Comportamento Suicida foi preconizado por Wenzel e Beck (2008). Tendo por base uma perspetiva cognitiva, este modelo assume a existência de três constructos subjacentes ao comportamento suicida, tais como fatores de vulnerabilidade disposicional, processos cognitivos associados a perturbações psiquiátricas e processos cognitivos associados aos atos suicidas (Figura 3).

Os fatores de vulnerabilidade disposicional são entendidos como variáveis-traço, relativamente estáveis, que conferem um risco não específico para perturbações psiquiátricas e para o comportamento suicida. Estes fatores consistem em características psicológicas que aumentam a probabilidade da pessoa se envolver em comportamentos suicidas. Neste grupo de fatores são incluídos: (a) impulsividade e constructos relacionados (e.g., agressividade e hostilidade); (b) défice na capacidade de resolução de problemas; (c) estilo de memória sobre generalizada; (d) estilo cognitivo mal-adaptativo (e.g., pensamento dicotómico e magnificação) e (e) personalidade (e.g., o perfeccionismo e o neuroticíssimo).

Os processos cognitivos associados a perturbações psiquiátricas são conteúdos cognitivos mal-adaptativos e vieses no processamento da informação (o que pensam e como pensam, respetivamente) que estão associados a diferentes perturbações psicológicas.

Segundo o modelo cognitivo das perturbações psiquiátricas, os acontecimentos externos e os estímulos internos são processados de forma enviesada, conduzindo a uma integração distorcida das experiências pessoais e a erros cognitivos. O tipo de enviesamento cognitivo e o seu conteúdo depende da natureza dos esquemas mentais dos sujeitos. Os sujeitos deprimidos têm esquemas mentais que os induzem, por exemplo, a hipervalorizar as situações negativas em detrimento das positivas. Estes esquemas podem permanecer inativos durante longos períodos de tempo até que sejam ativados pela ocorrência de acontecimentos de vida stressantes. Uma vez ativados, numa situação específica, determinam diretamente o modo como a pessoa irá responder. Uma grande parte dos suicídios surge associada a perturbações psicológicas, o que significa que estão presentes esquemas típicos das perturbações psicológicas. No entanto, os autores sugerem que além destes esquemas, os sujeitos suicidas têm esquemas específicos que os conduzem ao comportamento suicida.

Este modelo propõe que os processos cognitivos associados às perturbações psicológicas podem ativar o desenvolvimento dos processos cognitivos associados à

Fatores de vulnerabilidade disposicional Stresse Processos cognitivos associados a perturbações psiquiátricas Processos cognitivos associados aos atos

suicidas

Ato Suicida

Stresse

conduta suicida. Quanto maior for a frequência, a intensidade e/ou a duração das cognições associadas às perturbações psiquiátricas, maior é a probabilidade de os esquemas suicidas serem ativados, facilitando, por sua vez, o surgimento do processo cognitivo específico do suicídio.

Os processos cognitivos associados aos atos suicidas têm estado centrados na desesperança, quer por ser a característica que melhor discrimina os sujeitos suicidas daqueles que têm outras perturbações, quer por ser o melhor preditor de futuras condutas suicidas. Neste modelo, a desesperança-traço é encarada como um esquema mental suicida que, quando ativado por determinados stressores ambientais, promove o surgimento da desesperança-estado.

Todavia, apesar da forte associação entre a desesperança e a conduta suicida, nem sempre a desesperança assume o papel determinante neste tipo de condutas. A desesperança parece ser mais influente nos sujeitos que realizam atos suicidas com efetiva intenção de morrer, do que naqueles sujeitos que têm baixa intenção de morrer e que pretendem chamar a atenção ou comunicar o seu mal-estar aos outros.

Assim, este modelo considera que existem dois esquemas suicidas, uns que são caracterizados pela desesperança crónica e outros que são caracterizados pela desesperança-estado (a situação atual é percecionada como intolerável e insuportável). Quando a desesperança-estado aumenta, crescem também os níveis de ideação suicida, o que torna mais provável o ato suicida.

O estado de desesperança em conjunto com o processamento enviesado da informação promove o desenvolvimento de ideação suicida e aumenta o risco de suicídio. Os sujeitos antes de cometerem uma tentativa de suicídio revelam uma atenção focada nesse ato, estado de desorientação cognitiva, rapidez de pensamentos, “visão em túnel” ou constrição cognitiva, que os leva a perceber o ato suicida como a única solução para os problemas.

Assim, os processos cognitivos associados à conduta suicida podem ser despoletados quando um esquema cognitivo é ativado. Estes esquemas cognitivos suicidas podem, por sua vez, ser ativados por três conjuntos de variáveis, nomeadamente fatores de vulnerabilidade disposicionais, frequência, intensidade e/ou duração das cognições associadas às perturbações psicológicas e por acontecimentos de vida stressantes.

Nos sujeitos que realizam condutas suicidas sem terem uma perturbação psicológica específica, os esquemas suicidas são ativados por influência dos fatores de vulnerabilidade disposicional ou por acontecimentos de vida extremamente negativos.

Em suma, existem duas vias principais que conduzem à eclosão da conduta suicida: (a) fatores de vulnerabilidade disposicional que conduzem a perturbações psicológicas com cognições específicas e estas, por sua vez, despoletam cognições típicas da conduta suicida, perante a ocorrência de acontecimentos stressantes e (b) fatores de vulnerabilidade disposicional altamente desenvolvidos que, em conjunto com a ocorrência de acontecimentos stressantes, desencadeiam cognições suicidas, sem a interferência de perturbações psicológicas.

Este processo desenvolve-se progressivamente até que a pessoa não consegue tolerar mais o desespero que sente, resultante do seu estado cognitivo emocional, e adota a conduta suicida (Wenzel & Beck, 2008).

A análise dos diferentes modelos psicológicos do comportamento suicida permite identificar um conjunto de fatores comuns com relevância no desenvolvimento do comportamento suicida. De salientar a influência da vivência de acontecimentos de vida negativos na infância, que funcionam como fatores de vulnerabilidade a longo-prazo; o desenvolvimento de determinadas características psicológicas, de que são exemplo a desesperança e a baixa autoestima, as quais aumentam a probabilidade de ocorrência de um comportamento suicida e, por último, a interação entre a vulnerabilidade prévia, as características psicológicas e a vivência de acontecimentos stressantes atuais, percecionados como intoleráveis e insuportáveis, que podem despoletar a crise suicida.