• Nenhum resultado encontrado

Prevenção Primária em Meio Escolar

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 3. PREVENÇÃO DOS ATOS SUICIDAS

3.4. Prevenção Primária em Meio Escolar

No presente tópico, explana-se uma breve revisão da conceptualização da prevenção do suicídio em meio escolar nas últimas décadas, as principais estratégias de prevenção e a eficácia global dos programas desenvolvidos neste meio.

Os primeiros programas de prevenção do suicídio desenvolvidos nas escolas datam da década de 70, mas foi na década de 80 que se assistiu à crescente divulgação dos mesmos. Os primeiros programas foram largamente criticados por duas razões principais: (a) por se basearem no modelo de stresse do suicídio, uma vez que este modelo normalizava o comportamento suicida (D. N. Miller, 2011), e (b) pela falta de concisão na definição dos objetivos e dos destinatários dos programas (Kalafat, 2003). Os primeiros programas excluíam, intencionalmente, os estudantes, destinando-se somente à comunidade educativa e a encarregados de educação, pois persistia alguma controvérsia em relação aos efeitos positivos ou negativos decorrentes da sua aplicação diretamente aos jovens (Shaffer & Gould, 2000).

Hoje em dia, os programas de prevenção já não apresentam o suicídio como uma resposta normal a uma situação stresse, mas como um comportamento resultante de múltiplos e complexos fatores (e.g., doença mental); os objetivos, destinatários, conteúdos e metodologias estão melhor definidos (e.g., Lazear, Roggenbaum, & Blase, 2003; D. N. Miller, 2011) e parece não existirem efeitos negativos decorrentes da abordagem da temática suicida junto dos jovens (e.g., M. S. Gould et al., 2005).

A evolução do conhecimento sobre a eficácia das abordagens de prevenção primária nas escolas contribuiu para que, atualmente, se preconize uma intervenção mais ecológica, isto é, a sua aplicação coordenada e complementar aos estudantes e a todos os agentes educativos (e.g., administradores escolares, professores, assistentes operacionais, psicólogos escolares, técnicos de ação social, enfermeiros e outros

19 Uma versão parcial deste documento será publicada em 2014 com a seguinte referência: Brás, M., & Santos, J. C. (in press). Prevenção do suicídio em meio escolar. In C. B. Saraiva, B. Peixoto & D. Sampaio (Eds). Suicídio e comportamentos autolesivos. Lisboa: LIDEL.

profissionais da escola), aos encarregados de educação e à comunidade local (Kalafat, 2003; D. N. Miller, 2011; Shaffer & Gould, 2000).

A inclusão dos jovens como destinatários das ações de prevenção é hoje mais consensualmente aceite na comunidade científica, existindo um conjunto de bases conceptuais que o justificam, nomeadamente o facto de os adolescentes partilharem os seus problemas mais frequentemente com os pares do que com os adultos; os adolescentes perturbados (e.g., depressivos, abusadores de substâncias) preferirem mais o apoio dos pares do que dos adultos; alguns adolescentes, particularmente rapazes, responderem aos pares perturbados de forma pouco empática e prestável, o que poderá ser melhorado com formação nesse sentido; e os adultos poderem não estar disponíveis e/ou acessíveis para prestar ajuda quando necessário (A. Berman et al., 2006). Estes factos alertam para a importância de preparar os jovens para lidarem com situações complexas relacionadas com a saúde mental dos colegas, e inclusivamente dos próprios, e desenvolverem competências para solicitar ajuda junto de profissionais especialistas, por exemplo (D. N. Miller, 2011).

Neste sentido, as estratégias de prevenção do suicídio em meio escolar têm sido desenvolvidas em diferentes formatos, i.e., ações implementadas de forma isolada (e.g., ação psicoeducacional) ou agregadas em programas multiníveis (e.g., ação psicoeducacional e treino de competências), dirigidas a um único grupo de destinatários (e.g., adolescentes) ou aos vários agentes da comunidade escolar (e.g., professores e encarregados de educação).

Seguidamente, apresentam-se as cinco estratégias de prevenção primária do suicídio desenvolvidas no meio escolar20: (a) ações de rastreio; (b) ações psicoeducacionais; (c) ações de desenvolvimento de competências; (d) formação de porteiros sociais e (e) programas multiníveis.

20

Outro tipo de estratégias preventivas, de extrema relevância, desenvolvidas nas escolas são as ações de pós-venção, embora não sejam incluídas na prevenção primária. Estas ações são desenvolvidas quando ocorre o suicídio de um membro da escola. Os objetivos são identificar jovens em risco através de um rastreio, reduzir o stresse dos membros da comunidade educativa próximos da pessoa falecida, prevenir o desenvolvimento de pós-stresse traumático entre os estudantes que testemunharam o ato ou que descobriram o corpo e diminuir o risco de suicídios por imitação (Shaffer & Gould, 2000).

As ações de rastreio21 têm como objetivo identificar casos de risco que necessitem de avaliação mais específica e intervenção clínica (A. Berman et al., 2006; D. N. Miller, 2011; Shaffer & Gould, 2000). Estas ações podem ser desenvolvidas em vários estágios, desde a administração de instrumentos de rápida aplicação com alta sensibilidade e baixa especificidade (com a limitação, porém, de sinalizar muitos casos falsos- positivos) até instrumentos mais específicos e entrevistas personalizadas (Shaffer & Gould, 2000). Neste âmbito, um dos instrumentos frequentemente utilizado é o Questionário de Ideação Suicida (QIS) (Reynolds, 1991), o qual se encontra adaptado para a população portuguesa (Ferreira & Castela, 1999)

Além disso, é comum serem avaliados outros fatores de risco para o suicídio, tais como a existência de perturbação depressiva ou de tentativas de suicídio anteriores. Os indivíduos que referem risco de suicídio são encaminhados para avaliações mais rigorosas e intervenção individual, desenvolvidas por profissionais de saúde mental (Shaffer & Gould, 2000).

Estas ações de rastreio, embora decorram na escola, não têm, portanto, quaisquer componentes educativas ou interventivas, pois não incluem sessões de sensibilização ou de formação para os estudantes ou outros membros da comunidade escolar (Shaffer & Gould, 2000).

Em estudos sobre a aceitabilidade dos diferentes tipos de ações de prevenção, as ações de rastreio foram as que obtiveram menor aceitabilidade por parte dos psicólogos escolares, embora reconheçam que é a forma mais direta e efetiva de obter informação sobre a vulnerabilidade dos adolescentes para o suicídio (Eckert, Miller, DuPaul, & Riley-Tillman, 2003). Também os adolescentes mostraram menor aceitabilidade das ações de rastreio, o que significa que estas ações devem ser aplicadas com algumas precauções, pois a não-aceitabilidade pode condicionar a sua eficácia (Eckert, Miller, Riley-Tillman, & DuPaul, 2006).

As ações psicoeducacionais consistem em atividades didáticas e pedagógicas destinadas à aquisição de conhecimentos sobre determinada temática. No âmbito da

21 As ações de rastreio, per se, integram-se no âmbito da prevenção primária (Gutierrez & Osman, 2008) embora também possam ser entendidos como uma valência da prevenção secundária pelo facto de, em determinadas situações, precederem a intervenção clínica junto dos indivíduos identificados como de alto risco (D. N. Miller, 2011; Waldvogel et al., 2008).

prevenção do suicídio, estas ações podem centrar-se na temática mais generalista da saúde mental ou focar-se, exclusivamente, na problemática do suicídio.

Alguns autores referem que aumentar a literacia sobre a saúde mental é também uma forma de prevenir atos suicidas. Por exemplo, os programas de prevenção primária que minimizam os efeitos da depressão, ansiedade ou de outros fatores precipitantes (e.g., impulsividade) para os atos suicidas são considerados essenciais (Walker et al., 2009). O objetivo principal de aumentar a literacia sobre a saúde mental entre os jovens é potenciar a sua capacidade de autoajuda e de procurar os recursos adequados para os pares (J. R. Burns & Rapee, 2006).

A World Psychiatric Association, por exemplo, desenvolveu um programa de consciencialização sobre a saúde mental juvenil. Este programa teve como objetivo aumentar o conhecimento dos pais, professores e dos próprios jovens acerca de saúde mental, de forma a diminuir o estigma associado aos problemas de saúde mental e facilitar a identificação dos mesmos, bem como de possíveis comportamentos autolesivos. Os resultados mostraram um aumento no nível de interesse pelos problemas de saúde mental, na autoconfiança e nos conhecimentos para falar sobre problemas emocionais com os jovens. Os autores concluíram assim que a redução do número de suicídios entre os jovens pode advir através da promoção da consciencialização sobre a saúde mental juvenil entre os pais, os professores e os próprios jovens, assim como pelo aumento dos comportamentos de procura de ajuda e de tratamento (Hoven, Tyano, & Mandell, 2009).

Há programas que se focam exclusivamente na promoção de fatores protetores que podem mediar o comportamento suicida, como as redes familiares e sociais. No entanto, estes programas devem ser complementados com instruções sobre o problema específico que se pretende prevenir: o suicídio.

O fundamento dos programas específicos sobre o suicídio consiste em eliminar ou reduzir as condições que colocam os estudantes em risco de suicídio e fortalecer os fatores protetores do mesmo (A. Berman et al., 2006). Os programas sobre a saúde mental em geral previnem os vários problemas mentais, no entanto não contemplam as especificidades que caracterizam o comportamento suicida e poderão não ser tão eficazes como aqueles que exploram a prevenção do suicídio pormenorizadamente.

Assim, as ações psicoeducacionais específicas promovem a aquisição de conhecimentos sobre a temática do suicídio e dos aspetos psicológicos associados. Estas abordagens têm como principal objetivo educar e consciencializar, em particular os

jovens, sobre os atos suicidas (A. Berman et al., 2006; Shaffer & Gould, 2000; Waldvogel et al., 2008).

As ações psicoeducacionais são as mais implementadas (Shaffer & Gould, 2000) e as que têm recebido maior aceitabilidade por parte de diferentes grupos inquiridos, principalmente diretores de escolas secundárias (D. N. Miller, Eckert, DuPaul, & White, 1999), psicólogos escolares (Eckert et al., 2003) e adolescentes (Eckert et al., 2006).

As ações de desenvolvimento de competências pretendem fortalecer os fatores protetores do comportamento suicida. Estas ações promovem a capacidade de resolução de problemas (A. Berman et al., 2006; M. S. Gould & Kramer, 2001; Kalafat, 2003), as estratégias de coping adaptativas (M. S. Gould & Kramer, 2001), as competências de tomada de decisão (M. S. Gould & Kramer, 2001; Kalafat, 2003), autoeficácia (M. S. Gould & Kramer, 2001), a gestão de crises emocionais (A. Berman et al., 2006), as competências de comunicação, as capacidades cognitivas, a autoestima, a gestão do stresse e o estilo de vida saudável (M. S. Gould & Kramer, 2001), entre outras. Estas ações procuram, assim, incidir em áreas em que os adolescentes suicidas têm geralmente mais dificuldades (Waldvogel et al., 2008).

A formação de porteiros sociais22 consiste na ‘educação e treino de “ajudantes da comunidade natural”, adultos que estão em contato com jovens suicidas’ (M. S. Gould & Kramer, 2001, p. 14) ou que têm um acesso privilegiado aos mesmos, quer na comunidade escolar (e.g., professores), quer fora dela (e.g., médico de família, bombeiro, padre, polícia) (A. Berman et al., 2006; M. S. Gould & Kramer, 2001; Pompili et al., 2011). Os porteiros sociais dos jovens podem também ser outros jovens com quem estes convivam com frequência (Pompili et al., 2011; Walker et al., 2009). A formação de porteiros sociais dirigida aos pares é particularmente importante, na medida em que os adolescentes têm tendência para estabelecer relações muito próximas com os seus pares e com eles partilharem o seu sofrimento (A. Berman et al., 2006; Sprinthall & Collins, 2008), sendo problemático a confidencialidade que mantêm mesmo em casos de tentativas de suicídio. Kalafat e Elias (1995) constataram que 40% dos pares do sexo masculino e 60% dos pares do sexo feminino conheciam um colega

22

que tinha realizado uma tentativa de suicídio, mas apenas aproximadamente 25% tinha partilhado essa informação com um adulto. É por isso fundamental que os jovens sejam treinados para reconhecerem pares suicidas de maneira a solicitarem ajuda junto dos recursos adequados (Pompili et al., 2011).

Os porteiros sociais podem ser considerados designados, referindo-se a todos os profissionais com formação e treino para intervir em casos de risco suicida, mas também emergentes, quando se alude a membros da comunidade sem qualquer formação específica para intervir nestes casos (Ramsay, Cooke, & Lang, 1990).

Os objetivos da formação de porteiros sociais passam por promover conhecimentos, atitudes e competências para identificar jovens em risco de suicídio, determinar o grau do risco, gerir as situações problemáticas, sinalizar e encaminhar para os serviços de saúde mental quando necessário (M. S. Gould & Kramer, 2001; Kalafat, 2003; Pompili et al., 2011; Shaffer & Gould, 2000).

A formação de porteiros sociais, inclui geralmente, temáticas como fatores de risco, sinais de alerta, falsas-crenças/mitos sobre o suicídio, orientações para intervir no período de crise suicida, encaminhamento para tratamento com especialistas, os recursos escolares e comunitários e o papel da escola nestes casos (Capuzzi, 2009; Kalafat, 2003).

A necessidade de formação de porteiros sociais baseia-se na evidência de que os conhecimentos sobre o suicídio são poucos, mas que a um aumento dos mesmos corresponderá a uma maior probabilidade de detetar jovens em risco e de prestar a assistência necessária (M. S. Gould & Kramer, 2001).

Os professores, por exemplo, apesar da sua posição estratégica para identificarem sinais de alerta nos adolescentes, não têm um conhecimento muito alargado sobre o suicídio (MacDonald, 2004).

Os próprios psicólogos escolares reconhecem a necessidade de formação específica adicional para lidar com casos de suicídio na escola, embora tenham a responsabilidade ética e legal de prevenir o suicídio (Kalafat, 2003). Estes profissionais escolares e outros do ramo da saúde mental que colaboram com a escola “desempenham um papel vital na diminuição da incidência do comportamento suicida entre os estudantes e na resposta a casos de suicídio e suas consequências” (A. L. Berman, 2009, p. 237), devendo assumir a liderança e a responsabilidade pelo desenvolvimento, implementação e avaliação dos programas de prevenção do suicídio, bem como pela formação de novos porteiros sociais (D. N. Miller, 2011).

No que diz respeito à eficácia da formação de porteiros sociais, não existem muitos dados disponíveis (Mann & Currier, 2011a). Segundo alguns autores, existem poucas evidências de que a formação de porteiros sociais seja eficaz na redução das taxas de suicídio (A. Berman et al., 2006) e evidências inconsistentes sobre a mudança de comportamentos dos formandos em relação aos indivíduos suicidas (Mann & Currier, 2011a).

No entanto, a título de exemplo, um grupo de professores, após participar numa formação de porteiros sociais, tornou-se mais capacitado para identificar sinais de alerta não-verbais ou escritos, valorizar o risco de suicídio em detrimento de percecionar alguns comportamentos de risco como simples chamadas de atenção, encaminhar os jovens com determinados sinais de alerta para profissionais especializados e envolver os pais na situação (Davidson & Range, 1999).

Existe assim algum suporte empírico de que os indivíduos treinados como porteiros sociais estão melhor preparados para intervir junto de indivíduos em crise (A. Berman et al., 2006). Estas formações parecem ser eficazes na mudança de atitudes em relação ao comportamento suicida (Mann & Currier, 2011a). Como já foi referido, uma atitude adaptativa dos porteiros sociais perante indivíduos que tencionam matar-se pode ser decisivo para a mudança dessa decisão (T. Joiner, 2010; Titelman & Wasserman, 2009).

Importa ainda ressalvar que este género de formação deve também esclarecer os limites de intervenção destes porteiros sociais, centrando o seu papel ao nível da prevenção primária e encaminhamento para os serviços competentes (Henriques & Soeiro, 2006). A formação de porteiros sociais nas escolas pode ser conjugada com outras estratégias de prevenção, como as ações psicoeducacionais, as ações de rastreio ou as ações de desenvolvimento de competências (Pompili et al., 2011).

Os programas multiníveis consistem na associação de pelo menos duas das estratégias previamente apresentadas. Este tipo de programas é particularmente importante, na medida em que permite criar sinergias entre as várias estratégias e potenciar os seus efeitos positivos, prevendo-se, por isso, que sejam mais eficazes (M. Gould, 2011). No entanto, são programas mais complexos que exigem maior dispêndio de tempo bem como de recursos humanos e financeiros, o que por vezes representa uma barreira à implementação dos mesmos.

Uma vez apresentadas as várias estratégias de prevenção primária em contexto escolar, importa rever qual tem sido a eficácia demonstrada pelas ações implementadas. A eficácia dos programas de prevenção do suicídio tem sido um tema recorrente e polémico ao longo dos anos. Apesar de terem sido desenvolvidas muitas atividades de prevenção do suicídio, nem sempre a eficácia das mesmas foi, formalmente, avaliada (Anderson & Jenkins, 2009; Guo & Harstall, 2004).

Alguns autores argumentam, por isso, que ainda não existe informação suficiente para determinar a sua eficácia, no entanto, outros autores referem que, nos casos em que houve avaliação dos programas têm sido encontrados efeitos positivos e, embora menos frequentemente, efeitos negativos (M. S. Gould, Greenberg, Velting, & Shaffer, 2003; Guo & Harstall, 2002).

Em relação aos efeitos positivos destas abordagens, existem evidências de que alguns programas promovem os conhecimentos e as atitudes adaptativas em relação à prevenção do suicídio, capacitando os jovens a reconhecerem sinais de alerta de modo a procurar ajuda para os pares e até para si próprios (e.g., Aseltine et al., 2007; Kalafat, 2003; D. N. Miller, 2011; Walker et al., 2009; Zenere & Lazarus, 1997, 2009).

O aumento de conhecimentos sobre o suicídio pode traduzir-se numa mudança de atitudes (Kalafat, 2003), bem como no aumento do número de sinalizações para os serviços de saúde mental (Mazza, 1997; D. N. Miller & DuPaul, 1996), o que revela mudanças comportamentais decorrentes da aprendizagem.

Num estudo baseado em dados compilados num período de 18 anos, os resultados demonstraram que a prevenção do suicídio reduziu a incidência deste problema nos jovens. Este programa demonstrou, assim, mudanças efetivas também no comportamento suicida e não apenas nos conhecimentos ou atitudes sobre o mesmo (Zenere & Lazarus, 2009).

Apesar dos efeitos positivos demonstrados em vários estudos, continua-se a questionar se os programas que incluem ações psicoeducacionais sobre o suicídio podem ser contraproducentes (Jenkins & Singh, 2000, p. 605), i.e., se têm efeitos secundários relacionados sobretudo com o aumento do risco de suicídio devido à abordagem desta temática. Um dos principais efeitos negativos prende-se com a possibilidade da implementação dos programas poder tornar o suicídio mais aceitável entre os jovens e aumentar a sua complacência em relação ao mesmo (Jenkins & Singh, 2000). Para além disso, alguns estudos têm encontrado resultados indesejáveis, embora de forma isolada, tais como a ausência de melhoria do comportamento de ajuda entre

jovens que realizaram tentativas de suicídio (Shaffer, Garland, Vieland, Underwood, & Busner, 1991) assim como o aumento da desesperança e das estratégias de coping mal- adaptativas entre os rapazes, depois de participarem num programa (Overholser, Hemstreet, Spirito, & Vyse, 1989).

Além destes resultados obtidos em estudos sobre a eficácia dos programas, têm sido realizados outros estudos especificamente para avaliar eventuais efeitos secundários indesejáveis decorrentes da abordagem da temática suicida. Globalmente concluíram o seguinte: (a) apresentar os sinais de alerta para o suicídio não teve efeitos secundários negativos, como aumentar as perturbações do humor ou aumentar o risco de suicídio nos jovens (Rudd, Berman, et al., 2006; Van Orden et al., 2006); (b) o uso de medidas de rastreio não levou ao aumento do nível de distresse na resposta a questionários de autopreenchimento, nem ao aumento de sintomatologia depressiva e ideação suicida entre os estudantes (M. S. Gould et al., 2005); (c) os estudantes com alto risco de suicídio e que preenchem questionários sobre o mesmo diminuíram os níveis de sintomatologia depressiva e ideação suicida (M. S. Gould et al., 2005).

O autor concluiu assim que questionar os jovens sobre os seus pensamentos/comportamentos suicidas não tem, por um lado, qualquer efeito negativo naqueles que não estão em risco de suicídio, e, por outro, pode beneficiar aqueles que estão a viver essa problemática (M. S. Gould et al., 2005).

No entanto, os autores alertam para alguns aspetos a considerar quando se planeiam programas de prevenção nas escolas, tais como: (a) não devem ser apresentadas explicações didáticas e simplistas sobre o comportamento suicida; (b) muitos jovens com 18 e 19 anos já abandonaram a escola e podem ser os que estão mais isolados e com maior risco suicida e (c) as perturbações do humor (que são a categoria nosológica mais associada ao risco de suicídio) não são superadas através de intervenções pedagógicas ou prevenidas pelo treino de competências de coping ou competências sociais, métodos estes muito frequentemente associados à prevenção primária (Shaffer & Gould, 2000). Deste modo, os programas devem incluir conteúdos, objetivos e metodologias realistas ajustadas ao público-alvo.

Têm, ainda, sido analisados estudos já concluídos, para tentar concluir sobre a eficácia dos respetivos programas. Guo e Harstall (2002) numa revisão de dez

programas23 sobre a prevenção do suicídio concluíram que existe uma grande variabilidade em termos de conteúdo, duração, frequência, metodologia de implementação e de avaliação. Esta diversidade dificulta a comparação de resultados entre os programas e as conclusões que se possam retirar dos mesmos.

Num outro estudo Miller et al. (2009) avaliaram a eficácia de treze estudos24, publicados entre 1987 e 2007, sobre programas de prevenção do suicídio na escola que foram analisados segundo oito indicadores metodológicos, baseados na Task Force on Evidence-Based Interventions in School Psychology Procedural and Coding Manual desenvolvido por Kratochwill e Stoiber, em 2002. Cada estudo foi classificado numa escala de quatro pontos, consoante evidenciasse a presença de cada um dos indicadores de eficácia, sendo que (0) nenhuma evidência, (1) evidência fraca ou marginal, (2)