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Contextualizando o Carisma weberiano

2.1 Empreendedorismo e o empresariado brasileiro

2.1.1 Contextualizando o Carisma weberiano

Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber tem por objetivo explicitar a relação entre o desenvolvimento do “espírito capitalista moderno” e o processo de racionalização das atividades da vida cotidiana a partir de uma conduta de vida racional, nascida como consequência não prevista e indesejada do protestantismo ascético. Weber procura salientar uma possível relação existente entre a ética do protestante ascética e o desenvolvimento de uma ética profissional baseada na ideia de profissão como vocação, que compõe o que chama de “espírito do capitalismo”. O argumento weberiano consiste na seguinte tese, que a conduta de vida racional fundada na ideia de profissão como vocação nasceu como consequência

não prevista e indesejada da ascese puritana (WEBER, 2006).

Analisando estatísticas ocupacionais de um país pluriconfessional, Weber constata que os protestantes encontram-se mais bem colocados econômica e culturalmente do que os católicos, mostrando uma inclinação específica para o racionalismo econômico que não pode ser igualmente observada entre os últimos. Destaca que a Reforma não significou a eliminação da dominação eclesiástica sobre

of the middle class (petty bourgeoisie), neither Marx nor Engels distinguished between its ‘entrepreneurial’ faction (e.g. small business owners, artisans, independent professionals) and elements of the ‘new middle class’ (clerical, technical, and administrative workers, largely employed in bureaucracies) (Bottomore, 1991). Simmel referred often to entrepreneurs in his empirical examples, but readily interchanged the category of entrepreneur with that of capitalist/owner (e.g., see his discussion of triads and the tertius gaudens in Wolff, 1950). Even Weber, who presented the most extensive treatment of entrepreneurship in the classic sociological literature, offers only sporadic attention to the topic in his magisterial Economy and Society (Swedberg, 2005). All of this may leave the contemporary scholar with some doubt as to whether any of the classic sociological works exhibit a deep interest in entrepreneurship, rather than” (tradção do autor).

a vida, mas, na verdade, a substituição de uma forma de dominação extremamente cômoda, o catolicismo, que mal se fazia sentir na prática, por uma regulamentação infinitamente incômoda da conduta de vida por parte do protestantismo, que penetrava todas as esferas da vida até o limite.

Construindo o seu problema se pesquisa a partir dessas constatações, Weber delineia a sua principal hipótese: que origina-se do protestantismo, mais especificamente do protestantismo ascético, a criação de uma conduta racional de vida que se expande por todas as esferas da vida, elemento essencial do espírito capitalista moderno (WEBER, 2006). Weber destaca que a ideia fundamental que nasce com essa “ética protestante” é ganhar dinheiro, e sempre mais, no mais rigoroso resguardo do gozo imediato do dinheiro ganho. Sendo assim, o núcleo denso da definição de espírito do capitalismo seria a ideia do dever que tem o indivíduo de se interessar pelo aumento de suas posses como um fim em si mesmo. Decorre daí a ascese puritana, a disposição de executar o trabalho como se fosse um fim absoluto em si mesmo – como “vocação”.

Antes da Reforma Protestante não havia a ideia de trabalho como vocação. Com a Reforma, passa a ocorrer um processo de valorização do trabalho cotidiano no mundo. Apesar do luteranismo não ter conseguido se desvincular do tradicionalismo, as seitas puritanas, mais especificamente o calvinismo, levaram às últimas consequências lógicas o conceito de vocação. Nessas seitas, é na valorização do cumprimento do dever no seio das profissões mundanas que reside a peculiaridade da ética ascética intramundana. Logo, nasce do protestantismo ascético uma conduta de vida baseada na profissão como vocação.

Weber (2006) demonstra que uma ética protestante específica (puritana) é a causa histórica antecedente do espírito capitalista moderno. Ora, o fato de haver uma anterioridade histórica do protestantismo ascético em relação ao espírito do capitalismo é uma consequência paradoxal. Os reformadores não tinham intenção de originar o espírito do capitalismo: este foi um “efeito indesejável”, uma consequência não prevista desse processo de racionalização da conduta de vida, favorecido, principalmente, pela ascese intramundana do puritanismo.

Pontos fundamentais para o entendimento do potencial de racionalização da conduta de vida do protestantismo ascético são a doutrina da predestinação e da justificação pela fé do calvinismo. A doutrina da predestinação leva

às últimas consequências a ideia de salvação pela graça de Deus, e não pelas obras, já presente no luteranismo. Segundo essa doutrina, Deus é justo e soberano; ele escolhe aqueles a quem irá salvar e aqueles a quem irá condenar segundo seus desígnios (que não são revelados aos homens). Esta escolha é firmada desde a eternidade, e não há nada que o homem possa fazer para alterá-la. Eliminando a possibilidade de salvação, essa doutrina provoca no crente um sentimento de solidão interior diante de Deus. O calvinismo aponta com forma de aplacar a angústia diante da incerteza da salvação, a ação do crente no sentido de criar em si a convicção de que se está entre aqueles que foram escolhidos para serem salvos, mantendo-se inabalável em sua fé em Deus e trabalhando sem descanso para a sua glória.

É dessa doutrina da justificação pela fé que deriva a concepção de trabalho profissional sem descanso e disciplinado, como meio de se conseguir a autoconfiança na salvação. Somente ele dissiparia a dúvida religiosa e daria a certeza do estado de graça. Estando o mundo destinado a servir à glorificação divina, o puritano eleito existe apenas para fazer crescer no mundo a glória de Deus. Assim, o trabalho do calvinista no mundo é exclusivamente para aumentar a glória de Deus. Não o trabalho em si, mas o trabalho profissional racional: a ênfase da ideia puritana de profissão recai sempre nesse caráter metódico da ascese profissional. Assim, há no calvinismo a necessidade de uma comprovação da fé na vida profissional mundana, e é nesse ponto que reside peculiaridade da ética calvinista: na relação que se produziu entre vida religiosa e ação terrena de espécie totalmente diversa das que se produziram quer no catolicismo, quer no luteranismo, na valorização da vida intramundana como missão dada por Deus.

A ascese protestante intramundana agiu no sentido da contenção do gozo descontraído da vida e do consumo, especialmente o consumo de luxo e do estímulo à poupança. Em compensação, teve o efeito psicológico de liberar o enriquecimento, ao romper as cadeias que cercavam a ambição do lucro, não só ao legalizá-lo, mas também ao encará-lo como diretamente querido por Deus. Além disso, a valorização religiosa do trabalho profissional mundano, sem descanso, continuado, sistemático, como o meio ascético supremo e ao mesmo tempo como comprovação segura e visível da autenticidade de sua fé, tinha que ser, no fim das contas, a alavanca mais poderosa que se pode imaginar da expansão dessa concepção de vida a que Weber (2006) chama de “espírito do capitalismo”.

Se, portanto, para a análise das relações entre a ética protestante e o desenvolvimento do espírito do capitalismo, Weber parte das criações do calvinismo e das demais seitas puritanas, isso não deve ser compreendido como se algum dos fundadores ou representantes dessas comunidades religiosas tivesse como objetivo o desenvolvimento daquilo que Weber chama de “espírito do capitalismo”. A salvação da alma, e somente ela, era a principal preocupação dos líderes reformadores e este foi o seu eixo de ação. Por isso temos que admitir que os efeitos da Reforma, foram, em boa parte, consequências imprevistas e mesmo não desejadas do trabalho dos reformadores (WEBER, 2006).

Portanto, o processo de racionalização religiosa que origina o espírito do capitalismo, ou, em outras palavras, o processo de racionalização das atividades cotidianas baseado na ideia de profissão como vocação, apresentou resultados que não haviam sido planejados ou desejados pelos líderes religiosos reformistas. Estes estavam apenas preocupados com a salvação das almas, e nada mais. Explicitando tais argumentos, Weber demonstra a existência de afinidade eletivas entre o espírito do capitalismo e o protestantismo ascético, enfatizando que o caráter não previsto e indesejável de tal afinidade constitui a explicação original de seu estudo.

A ideia de vocação como um “chamamento de Deus” possui uma forte ressonância religiosa, mas é na constituição dos “líderes naturais” que podemos melhor relacionar ao nosso objeto de pesquisa, quando os fundadores das startups, revelaram que o ato de “auto motivar-se” eram os mais decisivos no sucesso de gestão dos fundadores das startups. Tomando o conceito weberiano, entendemos também como os líderes carismático, despendidos de qualquer interesse econômico, mesmo sendo este sendo seu fim, eram portadores de um carisma pessoal que consistia em determinação interna e a contentação interna; bem como o auto reconhecimento de sua missão e os reconhecimentos de seus seguidores em serem seus servos.

A força de auto-motivação, característica que um de nossos objetos de

pesquisa usou para aludir à característica primordial do empreendedor das startups, não só são complementadas no quadro comparativo da Tabela 1 (do item 2.2) em Schumpeter, como talvez seja melhor entendida em seu cerne através das elaborações de Max Weber acerca do conceito de carisma, que é primeiramente uma questão relacionada à autoridade e à legitimidade do poder do líder. Um líder

carismático não é forte e detentor de um vigor persuasivo meramente. Entendemos que sua autoridade é baseada em apoiadores de uma devoção à santidade excepcional, heroísmo ou caráter exemplar de uma pessoa individual e os padrões normativos ou ordem revelados ou orientados por ele. Em Weber (1979), entendemos carisma como um poder criativo que recua diante da dominação, que enrijece instituições duradouras, eficaz apenas em emoções em massa de curta duração, de efeitos incalculáveis, como nas eleições e em ocasiões semelhantes. O autor nos fazer entender que o agente da ruptura é o líder, herói ou profeta portador do carisma. Esta é

[...] a qualidade, que passa por extraordinária (cuja origem é condicionada magicamente, quer se trate de profetas, feiticeiros, árbitros, chefes de caçadas ou comandantes militares), de uma personalidade, graças à qual esta é considerada possuidora de forças sobrenaturais, sobre-humanas - ou pelo menos especificamente extra-cotidianas, não-acessíveis a qualquer pessoa - ou, então, tida como enviada de Deus, ou ainda como exemplar e, em consequência, como chefe, caudilho, guia ou líder (WEBER, 1979, p. 193).

Vemos, no entanto, ainda na concepção do líder carismático weberiano, um conceito de “gênio” que seria guiado pelo inspiração dos líderes artísticos e intelectuais renascentistas, criadores de símbolos; não apenas homens de ideias, mas modelos ideias ampliadas em W.E.H. Lecky (WEBER, 2010, p. 37).

Surgem, de tempos em tempos, homens que têm para com a condição moral de sua época mais ou menos relações que os homens de gênio têm para com sua condição intelectual. Antecipam o padrão moral de uma época posterior, lançam conceitos de virtude desinteressada, de filantropia, desprendimento, que parecem não ter relação com o espírito de sua época, inculcam deveres e sugerem motivos de ação que parecem à maioria dos homens completamente quiméricos. Não obstante, o magnetismo de suas perfeições influi poderosamente sobre os seus contemporêneos. Acende-se o entusiasmo, um grupo de partidários se forma e muitos se emancipam das condições morais de sua época. Não obstante, os plenos efeitos desse movimento são transitórios. O primeiro entusiasmo esmorece, as circunstâncias ambientes retomam a sua ascendência, a fé pura é materializada, incrustada com concepções estranhas à sua natureza, deslocadas e deformadas, até que as suas características iniciais quase desapareçam. O ensinamento moral, sendo inadequado à sua época, torna- se inoperante até que sua civilização adequada tenha alvorecido; ou, na melhor das hipóteses, a fé se filtra tênue e imperceptivelmente através de um acúmulo de dogmas, e com isso acelera, de certo modo, o nascimento da condição que exige. (WEBER, 2010, p. 37-38).

As características de uma autenticidade carismáticas, assim como em Lecky, prediz em Weber a rotinização do carisma.

O carisma da primeira hora pode incitar os seguidores de um herói guerreiro ou profeta a esquecer a convivência em favor dos valores finais. Mas durante a rotinização do carisma, os interesses materias de um séquito em crescimento constituem o fator mais forte (WEBER, 2010, p. 38).

Segundo Weber (2012), carisma é uma qualidade pessoal considerada extracoditiana, “[...] em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, extracotidianos específicos ou então se a toma como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como 'líder'” (WEBER, 2012, p. 159). Nesse sentido, o carisma é alheio à economia: como tipo puro e do ponto de vista da economia racional, é uma atitude tipicamente antieconômica, pois despreza e até condena o aproveitamento econômico em forma de renda dos dons possuídos (WEBER, 2012, p. 160-161). Não obstante, o carisma pode ser a grande força revolucionária contra duas tendências diametralmente opostas, tanto da tradição quanto do processo de burocratização moderno. Mas, diferentemente do processo também revolucionário de racionalização da vida, que atua de fora para dentro nas condições exteriores da luta entre os homens, “o carisma pode ser uma transformação com ponto de partida íntimo, a qual, nascida de miséria ou de entusiasmo, significa uma mudança na direção da consciência e das ações, com orientação totalmente nova de todas as atitudes” (WEBER, 2012, p. 161).