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2. O MÚTUO BANCÁRIO

2.8 CONTRATO DE ADESÃO

O mútuo bancário se caracteriza por ser um contrato de adesão, o qual pode ser descrito como aquele cujas cláusulas contratuais são preestabelecidas de maneira unilateral pela parte econômica mais forte da relação – o fornecedor que, no caso em apreço, corresponde às instituições financeiras –, ou seja, sem que a outra parte – o consumidor – possa discutir ou modificar significativamente o conteúdo do contrato escrito. Vale lembrar que tais palavras se extraem da dicção do artigo 54234 do Código de Defesa do Consumidor.

Segundo Marques,

“O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação do consumidor-contratante, do objeto e do preço. Assim, aqueles que, como consumidores, desejarem contratar com a empresa para adquirirem produtos ou serviços já receberão pronta e regulamentada a relação contratual, não poderão

233 “Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de

financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; IV - número e periodicidade das prestações; V - soma total a pagar, com e sem financiamento. § 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação. § 2º É assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.” BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 25 de out. de 2013.

234 “Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou

estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo.” BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 25 de out. de 2013.

efetivamente discutir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importantes do contrato.”235

O consumidor, desse modo, limita-se a aceitar em conjunto, o todo elaborado unilateralmente – na maioria das vezes sem ler o contrato –, deixando de lado, portanto, a fase pré-negocial, tida como elemento essencial do contrato de adesão236.

Advirta-se, entretanto, que, embora tenha suas cláusulas preestabelecidas unilateralmente, o contrato de adesão em si não é considerado abusivo. Representa uma padronização necessária das relações de consumo, nas quais a negociação individualizada dos termos contratuais com dificuldade encontraria lugar237.

O abuso, esclarece Oliveira,

“não resulta do fato de que o consumidor é obrigado a aderir a este ou àquele texto pré-impresso, mas, efetivamente, do conteúdo eventual de uma convenção de cuja redação ele não participou, e que ele não poderá modificar, haja vista a relação de forças existentes entre as partes confrontadas, e que provavelmente ele encontrará uniformizada no setor respectivo”238.

Lembre-se, entretanto, que, por força da Súmula nº 381 do Superior Tribunal de Justiça, “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”239, ou seja, no mútuo bancário, em havendo cláusulas

abusivas, é necessário o requerimento por parte do contratante que se sentir prejudicado.

2.8.1 A descaracterização do contrato bancário para mútuo civil

As instituições financeiras têm a obrigação de comunicar todas as suas operações creditícias perante o Banco Central do Brasil, pois a Central de Risco de Crédito,

235 MARQUES, op. cit., 2005, p. 71. 236 Idem, ibidem, p. 71.

237 OLIVEIRA, Código de Defesa do Consumidor e os contratos bancários, 2002. p. 57. 238 Idem, ibidem, p. 57.

239 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 381. Data de julgamento 22/04/2009. Disponível em:

instituída pelas Resoluções nº 2.724/2000 e 3.658/2008, possui caráter consultivo para a efetiva verificação de lastro da moeda nacional e das instituições financeiras, a fim de que se possa verificar o risco pelo empréstimo bancário. Esse procedimento é indispensável à validação do ato jurídico.

Assim, caso as instituições financeiras deixem de proceder de acordo com as determinações das Resoluções fixadas pelo Banco Central do Brasil (BACEN), os contratos de mútuo deixam a órbita do mútuo bancário para instalarem-se sob a égide do mútuo civil.

Nesse sentido é o posicionamento Desembargador Lédio Rosa de Andrade:

“No momento em que a instituição financeira decide descumprir a lei que regula sua atividade, enganando o Estado, deixa de agir como instituição financeira e, como corolário, não pode, diante de uma inadimplência, socorrer-se do mesmo Estado, agora no Poder Judiciário, exigindo o cumprimento da lei quando ela mesma a descumpriu. Portanto, ao agir ao arrepio da legislação e colocando em risco o próprio sistema financeiro, o banco abdicou de sua condição de instituição financeira e, consequentemente, não pode agir com base na legislação específica, ficando subordinada a relação jurídica efetuada entre as partes à legislação civil comum. Se não cumprem suas obrigações bancárias, não podem ser reconhecidas como instituições financeiras, não podem ser autorizadas a firmar contratos bancários, regidos por normas de Direito Bancário, mas, assim como as demais pessoas, devem se sujeitar aos ditames dos mútuos civis. Por estas razões, o contrato firmado entre as partes deve descaracterizar-se como operação bancária e assumir corpo de mútuo civil.”240

Outro fator que desencadeia a descaracterização do contrato de mútuo bancário para mútuo civil é cláusula que contenha a obrigação de recompra dos títulos cedidos. Nesse sentido, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. DESCARACTERIZAÇÃO PARA MÚTUO CIVIL. POSSIBILIDADE. PRESENÇA DE CLÁUSULA DE

240 BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Apelação Civil nº

2010.059376-4 – Relator Desembargador Lédio Rosa de Andrade. Data de publicação 21/09/2011. Disponível em:

http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=01000H3IR0000&nuSeqProcssoMv= 49&tipoDocumento=D&nuDocumento=3730760. Acesso em: 14 de ago. de 2013.

RECOMPRA E DEMAIS REMUNERAÇÕES QUE DESCARACTERIZAM O CONTRATO DE FACTORING, SOB PENA ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO FACTOR. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. REJEITADO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. A cláusula que contenha a obrigação de recompra dos títulos cedidos descaracteriza os contratos de fomento mercantil, porquanto, a empresa de factoring assume todos os riscos do negócio no momento em que os adquire e recebe uma remuneração ou comissão, ou ainda, faz a redução em relação ao valor dos títulos cedidos.241

Ou seja, a cláusula que contenha a obrigação da recompra dos títulos cedidos descaracteriza os contratos de fomento mercantil, transformando-os em mútuo civil, uma vez que a opção de recompra é incompatível com o negócio empreendido pela empresa de factoring.

Pois bem, observado este aspecto e passadas as vistas sobre os princípios e as características do mútuo bancário e do mútuo civil – capítulo primeiro –, percebe-se, em primeira mão, que o contrato de mútuo, dependendo do modelo a ser adotado, estará sujeito a regimes jurídicos diferenciados, ou seja, dependendo de qual será o seu conteúdo ou de quem serão os contratantes, as normas a serem aplicáveis poderão ser diferenciadas, cogentes ou não. Assim, passar-se-á à análise dos possíveis meios, doutrinários e jurisprudenciais, que possam viabilizar não a descaracterização de um tipo de mútuo pelo outro, como visto ilustrativamente neste tópico, mas uma aproximação normativa e principiológica entre ambos, ressalvando que, enquanto no mútuo civil prevalece uma maior liberdade e igualdade para se estabelecerem as cláusulas contratuais, no outro a prevalência dos contratos de adesão retrata uma perceptível vulnerabilidade de uma das partes contratantes; nestes há, entretanto, a presença de uma nítida influência constitucional não verificável, de pronto, naqueles.

241 BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Apelação Civil nº 6519284 – Relator

Desembargador Joatan Marcos de Carvalho. Data de julgamento 27/04/2010, Data de Publicação: DJ: 476.

Disponível em:

http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/TJPR/IT/AC_6519284_PR_1307583264512.pdf?Signature=rsoskw21r5 8WhEK9YXgeolHbXi4%3D&Expires=1376532994&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCMBA&res ponse-content-type=application/pdf. Acesso em: 14 de ago. de 2013.

3. MÚTUO CIVIL: SOBRE A INFLUÊNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO