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1. O MÚTUO CIVIL

1.2 O MÚTUO CIVIL NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

1.2.2 Contrato de mútuo na visão do Código Civil de 2002

Muito embora a mudança de postura principiológica que envolve os contratos, dentre eles o mútuo, tenha sido considerável, o Código Civil de 2002 manteve praticamente as mesmas regras do Código Civil de 1916, razão pela qual não se fará uma análise tão criteriosa quanto a que foi feita no tópico 1.1, mas somente a abordagem do que foi suprimido e do que foi acrescentado, bem como uma referência ao controle de juros, por ser um assunto em permanente conflito no meio jurídico.

115 NERY JUNIOR e NERY, op. cit., p. 192. 116 NERY JUNIOR e NERY, op. cit., p. 504.

117 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. Ed. 30. Atual. de

O Código de 2002 repete, em seu artigo 586118, o mesmo conceito que o artigo 1.256 do Código Civil de 1916 dava ao contrato de mútuo civil. Nos dizeres de Paulo de Tarso Vieira Sanseverino,

“Houve apenas a supressão das normas do arts. 1.258 (mútuo em moedas de ouro e prata) e 1.263 (pagamento de juros não pactuados pelo mutuário). A primeira regra perdeu a sua atualidade, enquanto a supressão da segunda derivou da sua parcial incompatibilidade com o disposto no art. 251 do Código Comercial, também revogado.”119 Existe, entretanto, uma diferenciação fundamental no mútuo do Código Civil de 2002 em relação ao Código Civil de 1916, qual seja a incorporação das disposições do mútuo mercantil, uma vez que esta era feita, anteriormente, “pelo art. 247 do Código Comercial de 1850, que foi revogado pelo art. 2.045 do Código Civil de 2002, juntamente com toda a Parte Primeira do Código Comercial relativa ao ‘Comércio em geral’ (arts. 1º a 456)”120.

Sanseverino adverte para o fato de que esta modificação é muito sensível, pois a regra que vem impressa no artigo 591 do Código Civil de 2002, “ao regular o mútuo destinado a fins econômicos, presume que seja oneroso (sujeito a juros), contrariamente ao disposto no art. 1.262 do Código Civil de 1916, que estabeleceria a gratuidade no mútuo civil”121. Tal preceito estabelece o mútuo feneratício, que se caracteriza por ser “o empréstimo feito ao mutuário, que tem como prestação a devolução da quantia emprestada, acrescida dos juros legais ou convencionados”122.

“Além disso, o contrato de mútuo serve como matriz para dezenas de outros contratos comerciais, que, em função da ampliação dos mecanismos de crédito na sociedade contemporânea, apresentam notável importância no comércio jurídico. Incluem-se os contratos

118 “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que

dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.” BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.

CASA CIVIL. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 17 de ago. de 2013.

119 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Contratos nominados II: contrato estimatório, doação, locação de coisas, empréstimo (comodato – mútuo). Biblioteca de direito civil. Estudos em homenagem ao Professor Miguel

Reale, v. 4. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 301.

120 Idem, ibidem, p. 301. 121 Idem, ibidem, p. 301.

bancários em geral, os de abertura de crédito, os de financiamento etc.”123

O legislador do novo Código Civil, infelizmente, não prestou atenção à nova realidade e manteve, em linhas gerais, a acanhada regulamentação do contrato de mútuo do Código Civil de 1916, dando oportunidade ao surgimento de dúvidas relevantes que, espera-se, sejam solucionadas pela doutrina e pela jurisprudência, como, por exemplo, as que serão levadas à reflexão nos capítulos seguintes.

1.2.2.1 O controle dos juros

Conforme abordado no tópico que tratou da usura, existem, historicamente, grandes controvérsias que circundam o controle ou não das taxas de juros convencionais e, no Brasil, a discussão tornou-se mais acirrada nos últimos tempos, em razão “da circunstância de os contratos financeiros em geral constituírem modalidades de mútuo oneroso, em que a incidência dos juros tem sido estabelecida em taxas bastante elevadas”124.

Atualmente vigora, em termos gerais, para o mútuo civil, o que o Superior Tribunal de Justiça, na I Jornada sobre o Código Civil de 2002, fixou no enunciado nº 20:

“20 - Art. 406: A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês. A utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano.”125

123 SANSEVERINO, op. cit., p. 301. 124 SANSEVERINO, op. cit., p. 312.

125 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. I, III, IV e V Jornadas de Direito Civil. Disponível em:

http://www.stj.jus.br/publicacaoseriada/index.php/jornada/article/viewFile/2644/2836. Acesso em: 12 de out. de 2013. p. 19.

Assim, consoante esse entendimento, a limitação dos juros deve obedecer à taxa de 1% ao mês, ou seja, 12% ao ano. Entretanto, por meio de uma interpretação sistemática, seria possível, tendo em conta os dispositivos da Lei de Usura, considerar legal o dobro desta taxa, ou seja, 2% ao mês ou 24% ao ano, e o que passasse disso caracterizaria a usura, mesmo porque

“continua lícita a estipulação de juros no contrato de mútuo, mas, entre nós, a taxa dos juros convencionais não pode ser superior ao dobro da taxa dos juros legais. Nula será qualquer convenção em contrário, mas a nulidade fulmina apenas a cláusula, que é substituída pela disposição legal. O contrato permanece válido, com essa modificação. O excesso cobrado deverá ser restituído”126. Não obstante respeitados esses argumentos e, também, tendo em vista a falta de segurança desta taxa, uma vez que não existe previsão expressa para tanto, acredita-se que talvez quem apresente uma solução mais plausível sejam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, para quem

“A LU 1º veda a estipulação de juros superiores ao dobro da taxa legal. A taxa legal é 1º ao mês [...], isto é, de 12% ao ano. A aplicação da LU 1º, o que equivaleria a 24% ao ano ofenderia o CC 406 c/c CTN 161 § 1º, que delimitam o teto dos juros em 12% ao ano.”127

126 GOMES, op. cit., p. 321.