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CAPÍTULO 5: AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE CULTURA EM SÃO PAULO

2. CONTRATO DE GESTÃO

O Contrato de Gestão é o instrumento utilizado para a contratualização dos resultados entre o Poder Público e as Organizações Sociais, tendo leis específicas para a administração federal e estadual. Com base na Reforma do Aparelho do Estado, iniciada na década de 90, o CG tem a responsabilidade de garantir flexibilidade e autonomia na execução de atividades não-exclusivas do Estado por OSs (Brasil, 1995).

Martins (2017) explana que o CG é um contrato de resultados, esforços (para consecução dos resultados) e meios (para alcance dos esforços). Porém, nem sempre os contratos explicitam de modo claro suas especificações sobre esforços e meios, revelando mais pactuações de esforços que de resultados e impactos, com poucos indicadores de eficiência e efetividade bem definidos. Em todo caso, mesmo que de forma incompleta, o autor ressaltam o avanço do Contrato de Gestão em relação à lógica dos convênios, uma vez que no modelo adotado para OSs, majoritariamente, existe alocação de recursos em atividades e metas, bem como, a prestação de contas sobre a conformidade da execução dos recursos.

68 Lopes (2016) reforça que o Contrato de Gestão é um instrumento jurídico específico, em que não é possível analisá-lo como uma forma jurídica tradicional, o que poderia acarretar em invalidar a vontade do legislador e, pior ainda, engessar essa ferramenta com as amarras da administração direta. Desse modo, o Contrato de Gestão “não tem caráter de convênio, pois tem maior estabilidade e tende a ser totalmente executado” (Lopes, 2016, p. 18). No conceito do jurista Gustavo Justino de Oliveira e corroborado por Lopes (2016, p. 18), o CG é definido como “um acordo administrativo, organizatório e colaborativo”.

De acordo com Jann e Reichard (2002) é usual que os contratos sejam mais influenciados pelo contratado ao invés do órgão responsável do governo e verificaremos ao longo deste estudo que essa é uma ação frequente, uma vez que são as OSCs que propõe os Planos de Trabalho, via Termos de Aditamento, à Secretaria.

Verificamos a partir dos Contratos de Gestão analisados que todos eles, no âmbito estadual paulista, seguem um padrão estrutural, independente da área de atuação da entidade. Para proporcionar uma análise mais atualizada, expomos no Quadro 9 as diferenças entre o padrão do CGs analisados, do período de execução da gestão do ex-Secretário Marcelo Araújo, e os novos Contratos de Gestão, assinados a partir de 2017.

Estrutura do CG de 2010 até 2016 Estrutura do CG a partir de 2017 Documento base do Contrato de Gestão Documento base do Contrato de Gestão Anexo Técnico I – Programa de Trabalho e Metas Anexo I – Plano Estratégico de Atuação

Anexo Técnico II – Sistema de Pagamento Anexo II – Plano de Trabalho – Ações e Mensurações Anexo Técnico III – Sistema de Despesa com Pessoal Anexo III – Plano Orçamentário

Anexo Técnico IV – Inventário e Avaliação dos Bens

Móveis e Imóveis Anexo IV – Compromisso de Informação

Anexo Técnico V – Termo de Permissão de Uso Anexo V – Cronograma de Desembolso

- Anexo VI – Termo de Permissão de Uso de Bens

Móveis e Imóveis Quadro 9 – Estrutura do Contrato de Gestão: comparação pré e pós 2016 Fonte: elaboração própria

Com base nos CGs, podemos considerar que, atualmente, estamos vivendo a terceira fase da implementação da política de cultura por Organizações Sociais em São Paulo. A

primeira fase, até 2010, corresponde à assinatura dos primeiros Contratos de Gestão. Foi um

69 desafiador, pois existiam poucas Organizações Sociais qualificadas e a Secretaria, até o momento, também aprendia junto às OSCs sobre o funcionamento do modelo.

A estrutura do primeiro Contrato de Gestão [referência ao Projeto Guri, de 2004] foi propositadamente simples. Era importante testar o novo modelo antes de estabelecer um conjunto de metas mais complexas e desafiadoras. Assim, as metas foram: administrar a OS; manter os polos atuais funcionando; preencher todas as vagas; fazer supervisão, capacitação para professores e orientadores; promover eventos. Para abertura de novos polos, foi estabelecido que haveria crédito suplementar, o que não ocorreu no ano de 2005 (Costin, 2005, p. 115).

A segunda fase, de 2010 a 2016, em que este estudo se insere, foi o momento em que o modelo passou de desconfiança para constatação e legitimação da parceria. A estrutura da Secretaria sofreu alterações, visando a melhor gestão dos contratos com as OSCs. Dentre as inovações do período, destaca-se a criação da Unidade de Monitoramento, em 2013.

Neste período, todos os CGs possuíam cinco Anexos Técnicos: Programa de Trabalho e Metas; Sistema de Pagamento; Sistema de Despesa com Pessoal; Inventário e Avaliação dos Bens Móveis e Imóveis; e Termo de Permissão de Uso. Houve considerável reformulação das metas em relação aos primeiros CGs, da primeira fase, dando atenção às metrificações que não foram priorizadas nos primeiros contratos. Dentre elas, a infraestrutura, que passou de uma meta não obrigatória para, a partir de 2010, ser enquadrada como uma “rotina” – obrigação contratual que todas as OSCs devem investir quantidade estipulada do orçamento nessa atividade.

Por fim, a terceira fase é o momento de amadurecimento do modelo de Organização Social de Cultura em São Paulo. Com base na experiência de mais uma década entre SEC e OSCs, o modelo já estava consolidado, ou seja, com legitimação reconhecida e constada como melhor maneira de execução de política de cultura (em contraponto com a administração direta). Nesse sentido, a prioridade foi amadurecer os objetivos, o monitoramento e a avaliação da parceria, com informações alinhadas e publicizadas.

Para isso, os CGs assinados a partir de 2017 apresentam duas inovações em formato de anexos: Plano Estratégico de Atuação e Compromisso de Informação, que são sessões reorganizadas de elementos apresentados ao longo da estrutura de anexos antiga (até 2016), principalmente, no Plano de Trabalho. O Plano Estratégico traz objetivos, justificativas e a narrativa histórica da gestão do equipamento com terminada OSC. Já o Compromisso de Informação apresenta das rotinas técnicas e obrigações, bem como, sistematiza todos os relatórios que a Organização Social deve elaborar ao longo da vigência do contrato.

70 O maior desafio que a Secretaria da Cultura enfrenta parece ser a dificuldade de estabelecer um alinhamento entre os Planos de Trabalho dos CGs nas áreas de difusão e formação cultural, enquanto os contratos da área de museus possuem uma estrutura de programas bem definida, em que veremos com melhor detalhamento no capítulo seguinte.

Aqui, existe um embate entre padronização e engessamento nas áreas de formação cultural e difusão. Com a falta de um alinhamento da Unidade de Formação Cultural e da Unidade de Difusão, Bibliotecas e Leituras entre seus próprios programas, coube à Unidade de Monitoramento a iniciativa de padronizar os Planos de Trabalho por meio do Matriz Parametrizada de Ações Culturais (MaPA). Porém, como explanado anteriormente, a UM possui uma visão macro e distante, que não é específica para cada programa ou área.

O caderno “LabCult nº1 – Indicadores para políticas públicas de cultura: desafios e perspectivas em SP” explicita essa ação: trazendo um panorama dos indicadores existentes para a área cultural, na seção destinada aos Contratos de Gestão, os indicadores apresentados são todos generalistas. Os poucos destinados às áreas específicas, também acabam caindo em generalização, como: “taxa de cobertura por segmentos de público”, para difusão; e “taxa de ocupação nas ações de formação”, para formação cultural (São Paulo, 2018c)

Também apontamos que a classificação de indicadores culturais de desempenho utilizada pela UM é confusa. Tal caderno referencial considera “manutenção e conservação das edificações”, “aquisição, organização e pesquisa de acervos” como indicadores de preservação e comunicação do patrimônio museológico do Estado de São Paulo, sem apontar como e o que esses indicadores medem (São Paulo, 2018c), enquanto Alcoforado (2005) aponta que os indicadores de desempenho, no caso específico de Contratos de Gestão, são variados e relacionados a um determinado serviço ou atividade, não podendo ser generalistas para contemplarem todas as Organizações. Em um viés quantitativo, os indicadores de desempenho devem ter ações mensuráveis dos resultados das atividades culturais executadas.

Outros estudos na área já haviam apresentado a defasagem no âmbito dos indicadores adotados: Fiora, Porta e Duarte (2011, p. 9) apresentaram os indicadores e metas disponíveis nos CGs como instrumentos pouco consistentes que, muitas vezes, “não poderiam ser considerados indicadores”, no sentido estrito – apenas informações. Porém, como afirmamos anteriormente e com visão corroborada por Matta (2013), este fator está relacionado à ausência

71 de uma política consistente para a área da cultura e a falta de um posicionamento concreto da SEC sobre objetivos e responsabilidades da área.

Nesse sentido, concluímos que a padronização do Plano de Trabalho não deve ser top-

down, pela Secretaria, via UM21. O melhor caminho seria bottom-up: os entrevistados sugerem um alinhamento com início nas Organizações Sociais que trabalham com os mesmos programas e linguagem, em que, juntas com a UGE, pudessem criar uma matriz de indicadores parametrizada, necessidade fundamental aos Planos de Trabalho dos CGs.

Eu acredito que não dá para fazer essa parametrização do macro para o micro, ela precisa começa primeiro do micro. Então, por exemplo, em formação cultural: primeiro os dois Guris se alinham, o mesmo com as duas gestões do Fábricas de Cultura. Depois, alinham-se os programas da linguagem teatral e, só depois disso, se vai para outro patamar. É preciso resolver as métricas pontualmente, para só depois se metrificar o todo. Fazer o processo inverso, um “top down”, ao invés de fazer um “bottom up” não dá certo. (O6, 2018, grifo nosso).

Logo, só a partir de um alinhamento, qualitativo e quantitativo, Unidade Gestora e Unidade de Monitoramento poderiam verificar o que é possível ser padronizado como indicador da mesma UGE, se opondo a engessar e prezando pela parceria e pelas peculiaridades das OSCs. De antemão, ressaltamos que não é possível uma padronização em todos os CGs da UDBL pois a Unidade trabalha com duas áreas distintas: difusão e bibliotecas.

O modelo [OS] foi se amarrando em querer ter o mesmo tipo de Contrato [de Gestão], com o mesmo grau de formalização, para toda e qualquer tipo de solenidade, sendo que elas diferem na natureza. O modelo foi concebido, em minha opinião, para ser flexível (...). A atividade cultural do Contrato deveria refletir as diferenças de natureza. (O1, 2018, grifo nosso).

No modelo concebido pelo MARE, a proposição de metas previa pactuação entre as partes – contratante e contratada – com ajustes posteriores, em caso de necessidade em alteração significativa das condições iniciais (Brasil, 1997). Porém, neste estudo, assim como nos resultados encontrados na pesquisa de Matta (2013), as entrevistas indicaram claramente para uma maior influência das Organizações Sociais de Cultura analisadas na definição do plano de trabalho, atividades e metas, desde o início do Contrato de Gestão, ao invés de proposições da Unidade Gestora. Nesse sentido, os termos “contratada” e “contratante”, explícitos no Contrato de Gestão, são nomenclaturas jurídicas que não indicam uma relação de prestação de serviços em que a SEC apenas define, e a OSC apenas executa. Ou seja, a coordenação horizontal

21 Mesmo com a imposição de controles pela Unidade de Monitoramento, notamos com as entrevistas que a relação de parceria se mantém.

72 (Peters, 1998; Bouckaert et al., 2010) entre SEC e OSCs, no caso de São Paulo, é uma realidade, possibilitando a troca de conhecimentos entre órgão público e entidade não-estatal.

Martins (2017) traz que as parcerias envolvem contratos complexos e, por definição, imperfeitos, sendo passíveis de problemas de agência22 e gaming23 – nesta situação, podem ocorrer duas facetas, que só são evitadas com metas realistas e desafiadoras, conforme apontado por Torres (2007).

Na primeira faceta, os indicadores de resultados são deliberadamente suprimidos para desonerar a contratada, restringindo sua responsabilidade à simples execução de ações. Já na segunda, as metas são subestimadas para atenuar os impactos de prováveis problemas no fluxo de recursos, além de resultados disfuncionais do controle e da gestão da parceria, como ingerências e imposição de regras publicistas (Martins, 2017).

É importante destacar a necessidade de se estabelecer metas ao mesmo tempo realistas e desafiadoras, evitando o sub ou superdimensionamento da capacidade operacional da instituição. Se as metas forem subdimensionadas, não haverá razão para aumentar a produtividade e a qualidade na prestação de serviços públicos. Por outro lado, se forem superdimensionadas, gerar- -se são falsas expectativas e fracassos que podem comprometer todo o processo de contratualização. (Torres, 2007, p. 35).

Os entrevistados da pesquisa ressaltaram o prazo deste instrumento como um benefício do modelo de OS. De tal maneira, o CG ser de longo prazo, com vigência padrão de cinco anos, garante que as metas sejam cumpridas no período da vigência independente de questões e gestões políticas.

Desse modo, seria interessante e prezaria a flexibilidade se os processos de renovação dos Contratos de Gestão vinculados à Secretaria da Cultura se alterassem. Hoje, quando se encerra a vigência de um CG de determinada OSC, é aberta uma convocação pública em que concorrem a mesma Organização e outras interessadas a gerir o equipamento, que devem apresentar inúmeros documentos, certidões, relatórios, entre outros, para se habilitarem à concorrência.

22 “Trata-se de uma denominação genérica para uma situação de “quebra de contrato” numa relação entre uma parte denominada principal, que figura como contratante, e outra parte denominada agente, que figura como contratada e deveria agir no interesse do principal, conforme estabelecido no instrumento contratual” (Martins, 2017, p. 176).

23 “Gaming é um termo de difícil tradução que significa a manipulação de resultados pactuados, seja ex ante, fixando-se metas pouco desafiadoras; seja ex cursum, esforçando-se apenas para alcançar as metas pactuadas; e ex

73 Mesmo os entrevistados da SEC indicando que a prioridade de escolha é da OSC que gerenciava anteriormente o equipamento, com comprovado desempenho satisfatório na parceria, é necessário que a entidade apresente os mesmos documentos de novas OSCs interessadas que nunca gerenciaram o equipamento, ou mesmo, não possuem vínculo com a SEC.

Nesse sentido, acreditamos que cinco anos de experiência de uma OSC para gerência do equipamento garantem o histórico, com relatórios e auditorias, de como foi a atuação da OSC ao longo do período de vigência do contrato anterior. Sendo assim, indicamos que seria mais interessante, tanto para a Secretaria, como para as Organizações Sociais de Cultura, a flexibilização de exigências à convocação pública de OSCs que já gerenciavam determinado equipamento cultural. Portanto, em relação aos Contratos de Gestão, concluímos que: o CG é um importante instrumento da garantia da gestão para resultados, porém deve ser flexibilizado.