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CONTRATOS ALEATÓRIOS: CONCEITOS, ESPÉCIES E LIMITES

II.7. Contratos de jogo e aposta

Jogo e aposta são, apesar das distinções, contratos muito semelhantes, aleatórios por excelência e definidos pelo acaso. Enquanto o jogo remete à ideia de competição entre os participantes, a aposta importa na tentativa de acerto de prognóstico entre os apostadores.97 “A aposta visa dar força a alguma afirmação, enquanto o jogo busca distração, ganho ou ambos. Há jogo quando as partes contribuem para o resultado.”98

Em razão do modo de participação das partes, é possível distinguir aposta e jogo. Neste, “os contratantes são também competidores, ao passo que na aposta os contratantes não participam diretamente da competição, mas se obrigam a determinada prestação a favor daquele que tiver adivinhado o êxito de uma competição [...]”.99 Ou ainda, “enquanto no jogo há propósito de distração ou ganho, e participação dos contendores, na aposta há o sentido de uma afirmação a par de uma atitude de mera expectativa”.100

São exemplos de jogos as partidas de futebol, as lutas de artes marciais, as competições olímpicas e apostas realizadas nas corridas de cavalo ou nas loterias.

95 GOMES, Orlando. Contratos, p. 459.

96 Conforme a lição de DI GIANDOMENICO, Giovanni, na obra Contratti Speciali – I contratti aleatori, p. 332, a prestação periódica se destina a perdurar até a morte da pessoa contemplada, o que evidencia a aleatoriedade do contrato e dá conta de que a álea é elemento essencial dele, o que determina, tanto de acordo com a doutrina e a jurisprudência, que a ausência da álea implica na nulidade do contrato.

97 Nesse mesmo sentido: RAMOS, André de Carvalho. Os telessorteios 0900. RT 767, set. 1999, p. 72.

98

SZTAJN, Rachel. Futuros e swaps: uma visão jurídica, p. 171.

99 BANDEIRA, Paula Greco. Contratos aleatórios no direito brasileiro, p. 116.

Na prática, do ponto de vista contratual, o jogo ou a aposta tem relevância se há envolvimento financeiro das partes. Pode ser, aliás, que as partes de um jogo apostem que o vencedor terá algum tipo de benefício financeiro, nada impedindo, desta maneira, que o jogo e a aposta sejam pactuados concomitantemente entre as partes contratantes. Seja como for, mesmo diante da distinção prática entre os contratos de jogo e de aposta, ambos são contratos aleatórios, sujeitos ao risco, essencialmente, expostos à incerteza de lucro ou prejuízo e tratados nas regras dos artigos 814 a 817 do Código Civil, tendo, assim, a mesma disciplina legal.

A álea é, pois, a causa dos contratos de jogo e aposta, exatamente porque dependem da sorte, do acaso, mesmo nos casos em que as habilidades físicas ou intelectuais dos jogadores sejam preponderantes para os resultados. Isso porque, se não ficar caracterizada a incerteza sobre a vitória ou a derrota, não se tratará de jogo ou aposta.

As dívidas de jogo ou aposta, enquanto obrigações naturais,101 não obrigam o devedor ao pagamento, conforme previsto na regra do art. 814 do Código Civil.102 Desse modo, o jogo ou a aposta não gera obrigação exigível de pagamento. Assim, “desde que não permitidas legalmente as apostas ou disciplinados os prêmios, os estranhos, não atuantes nos esportes, ficam alijados e qualquer amparo legal para o recebimento das quantias ganhas”.103

Por certo, a restrição legal não se aplica aos jogos ou às apostas autorizadas, conforme estabelecem os parágrafos 2o e 3o do art. 814 do Código Civil, a exemplo do que ocorre com as loterias patrocinadas pelo próprio Estado.

Considerando-se a permissão legal (baseando-se no que seria socialmente útil ou não) para a prática de jogos ou apostas, é possível distingui-los em proibidos, tolerados

101 Segundo a lição de Georges Ripert, exposta na obra A Regra Moral nas Obrigações Civis, p. 370, a obrigação natural se aproxima do dever moral e com ele quase se confunde. Por meio da obrigação natural, não tem o credor a alternativa jurídica para cobrar o que lhe é devido, no entanto, resta-lhe a possibilidade de receber caso o devedor, voluntariamente, pague.

102 Art. 814 do Código Civil: “As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito. § 1.º Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé. § 2.º O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos. § 3.º Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares”.

e autorizados.104 Proibidos são os jogos ilícitos,105 como a roleta e o jogo do bicho. Tolerados são aqueles que não dependem exclusivamente da sorte, mas sim da malícia, como os jogos de carta. Autorizados são aqueles legalmente permitidos, como as loterias e as apostas nas corridas de cavalo nas casas autorizadas.

Note-se, ainda, que de acordo com a regra do art. 816 do Código Civil,106 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores as regras pertinentes ao jogo e à aposta.

Dessa maneira, nos referidos contratos, sobre títulos de bolsa, tidos como diferenciais,107 nos quais há especulação em torno dos valores de títulos, mercadorias ou valores, as dívidas constituídas devem ser devidamente pagas e não correspondem às obrigações naturais.

Em tais casos de contrato de bolsa, vale dizer, como já mencionado, é ilimitada a álea normal do contrato, na medida em que a flutuação de valores, típica do mercado de ações ou valores, é absolutamente normal e previsível, amplamente conhecida pelas partes, sujeitas aos lucros e prejuízos próprios desse tipo de negócio.

104

PEREIRA, Caio Mario. Instituições de Direito Civil, v. III, p. 487.

105 Conforme a orientação de Paula Greco Bandeira, na obra Contratos aleatórios no direito brasileiro, p. 121, apesar de o jogo proibido corresponder a ilícito, aquele que pagou dívida não poderia pretender a repetição do que pagou, tendo em vista a causa torpe de sua conduta.

106

Art. 816 do Código Civil: “As disposições dos arts. 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste”.

107 De acordo com Paula Greco Bandeira, na obra Contratos aleatórios no direito brasileiro, p. 223, a propósito do contrato diferencial, referido no art. 816 do Código Civil, “uma parte vende a outra determinada quantidade de bens, a certo preço e data prefixada, e no prazo contratual é oferecida a faculdade de adimplir a obrigação por meio do equivalente em dinheiro do valor do bem, calculado segundo a cotação do dia”. Os contratos derivativos (futures, swaps, options), do inglês derivative, constituem modelos mais evoluídos do contrato diferencial, cujos valores estão atrelados a um parâmetro financeiro (índice ou taxa). As partes não compram o bem, mas a “diferença de valores” entre a data do negócio e seu termo, sendo que é incerta a flutuação da incerteza da variação de valores. No future, é fixado em um dia o preço do bem a ser entregue no outro. No option, o beneficiário da opção pode optar pela realização da operação. No swap, são predeterminadas as taxas de juros ou os valores das moedas negociados. “Prevê-se que uma das partes pagará à outra diferença entre taxa fixa e taxa variável a cada período ajustado”. (STAJN, Rachel. Futuros e swaps: uma visão jurídica, p. 220). As prestações, nesses contratos, são certas e determinadas.

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