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O verdadeiro fundamento para a resolução do contrato aleatório por onerosidade excessiva superveniente

ALEATÓRIO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA SUPERVENIENTE

V.6. O verdadeiro fundamento para a resolução do contrato aleatório por onerosidade excessiva superveniente

V.6. O verdadeiro fundamento para a resolução do contrato aleatório por onerosidade excessiva superveniente

Destinado à satisfação de interesses, o contrato, além de atender à vontade das partes, desempenha uma função social, assim entendida como efeito social e econômico projetado na sociedade. Diz-se, comumente, que o contrato se presta a compor a intrincada e complexa cadeia da circulação de riquezas e, por isso, fundamentalmente, atende a uma função social. Contudo, antes de qualquer coisa, o contrato é celebrado para atender aos motivos pessoais das partes e seus interesses.

Conforme mencionado no terceiro capítulo deste trabalho, a função social do contrato no nosso ordenamento jurídico comporta significados diversos,347 entre os quais designar os efeitos econômicos e sociais gerados pelo contrato, como a função desempenhada pelo negócio e a causa concreta do contrato, servindo, ainda, como complemento da noção de ordem pública.

Interessa-nos, neste momento, conforme apontou Antonio Junqueira de Azevedo,348 a função social entendida como causa concreta do contrato, ou seja, como razão que o justifica e que tem o papel de proteger a parte, que se fia na existência (passada ou futura) da causa.

347 HADDAD, Luís Gustavo. Função social do contrato: um ensaio sobre seus usos e sentidos, p. 168-173.

De acordo com a lição de Vincenzo Roppo,349 impera atualmente o entendimento de que a “causa concreta” do contrato significa a razão que concretamente o justifica à luz das especificidades relevantes que o caracterizam. Roppo exemplifica como causa concreta do contrato, no caso de venda e compra, a troca da coisa pelo preço, de acordo com as circunstâncias, a finalidade e o interesse programados pelas partes. Nesse sentido, de acordo com Agostinho Alvim,350 a causa é indispensável.

A partir da abalizada orientação acima delineada, constitui a causa concreta do contrato aleatório a obrigação correspondente ao pagamento do preço e a respectiva obrigação de contraprestação, que é sabidamente sujeita ao risco, de acordo com as particulares circunstâncias em que o contrato tiver sido celebrado, as quais evidenciam a finalidade e o interesse das partes. Se, de um lado, um contraente se obriga, de acordo com as circunstâncias do contrato, a prestar algo, ainda que aleatório, do outro, há um contratante que paga o preço da prestação.

Em linha com a orientação acima exposta, Paolo Gallo esclarece que, na Itália: “Per comune ammissione di dottrina e giurisprudenza, la mancanza di alea rende nullo il contratto”.351 Conforme a lição de Antonio Junqueira de Azevedo,352 a doutrina francesa também se orienta no sentido de que a ausência de causa atua no âmbito da validade; já na doutrina alemã, sob o ângulo da eficácia, assim como no Brasil, se o negócio é válido, o descumprimento posterior da prestação autoriza, no campo da eficácia, a resolução por posterior ausência de causa.

Não integram, pois, a causa concreta do contrato os motivos pessoais ou particulares dos contratantes, os quais, conforme a lição de Paolo Gallo,353 são irrelevantes e se referem à esfera interna de qualquer contraente, de caráter puramente individual, de foro íntimo.

A detecção da causa concreta, portanto, desempenha papel crucial para permitir a extinção do contrato no caso de desaparecimento de sua finalidade. Isso porque, se por

349 ROPPO, Vincenzo. Il contratto, p. 344.

350 ALVIM, Agostinho. O enriquecimento sem causa. Revista Forense, v. 173, p. 60.

351 GALLO, Paolo. Trattato del contratto, v. 1, p. 229. Em tradução livre: “Admitem a doutrina e a jurisprudência, a ausência da álea torna nulo o contrato”.

352 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia, p. 154.

conta de evento superveniente à celebração do contrato desaparecer sua causa concreta, a função social, concebida de acordo com a regra do art. 421 do Código Civil, pode ser invocada para a extinção do contrato,354 dada a ineficácia pela ausência de causa,355 ou razão, que é indispensável para a manutenção do negócio.

Conforme a lição de Antonio Junqueira de Azevedo, uma vez que o contrato seja celebrado validamente, o desaparecimento superveniente de sua causa atua no plano da eficácia (e não da validade), autorizando a resolução.

Assim, o desaparecimento da causa concreta do contrato, por evento superveniente à contratação, pode ensejar a resolução por onerosidade excessiva superveniente, tal como previsto na regra do art. 478 do Código Civil.

Imagine-se, por exemplo, para a caracterização da desconstituição da causa no contrato aleatório, a ocorrência de um evento superveniente à contratação que ocasiona a quebra radical da equação econômica da remuneração do devedor, de modo a tornar onerosa a continuidade da manutenção do vínculo. Nesse caso, deixam de existir a finalidade e o interesse do devedor, o “porquê do contrato”,356 tal como direcionados no momento de sua celebração.

Portanto, se não for mais possível, em razão de evento superveniente à celebração do contrato aleatório, verificar os elementos componentes da causa do contrato, com a imposição de onerosidade excessiva à parte prejudicada, justifica-se a resolução do contrato com base nas regras dos artigos 421 e 478 do Código Civil, que exigem para a resolução do contrato, conforme será tratado no próximo capítulo, a superveniência do evento à celebração do contrato, a imprevisibilidade do evento além da álea normal do contrato, a onerosidade excessiva ao devedor e a vantagem ao credor.

354

HADDAD, Luís Gustavo. Função social do contrato: um ensaio sobre seus usos e sentidos, p. 78. De acordo com o autor, os dispositivos do Código Civil relacionados à função social do contrato podem ser utilizados como fundamento para, quando desaparecida a causa do contrato por evento superveniente, justificar a extinção do contrato.

355

De acordo com a lição de Emílio Betti, na Teoria Geral do Negócio Jurídico, Tomo I, p. 364, a eventual falta da causa no negócio influencia na eficácia do negócio.

CAPÍTULO VI:

OS INSTRUMENTOS PARA A RESOLUÇÃO DO CONTRATO

ALEATÓRIO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA SUPERVENIENTE

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