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A contribuição africana na constituição do português popular do Brasil: Francisco Adolpho Coelho; Renato Mendonça e Jacques Raimundo

CAPÍTULO 1: A LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

1.3 O CONTATO ENTRE LÍNGUAS NA FORMAÇÃO DO PORTUGUÊS POPULAR DO BRASIL: UMA ABORDAGEM DO CONTEXTO SOCIAL

1.3.3 As visões sobre a formação do português popular do Brasil

1.3.3.2 A contribuição africana na constituição do português popular do Brasil: Francisco Adolpho Coelho; Renato Mendonça e Jacques Raimundo

Adolpho Coelho, um dos precursores dos estudos sobre pidgins e crioulos, variedades lingüísticas surgidas do contato, considerava, em 1880, que ‘‘pidgins, crioulos e quaisquer outras variedades lingüísticas nascidas do contato são resultado de uma aquisição imperfeita de uma língua estrangeira (...)’’ (COELHO, 1880 apudTARALLO e ALKMIM, 1986, p. 110).

Nesse sentido, Coelho ‘‘(...) reúne o PB aos crioulos de base portuguesa, com base nas semelhanças identificadas entre eles (em particular, a ausência de concordância no SN), definindo a todos como dialetos do português europeu’’ (BAXTER E LUCCHESI, 1997, p. 67).

No que diz respeito à contribuição africana ao português do Brasil, podemos citar, como pioneiros desse debate, os trabalhos de Mendonça e de Raimundo, ambos publicados em 1933, intitulados, respectivamente, A Influência Africana no Português do Brasil e O elemento afro-

negro na língua portuguesa.19

19 Não podemos também deixar de mencionar outros trabalhos desses autores, que foram importantes no debate sobre

Mendonça (1948 [1933]) considera muito importante a influência africana no Português do Brasil, buscando descrevê-la tanto na fonética e morfologia, quanto no léxico e na sintaxe. Além disso, faz comparações entre os crioulos de base portuguesa surgidos na África e a língua portuguesa do Brasil, acreditando que estes “(...) dialetos negro-portugueses [os crioulos guineense e caboverdiano] constituem um elemento de comparação indispensável para discriminarmos o papel do negro na fonética brasileira” (MENDONÇA, 1948 [1933], p. 112).

Desse modo, Mendonça ressalta a importância do negro e do índio na constituição da nacionalidade brasileira. No entanto, devido às influências do indianismo de Gonçalves Dias e de Alencar, no Romantismo, apenas o elemento indígena foi recorrente para se explicar algumas diferenças lingüísticas entre Brasil e Portugal. Na verdade, este estudioso reconhece a importância do índio na formação da nação brasileira, pois seria “estulto, portanto, menosprezar uma influência secular. A tendência, porém, a exagerar tal influência em detrimento de outras, não se compreende” (MENDONÇA, 1948, [1933], p. 114).

Com relação à questão do negro, Mendonça salienta que podemos encontrar em Portugal situações de escravidão semelhantes às vistas no Brasil; segundo ele, em território luso, foi corrente no teatro apresentações em língua de preto, como pode ser encontrado nas obras de Gil Vicente. Entretanto, deixa claro que estas alterações na língua falada em Portugal constituem apenas curiosidades, pois “(...) dialectos crioulos, isto é, associação do vocabulário português com a gramática africana, nunca se constituíram em Portugal” (MENDONÇA, 1948, [1933], p. 112).

Ao tratar da situação do negro no Brasil, este estudioso defende que os fatos se manifestaram de maneiras diferentes, pois “deve ter havido dialectos crioulos em diversos lugares da colônia. Tiveram, porém, existência muito instável e cedo desapareceram” (MENDONÇA, 1948 [1933], p. 115). Diante disso, cita o mina, uma língua de preto falada na Bahia, cuja existência já havia cessado.

Em linhas gerais, Mendonça tenta demonstrar a contribuição do negro no português do Brasil, principalmente na língua popular. Para tanto, destaca algumas alterações fonéticas no PB de origem africana, como alguns casos de vocalização (muyé por mulher), de assimilação, dissimilação, aférese, apócope, dentre outros. Como exemplos de fenômenos de aférese, temos:

Tá = estar;

Renato Mendonça, publicado em 1936 e A Língua Portuguesa no Brasil: Expansão, penetração, unidade e estado atual, publicado em 1941, de Jacques Raimundo.

ocê = você; cabá = acabar; Bastião = Sebastião.

(MENDONÇA, 1936, p. 185)

Ao tratar dos casos de apócope (a queda do r final), Mendonça (1936) faz comparações entre o português do Brasil e os crioulos de Cabo Verde, das Ilhas de S. Tomé, Príncipe e de Ano-Bom, observando semelhanças entre estes e aquele, mas reconhece também que o r final, desde o século XVI, “(...) desaparece no infinito dos verbos franceses (...)” (MENDONÇA, 1936, p. 186).

Este autor cita também os casos de suarabacti como de origem africana, como em:

Culaudio por Claudio; Quelemente por Clemente, e afirma que este tipo de “pronúncia tão ouvida

entre os nossos caboclos tem sem dúvida origem africana, pois fato semelhante se observa entre os angolenses que falam quimbundo: Rodolofu - Rodolfo, Kirisobo - Cristovão etc.” (MENDONÇA, 1936, p. 187).

Ao tratar da morfologia, Mendonça afirma que o negro deixou apenas alguns vestígios, o que é explicado devido à diferença entre as línguas indo-européias e africanas. Dentre alguns desses vestígios, podemos citar a não pluralização do substantivo, fenômeno este conservado, segundo o autor, pela linguagem dos caipiras e matutos. O mesmo ocorre também nos adjetivos em função predicativa. Além disso, afirma que a mudança na pronúncia da 3a pessoa -am do perfeito do indicativo se deve aos pretos e gente de sua classe.

Em relação à sintaxe, teria sido, para Mendonça, menos acentuada a influência africana. Assim, os “fenômenos de maior importância seriam os de decalque, em que o negro traduziria suas idéias em português, partindo do seu modo de falar africano” (MENDONÇA, 1948, [1933], p. 128). Tomando como base Leite de Vasconcelos e Gonçalves Viana, defende que a diferença entre o português do Brasil e o de Portugal na colocação dos pronomes seria resultado da influência dos negros no Brasil; no entanto, a participação africana na posição dos pronomes seria de forma indireta.

Mendonça, ao longo de seu estudo, demonstra que o africano deixou vários sinais nos “dialetos do interior” e, de forma geral, no português falado no Brasil, comparando-o com fenômenos ocorridos em crioulos de base portuguesa. Por fim, vale salientar que este estudioso participou da discussão sobre a formação do português popular brasileiro ao reconhecer a

contribuição africana como importante na constituição de nossa língua, além de apontar que tal contribuição pode ser observada nos dialetos populares.

Segundo Jacques Raimundo (1933; 1941), os escravos africanos, principalmente os do grupo banto, contribuíram para a ocorrência de alterações tanto na prosódia, quanto na morfologia e no arranjo da frase. Na verdade, para esse estudioso, algumas dessas mudanças teriam sido iniciadas pelos africanos e foram “(...) os de raça bântica os que ministraram a mais apreciável porção de palavras (...)” (RAIMUNDO, 1941, p. 82). Cita ainda que no ‘‘(...) Brasil, onde a escravaria se aumentou (...), a contribuição dos bantos avolumou-se, disputando a relevância com a dos tupis, mas os seus elementos, intrometidos ou tomados diretamente, apassivaram-se aos moldes do gênio da língua portuguesa” (RAIMUNDO, 1941, p. 82). De acordo com este estudioso, no Brasil, foi constituída pelos africanos uma linguagem própria, enriquecida pela língua indígena e misturada com a portuguesa.

Raimundo descreve uma série de termos de origem africana, muitos deles misturados com prefixos e sufixos portugueses, ou, nas palavras do autor; ‘‘(...) muitos termos surgiram de outros portugueses, que ele [o negro] viciava ou deturpava, ora multilando-os e interpolando-os de vogais, de acordo com a sua fonética (...), [formando] verdadeiros tipos de mulatismo, por enxerto ou cruzamento” (RAIMUNDO, 1941, p. 84), tais como: chibata (espada); fritangada (fritada + quimbundo Ku-Kanga, frigir); coxibar (Ku-Koxila); xingar (Ku-xinga) etc.

Desse modo, Raimundo destaca a contribuição lexical das línguas africanas ao português, centrando-se na descrição do vocabulário. Assim, distingue no português do Brasil 309 palavras como de origem africana, arrolando 132 topônimos. No âmbito desse trabalho, percebemos que Raimundo reconhece que a ‘‘mescla” entre as linguagens dos escravos africanos e a dos portugueses contribuíu para alterações nesta.