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2.1.1.1.1.1 A oração independente na língua latina

TEMPOS DO SUBJUNTIVO

2.7 O MODO SUBJUNTIVO VISTO PELA SOCIOLINGÜÍSTICA

É inegável a relação entre língua e sociedade, de forma que nos é possível afirmar que a variação na língua reflete os diferentes papéis sociais e o meio como um todo. Refletir sobre a língua portuguesa do Brasil é admitir, portanto, que a nossa realidade lingüística é dividida em dois grandes blocos, que poderíamos denominar de Brasil urbano e Brasil rural, que, por sua vez, se subdividem em outros blocos menores.

A população brasileira veio crescendo ao longo dos dois últimos séculos. Os grandes centros se desenvolveram intensamente com a crescente industrialização, acarretando uma migração da zona rural para a zona urbana, sendo esse processo conhecido como êxodo rural. Mais da metade da população brasileira, em meados do século XIX, era rural. No entanto, segundo dados do censo de 2000, do IBGE, a população urbana passa a 4,3 vezes maior que a rural.59

Dessa forma, os lingüistas brasileiros vêm ao longo de 30 anos desenvolvendo pesquisas e estudos com vistas a descrever um retrato da realidade lingüística brasileira. Com o advento da Sociolingüistica, os estudos passaram a ser sistematizados e quantificados. A variação na língua falada passa, ao longo desses anos, a ser questionada e pesquisada por diversos sociolingüistas, tendo como base, especialmente, a orientação teórica laboviana. Dessa forma, apresentaremos, na

59 Esse imenso crescimento da população urbana é conseqüência não apenas da migração do campo com destino às

cidades, mas também da incorporação de áreas, antes rurais, que passaram a ser consideradas urbanas. Para José Eli da Veiga (2002), o conceito de urbano é tratado de maneira diferente para o IBGE e para outros pesquisadores. Segundo esse autor, em seu livro Cidades Imaginárias, o Brasil é menos urbano do que se imagina, pois só deveriam ser considerados urbanos os municípios com mais de 20 mil habitantes e, diante disso, Veiga chega a uma taxa de urbanização de 60%, ao passo que o censo de 2000 do IBGE chega a um grau de urbanização de 81,23%. Na verdade, o IBGE, tendo como base o decreto do Estado Novo de 1938, considera área urbana, independente do tamanho físico ou populacional, toda sede de município.

próxima seção, um estudo desenvolvido por Pimpão (1999) sobre a variação no uso do subjuntivo, tendo como corpus o português urbano, e os resultados por ela alcançados com essa pesquisa e o estudo de Rocha (1997) sobre a variação no uso do subjuntivo também no português urbano.

2.7.1 O subjuntivo no português urbano

Grande parte das regras prescritas pela tradição gramatical não são realizadas na linguagem coloquial corrente, uma vez que constantemente se depara com usos variáveis que vão de encontro aos preceitos das gramáticas normativas e, neste sentido, o uso do modo subjuntivo no português do Brasil parece se afastar das regras prescritas pela gramática tradicional. Na verdade, parte-se da hipótese de que, no vernáculo, a forma do indicativo vem recobrindo tanto a referência ao fato objetivo, quanto o modo da incerteza, uma vez que se admitem que o subjuntivo vem sendo substituído pelo indicativo (cf. Rocha, 1997).

Pimpão60 (1999) desenvolveu uma pesquisa sobre a variação no uso do presente do modo subjuntivo a partir de um corpus constituído por trinta e seis informantes, naturais da região sul do país, corpus este que faz parte do Banco de Dados do Projeto VARSUL (Variação Lingüística Urbana da Região Sul do País).61 Os falantes estão distribuídos quanto aos fatores extralingüísticos sexo (18 mulheres e 18 homens), idade (14-24, 25-50 e acima de 50 anos) e

escolaridade (primário, ginásio e colegial).

A supracitada autora parte da hipótese de que as noções de incerteza e de possibilidade, comumente associadas à morfologia do subjuntivo, são identificadas nos verbos de volição, de

dúvida, no advérbio talvez etc., e não no paradigma flexional do modo subjuntivo. Tendo como

base os seguintes ambientes gramaticais: cláusula adverbial, substantiva, relativa e o advérbio

talvez, a pesquisadora busca apresentar nestes e no grupo de fatores sociais o comportamento do

subjuntivo. Além disso, foram selecionados os grupos de fatores pessoa e paralelismo sintático e,

60 Pimpão (1999) desenvolve sua pesquisa tomando como base os pressupostos teóricos da sociolingüística

variacionista, relacionando-os com uma perspectiva discursivo-pragmática.

61 É desenvolvido no Projeto VARSUL pesquisas sociolingüísticas em quatro universidades dos três estados da

tendo em vista a hipótese central da pesquisa, foi considerado relevante o fator tempo-

modalidade, abarcando o fator tempo como diferenciador das categorias realis/irrealis e não os

traços de incerteza e de certeza, como prescrito pela gramática normativa.

O pacote VARBRUL selecionou o grupo tempo-modalidade, especificamente o traço

futuridade, como favorecedor ao uso do subjuntivo, sendo que os traços de incerteza, atemporalidade e pressuposição não favorecem o uso desse modo verbal.

Segundo Pimpão (1999), os resultados apontam, como contexto preferencial ao subjuntivo, o traço de futuridade, que traduz naturalmente, para essa pesquisadora, o traço de incerteza, mas este não constitui condição necessária para aquele. Apresentaremos alguns exemplos registrados pela pesquisadora:

Esse aqui, e o mais velho, por eles, eles querem assim que o marido volte, mas eu não quero não.

Até a gente está torcendo que mude, né? (...). (PIMPÃO, 1999, p. 53).

Quanto à pessoa do discurso, a hipótese inicial era a de que a primeira pessoa alternaria o emprego do modo subjuntivo, inibindo o uso deste, o que foi confirmado pelos resultados. Pimpão explica que a proximidade do falante com o fato, portanto, a primeira pessoa, apresenta um contexto desfavorável ao emprego desse modo verbal. Dessa forma, a “(...) primeira pessoa reflete a interação do falante com a informação proposicional, visando à defesa de posicionamentos (...)” (PIMPÃO, 1999, p. 56). Podemos citar um dos exemplos:

Talvez eu vou fazer marmita pra fora de casa, botar uma ajudante, assim. (PIMPÃO, 1999, p. 56).

Não se registrou resultados satisfatórios com o grupo de fatores paralelismo sintático, princípio que prevê a identidade formal na seqüência discursiva, ou seja, “marcas levam a marcas” (cf. POPLACK, 1979 apud NARO E SCHERRE, 1994), tendo um total de .49 para o presente do subjuntivo neste contexto.

Foram selecionados como contextos favorecedores do subjuntivo os fatores: tempo- modalidade (traço futuridade) e contextos com o advérbio talvez, ou seja, estes foram tidos como variáveis significativas para a escolha de determinado modo. Além disso, o grupo de fatores

conjugação, selecionado no contexto com advérbio talvez, evidencia a primeira conjugação como

relevante para o uso do subjuntivo. Na Tabela 9, apresentaremosos resultados alcançados por Pimpão (1999), de acordo com o fator ambiente sintático.

Tabela 9: A variação no uso do subjuntivo no português urbano de acordo com o fator ambiente

sintático

CONTEXTOS IRREALIS futuridade

TOTAL % Substantivas 70/83 84 Relativas 09/11 82 Adverbiais 15/19 79 Talvez 11/14 79 TOTAL 105/127 83 Fonte: PIMPÃO, 1999, p. 83.

Quanto aos fatores sociais, os níveis escolares mais elevados, como o colegial, afirma-se como contexto preferencial ao uso do subjuntivo. Com referência ao grupo de fatores sexo, os homens totalizaram um peso de .63 para o uso desse modo e as mulheres, .36. Reproduzimos a conclusão a que chegou a pesquisadora:

A pragmática, comum aos níveis semântico-pragmático e discursivo-pragmático, rompe com a correlação estabelecida pela norma gramatical entre subjuntivo e subordinação sintático-semântica. Nesses termos, o nível sintático-semântico se configura como o contexto preferencial ao uso do subjuntivo e os semântico-pragmático e discursivo- pragmático, como os contextos que inibem o emprego desse modo verbal, o que significa a interferência do modo indicativo.

A correlação desses níveis com os fatores tempo e modalidade ressalta o tempo futuro como fator responsável à retenção do subjuntivo, e não a modalidade da incerteza, da possibilidade, da hipótese, conforme prevêem os gramáticos prescritivistas. Na verdade, é o traço de futuridade que retém o subjuntivo, indicando que a ausência de projeção futura desfavorece seu emprego, permitindo a extensão dos domínios do modo indicativo (PIMPÃO, 1999, p. 116).

Consideramos um tanto equivocada a conclusão apresentada por Pimpão (1999), pois o fato de o subjuntivo estar associado à idéia de futuro não nega a sua relação com o modo da irrealidade. O que ocorre é que a indicação formal da irrealidade por outras partículas como o advérbio talvez pode dispensar o falante de empregar a forma marcada do subjuntivo, levando-o a utilizar a forma não marcada do indicativo.

Com relação à pesquisa desenvolvida por Rocha (1997) acerca do subjuntivo à luz da teoria variacionista, observou-se que nas orações subordinadas o tempo verbal mais usado foi o futuro, sendo o subjuntivo muito usado nas orações subordinadas adverbiais condicionais.

Quanto aos fatores sociais, Rocha (1997) verifica que os falantes mais velhos usam menos o subjuntivo do que os mais jovens. Estes fazem mais uso do subjuntivo de acordo com a prescrição gramatical, o que pode ser explicado pelo fato de os falantes com idade mais avançada não carregarem o traço “(...) semântico [+restrição] em sua gramática ou não estenderem o traço às várias entradas lexicais que subcategorizam subjuntivo” (ROCHA, 1997, p. 41), o que pode estar associado à questão da escolarização, uma vez que os falantes mais velhos não tiveram a mesma educação formal que muitos jovens hoje.

De acordo com os resultados dessa pesquisa, há uma relação entre o uso do subjuntivo nas orações substantivas e o grau de escolaridade, como podemos depreender da seguinte tabela:

Tabela 10: O uso do subjuntivo no português urbano segundo o grau de escolaridade

ESCOLARIZAÇÃO PRESENTE DO SUBJUNTIVO PASSADO DO SUBJUNTIVO

Sem escolarização ____ 50%

Primeiro grau 75% 75%

Segundo grau X 75%

Nível superior 85% X

Fonte: ROCHA, 1997

Assim, falantes sem escolarização apresentam 100% de uso do indicativo em contextos de presente do subjuntivo e 50% de indicativo no passado. Os falantes com primeiro grau, por sua vez, apresentam 25% de indicativo, tanto no presente como no passado. Quanto aos falantes com segundo grau e com nível superior foi constatado um total, respectivamente, de 25% de uso do indicativo no passado e 15% de indicativo no tempo presente.

Ao lado disso, observa, com relação aos tempos verbais, que o contexto de tempo presente favorece mais o uso do indicativo, ao passo que os “não-presente” favorecem o uso do subjuntivo. Rocha (1997) assinala que o traço de futuridade relaciona-se ao uso do futuro do subjuntivo na presença de conectivos como ‘se’, ‘quando’ e, de certa forma, demonstra que este

traço não favorece o subjuntivo, o que não é corroborado pelos resultados de Pimpão (1999), já que nestes é constatado que o traço de futuridade retém o subjuntivo e a falta de projeção futura tende a desfavorecer o uso desse modo verbal.

Quanto aos tipos de verbo da oração em que a completiva está encaixada, foi verificado que o verbo querer na oração matriz favorece mais o indicativo na completiva quando o tempo verbal desta for o presente. No que se refere aos verbos cognitivos, o subjuntivo é usado com freqüência nas subordinadas ao verbo pensar, já com os verbos acreditar, crer e achar aparece com freqüência o indicativo. No entanto, quando estes verbos são negados, freqüentemente, se usa o subjuntivo.

Na verdade, a negação influencia na escolha do modo da encaixada, uma vez que o subjuntivo é favorecido quando há uma negação na oração matriz, seja esta regida por qualquer verbo, tais como declarativos, cognitivos, dentre outros.

Segundo Rocha (1997), o tipo de verbo da oração matriz constitui uma variável importante para se estudar a alternância subjuntivo/indicativo, mas não pode ser considerada a única, pois há outras classes semânticas que atuam na escolha de um modo verbal. Nesse sentido, a factividade favorece o uso do indicativo e a não-factividade, o do subjuntivo; além disso, este modo verbal é favorecido pelos traços semânticos de volição e emotividade.

Diante dessa pesquisa, Rocha (1997) observa se a alternância subjuntivo/indicativo trata- se de um fenômeno de variação em que o subjuntivo está perdendo ambiente para o indicativo ou se trata de uma variação que envolve a alternância desses modos e observa, com relação ao fator

tipos de verbo da oração matriz, que está ocorrendo uma alternância entre esses modos e conclui

que no português há sistema modal variável, organizado e coerente; sendo assim, no fenômeno da alternância indicativo/subjuntivo estão envolvidos diferentes fatores interferentes.