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4.2 CONTRIBUIÇÕES DO DISCURSO DE POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA

4.2.3 Contribuições de Grillo: a popularização da Ciência como um novo discurso

Os trabalhos de Grillo65 (2004ª, 2004b, 2006, 2008, 2010a, 2010b, 2013) apontam que

a prática de divulgar a Ciência está em expansão, e a dificuldade de defini-la, seja como um discurso segundo ou um discurso derivado do científico, deve-se, em grande parte, à diversidade de três esferas em que esse discurso ocorre: a científica, a pedagógica e a jornalística (ou seja, o da informação midiática), a esfera cultural, porque cada esfera da atividade humana é formada por gêneros próprios.

A autora faz formulações sobre a distinção entre os gêneros primários e os secundários e o papel crítico da ideologia do cotidiano e seus gêneros na relação com os sistemas ideológicos como importante para a abordagem dos gêneros e das esferas da divulgação científica, que é

entendida como uma modalidade particular de relação dialógica – axiológica- semântica -, os enunciados de divulgação dialogam, por um lado, com o DC, assumindo a posição mediadora competente e, por outro, com a presunção do universo de referências de seu destinatário, constituído por aquilo que o divulgador pressupõe que ele domina e, acima de tudo não domina. (GRILLO, 2008, p.68-69)

A autora (2013) assevera que, por meio da metalinguística, é que foi possível descrever e interpretar a divulgação científica como uma modalidade particular de relação dialógica que ocorre em várias esferas da atividade humana ou da cultura e se materializa em vários gêneros variados. Para Grillo (2008, p.69), esse diálogo não se restringe a traduzir termos científicos e técnicos para a linguagem do cotidiano, como sugerem os trabalhos de Authier-Revuz (1998), “mas coloca em contato diferentes esferas de produção de saberes compostas por centros valorativos próprios, por seus gêneros, por suas imagens”. Grillo (2004, p.362) diz que, no aspecto referente ao fato de o DPC ser uma tradução, Authier-Revuz (1998) se apoia na mudança histórica que a popularização da Ciência tem sofrido em relação ao momento da produção dos seus trabalhos, quando essa prática de popularizá-la para o público em geral era vista por jornalistas como uma tradução do DC.

Concordamos com o pensamento de Grillo (2013) de que a divulgação científica não é um gênero nem um tipo de discurso, tampouco uma esfera, mas uma “modalidade particular de relação dialógica”. Segundo a autora,

nesse diálogo, o autor divulgador assume a posição de mediador competente entre os saberes científicos e a consideração do “fundo aperceptível de compreensão responsiva” de seu destinatário, constituído por aquilo que o divulgador presume que ele domina e, acima de tudo, não domina. (GRILLO, 2013, p.88)

As distinções e os conceitos das formas de se divulgar a Ciência estão relacionados às esferas da atividade humana em que essa prática ocorre: na esfera científica, na pedagógica (ou educacional), na jornalística (da informação midiática) e na cultural. Uma modalidade axiológico-semântica que está presente em vários gêneros do discurso que implicam práticas discursivas diversas ocorridas em esferas ou cultura distintas. Portanto, entendemos que, como modalidade de relações dialógicas, a popularização da Ciência é um discurso próprio, diferente do discurso religioso, político etc. Um discurso que populariza a Ciência em várias esferas e

que pode aparecer em vários gêneros do discurso, como em notícias, documentários, reportagem, artigo, entrevista, conferências, aulas e outros.

Concordamos com o pensamento de Grillo (2010a, 2013) de que, na sociedade brasileira, a divulgação científica é uma prática discursiva em expansão que ocorre, principalmente, em três esferas: a científica, a educacional e a jornalística, e com menos frequência, na literária e na cultural, cada uma com seus próprios gêneros. Ao falar em cultura, a autora se refere a exposições de museus e afirma que a divulgação científica “assumirá características próprias em razão das coerções sociodiscursivas de três campos: o científico, o educacional e o jornalístico. Cada um deles é formado por gêneros próprios, que representam um segundo nível de coerções ou de normas” (GRILLO, 2010a, p.152).

Sob o ponto de vista da autora (2013), na esfera científica, a popularização da Ciência corre, geralmente, em forma de artigo, para um público mais restrito. Ou seja, o cientista se endereça a outros pesquisadores que não é da mesma área de sua pesquisa, que é uma “modalidade de disseminação extrapares” (BUENO, 1985), a universitários e pós-graduandos, de forma geral, e a um destinatário exterior à esfera científica. Grillo (2012, p.93) explica que, nesses casos, o cientista se desloca de sua posição de produtor de conhecimentos científicos de determinada área do saber para uma de divulgador dessas mesmas ideias. Nesse fazer, ele precisa ressignificar os conhecimentos científicos de forma que seu novo destinatário que, em muitas circunstâncias, está no exterior da esfera científica e não domina os conceitos da área, possa compreender seu enunciado.

Na esfera educacional (ou pedagógica), Grillo (2010b, p.153) enuncia que essa prática tem como público-alvo os estudantes em geral. Está presente em gêneros que aparecem nos livros ou em manuais didáticos, em aulas, conferências e seminários. No entanto, em se tratando de estudantes universitários e pós-graduandos, eles “podem vir a se tornar pares do campo científico”. Isso ocorre porque, nesse nível, existem professores que também produzem conhecimento científico.

Nós acrescentaríamos que eles se tornam “pares” quando passam a integrar a esfera científica, produzindo e compreendendo, por exemplo, artigos científicos para revistas especializadas, assistindo e ministrando palestras em campos específicos ou afins na e da comunidade científica, em um estilo adotado por pesquisadores cientistas e endereçado a essa esfera restrita. De acordo com Grillo (2013, p.94), essa esfera é bastante heterogênea, devido aos diferentes níveis de ensino, mas “seus elementos comungam com o fato de que os destinatários formam um público cativo e que a aprendizagem tem um caráter sistemático que

visa à aprendizagem de conceitos.” O nível de conhecimento do destinatário nessa esfera está relacionado ao seu nível de ensino e a sua faixa etária.

Grillo (2006, p.5; 2010b, p.153, 2013, p 95), assevera que, na esfera jornalística, ela toma a forma dos gêneros notícia, reportagem, artigo e perguntas ao leitor, é endereçada a um público mais amplo e “recebe o nome de jornalismo científico”. Pode aparecer em suportes, como revistas especializadas em popularizar a Ciência para o público, como a Superinteressante, a Veja e a Isto é; em jornais, tanto digitais quanto impressos, como a Folha de São Paulo e O Jornal de São Paulo. Acrescentaríamos os sites e os portais da internet, como BBC, G1 etc.

Sob o ponto de vista de Grillo (2013, p.95), na esfera jornalística,

a posição do autor pode ser a de um mediador-jornalista externo ao campo científico ou a posição de um divulgador-cientista. Essa distinção reflete-se na escolha dos gêneros – jornalistas escrevem reportagens e cientistas artigos – e nas marcas estilísticas, composicionais e temáticas.

A autora complementa que, em ambos os casos, o destinatário é heterogêneo em razão do meio tecnológico em que a produção é publicada. Isso ocorre porque, embora as revistas e os jornais escritos especializados em popularizar a Ciência estejam voltados para o público mais amplo da sociedade, têm leitores com condições socioeconômicas e culturais diferentes, mas que frequentaram o sistema educacional até, pelo menos, a universidade. “Essas caraterísticas determinam o nível de conhecimento do destinatário presumido.” (GRILLO, 2013, p.96). A popularização da Ciência realizada por meio da televisão alcança um público mais heterogêneo por incluir tanto os letrados quanto os não letrados.

Ressaltamos que, atualmente, há um crescimento da popularização científica em outras esferas da atividade humana, como, por exemplo, na cultural. Os museus de Ciência vêm ganhando espaço em fóruns e debates científicos. Há, também, exposições em museus de arte sobre temas ligados à Ciência e feiras de Ciência e Tecnologia.

Grillo (2004, p.361) aponta que autores como Authier-Revuz (1998) e Zamboni (2001) trouxeram contribuições significativas no que concerne ao DPC. No entanto, afirma que ainda faz falta considerar “as representações do grande público a respeito do estatuto da DC”, ou seja, da popularização da Ciência, e se refere à popularização da Ciência como um novo discurso e uma prática discursiva que circula em gêneros variados.

Uma das particularidades da popularização da Ciência é o fato de ser posta para fora de sua esfera juntamente com a tecnologia.

A divulgação científica particulariza-se, portanto, pela exteriorização da Ciência e da tecnologia para fora de sua esfera de produção, com a finalidade de criar uma cultura científica no destinatário, ou seja, o seu traço definidor comum encontra-se no que chamaremos de exteriorização da Ciência nas instâncias de circulação e recepção. (GRILLO, 2013, p.88)

Os conhecimentos científicos que circulam na esfera científica têm como finalidade ampliar os saberes dos membros que constituem essa esfera. Ao serem exteriorizados para outras esferas da atividade humana, esses conhecimentos terão a finalidade de criar uma cultura científica.

No processo de exteriorização do DC, dos conhecimentos científicos e tecnológicos para o DPC, segundo Grillo, cria-se um diálogo com os conhecimentos de outras esferas, como a do cotidiano, a artística, a política, a religiosa etc.. Contudo, a autora enfatiza que esse diálogo não se restringe a uma tradução de termos científicos por termos do cotidiano, como sugere Authier- Revuz (1998). Para Grillo (2008, p.69), esse diálogo

coloca em contato diferentes esferas de produção de saberes, compostas por centros valorativos próprios, por seus gêneros, por suas imagens. Esse contato permite não só o aumento do estado de conhecimentos do destinatário presumido, como promove a submissão dos saberes científicos e tecnológicos a uma avaliação crítica viva.

Ao se referir à popularização da Ciência como uma atividade de exteriorização do DC, que a coloca em diálogo com as outras esferas, a autora se contrapõe a Zamboni, no sentido de não parecer adequado associar a divulgação a um “campo de transmissão de informações”.

Outro ponto importante que Grillo (2013, p.89) traz sobre o aspecto social da divulgação científica é que “a divulgação científica é complexa e desdobra-se em três dimensões: a relatividade da distinção entre público leigo-ignorante e especialista-sábio, o pressuposto da atitude responsiva ativa e o aumento de conhecimentos”. Para a autora, a primeira dimensão coloca em debate a discussão sobre quem seria o público leigo ignorante e o especialista sábio. Vimos que há uma grande esfera científica cujos membros são agrupados em subesferas por especialidades. O cientista de uma área de conhecimento, por exemplo, da Medicina, não é detentor dos saberes de outra, como a mecânica. Ele é um especialista em sua disciplina, por isso concordamos com a autora, quando diz que não há uma divisão estanque entre especialistas e leigos.

A segunda dimensão é a da ação de reciprocidade entre os divulgadores e destinatários presumidos. A autora, apoiando-se em Baudouin Jurdant (2006), defende que a divulgação científica não é só uma demanda que a sociedade teria por saberes científicos, mas também pela necessidade de a esfera científica passar a se comunicar e a se integrar à cultura de produção e

circulação de outras esferas. Por último, ela apresenta a terceira dimensão - o aumento de conhecimento no destinatário – que, segundo suas palavras, “pressupõe a ideia de falta e de vontade de conhecer o outro, o diferente, o desconhecido, aspectos participantes de um processo verbal, como a comunicação ou divulgação cientifica” (GRILLO, 2013, p.89).

Compartilhamos do pensamento da autora que o DPC é uma modalidade relações dialógicas. No entanto, em nossa pesquisa avançamos no sentido de identificar os tipos de relações dialógicas que presidem o processo de ressignificação do DC em enunciados de NPCs.