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5 GÊNEROS DA CADEIA DA COMUNICAÇÃO VERBAL NO FLUXO DO

5.1 GÊNEROS ESCRITOS DO DISCURSO CIENTÍFICO

5.1.1 O artigo científico (research article) e o report (relatório de pesquisa

Alguns gêneros do discurso requerem uma estrutura mais padronizada e se submetem a certas prescrições. Para fundamentar a produção do artigo científico (research article), gênero do DC, do ponto de vista linguístico-textual, recorremos a Swales66 (1990), a Bazerman67

(2006) e a Pérez-Llantada68 (2012).

Quanto à forma, em seu estudo sobre artigos científicos (research articles) escritos em inglês, Swales (1990, 2005) faz uma breve apresentação de fatos da história da consolidação

66 O inglês, John Swales, que atua na Escola Norte-americana, estuda o gênero em uma perspectiva etnográfica voltada para o ensino de segunda língua.

67 O livro “Gêneros textuais: tipificação e interação” é uma coletânea de artigos de Charles Bazerman, traduzidos do inglês para o português. Segundo Marcuschi (2008), Bazerman também é da Escola Norte-americana, influenciada por Bakhtin, em uma perspectiva sociorretórica/sócio-histórica e cultural, vinculando os gêneros às instituições que os produzem. Catedrático do Departamento de Educação da Universidade da Califórnia - Santa Bárbara.

desse gênero, que, segundo Ard (1983, apud SWALES, 1990), surgiu por meio de cartas informativas trocadas entre cientistas, o que ainda hoje ocorre.

As cartas, segundo Bazerman (2006), desempenharam um papel sobremaneira importante na construção de determinados gêneros, incluindo o artigo científico. De acordo com esse linguista, a publicação de periódicos não noticiosos é atribuída às primeiras revistas científicas: “Journal dês Scavans” e “The Philosophical Transactions of the Royal Society”. Em 1965, surgiram os primeiros artigos científicos, quando Henry Oldenburg editou o primeiro periódico, The philosophical transactions of the royal society (1965), mas em forma de cartas, e mostra, como exemplo, o famoso artigo de Newton, A new theory of light and colours, de 1672, que suscitou várias cartas réplicas, muitas das quais foram publicadas, nos anos seguintes, no periódico Philosophical Transactions. Bazerman (2006, p.93) diz que “as cartas, em várias instâncias, parecem ter servido como uma forma transitória para permitir a emergência de gêneros com uma função comunicativa definida e com amarras sociais”. Com o tempo, elas passaram a se dirigir mais ao periódico do que aos leitores. Contudo, “levou mais de um século para que os artigos perdessem os vestígios do formato de carta e adotassem o tom e o foco argumentativos dos artigos científicos”. “As cartas ainda retêm vários e importantes papéis na publicação científica (...)” (BAZERMAN, 2006, p.96).

Ainda hoje, existem revistas científicas denominadas de “letter journals”. Segundo Bazerman (2006, p.96), “essas revistas são encontradas nas áreas onde os resultados emergem rapidamente e são utilizados imediatamente por outros cientistas”. Assim, publicam “letters” (cartas), artigos curtos, cujo tempo para o ciclo de revisão e publicação é mais curto, e os cientistas podem apresentar um relato de novos achados/resultados com mais rapidez.

Swales (1990) refere que um estudo considerado pioneiro, realizado por Bazerman em 1983, investigou artigos publicados no periódico Physical Review entre 1893 e 1980. Nesse estudo, de acordo com Swales (1990), os artigos científicos apresentavam certas características, a saber:

a) Tamanho: os artigos eram compostos de cinco a sete mil palavras e alcançaram até dez mil palavras em 1980, mas, a partir de então, tenderam a ser mais compactos; b) Referências: as referências deixaram de ser mencionadas apenas na introdução e

passaram a ser apresentadas ao longo do artigo, para relatar trabalhos de outros; c) Características lexicais e sintáticas: a frequência de orações relativas diminuiu,

enquanto as orações substantivas e as subordinadas de causa e de tempo aumentaram, o que requer uma pequena mudança de descrição para explicar e

aumentar a complexidade intelectual. No nível lexical, temas de orações principais passaram a ser mais abstratos, utilizando-se nomes de processos ou qualidades. Quanto aos verbos, nos artigos científicos, empregam-se mais os de ação do que os de relato;

d) Material não verbal: houve um decréscimo na natureza do material gráfico, como os desenhos e o tamanho das tabelas. Em compensação, aumentou o número de gráficos e de equações;

e) Organização: As seções de “discussão e conclusão” aumentaram de tamanho e de complexidade, enquanto as do “método e dos materiais” diminuíram.

Swales (1990) considerou necessário investigar outros periódicos e revistas científicas e, em suas análises, encontrou poucas divergências em relação ao estudo de Bazerman, que se concentraram, basicamente, na estrutura do artigo científico (research article), que é constituída de uma organização macro, também conhecida pela sigla IMRD69: Introdução,

Métodos, Resultados, Discussão (Introduction, Methods, Results [and] Discussion). Pesquisas publicadas em revistas e periódicos da comunidade científica internacional seguem esse padrão, principalmente nos periódicos de Biomédica e de Física e de negócios e economia, e podem incluir os materiais utilizados na seção de Métodos.

Em novo estudo, Swales (2005) menciona que o lado da história dos artigos científicos mostra os gêneros que seguem o padrão IMRD, como os de prestígio, publicados em revistas e em periódicos especializados impressos. Entretanto, há uma discussão sobre o rápido crescimento dos e-journals. Nesse estudo, ele aponta que é necessário voltar-se para as outras Ciências e comenta que, talvez, a análise que fez do artigo científico, em 1990, fazia uma generalização, por isso voltou a revistar seus conceitos utilizando gêneros de outras áreas do conhecimento.

Swales (2005, p.208) assevera que o artigo científico, por si só, não é um único gênero. Ele se subdivide em artigos teóricos e experimentais. De fato, esses tipos de texto podem ser divididos em três gêneros: os artigos de revisão, as comunicações mais curtas e o artigo científico tradicional. Swales (2005) também afirma que são raros os estudos sobre o artigo de

69 A produção dos artigos científicos – IMRD – obedece à Convenção de Vancouver. Na introdução, apresenta-se um background da literatura, situa-se o estudo e menciona-se o objetivo com sua relevância. A seção dos métodos deve conter, em detalhes, os procedimentos metodológicos, a instrumentação, os julgamentos analíticos e a coleta de dados. Nos resultados, espera-se um relato dos achados, ressaltando os mais importantes na base da evidência. A seção da discussão é destinada a resumir as principais descobertas e explicar sua relevância no estudo em relação a outros.

revisão e que só há dois estudos sobre ele - o de Myers (1991) e a tese de doutoramento de Noguchi (2001).

O artigo científico, segundo Noguchi (2006), envolve também o gênero retórico artigo de revisão (review article), chamado, algumas vezes, de minirrevisão (mini-review) ou, apenas, de revisão (review) ou de artigo geral (general article) e difere do artigo científico (research article). Enquanto a construção da forma do texto artigo científico (IMRD) já está bem definida, não acontece o mesmo com a do artigo de revisão, talvez por apresentar várias nomenclaturas, como já foi dito. A autora divide o artigo de revisão em quatro partes: a primeira, em que se apresenta uma visão histórica do problema da pesquisa; a segunda, em que se descreve a situação atual desse campo de estudo; a terceira, em que se propõe uma teoria ou modelo para resolver algum problema nessa área; e a quarta, que irá chamar à atenção para uma questão problemática da área.

Swales (2005) compara o artigo de revisão com palestras de plenárias, em que os palestrantes são convidados a falar sobre um tema para uma audiência, e diz que os artigos de revisão são subdivididos em seções, não seguem o padrão IMRD e existe uma grande variedade na forma como são organizados. Ele acrescenta que esse gênero tem um estatuto incerto, principalmente em áreas onde há originalidade, e as pesquisas primárias são essenciais.

Em seu estudo, Swales (2005, p.213)70 propõe que o artigo científico tradicional, cujas

publicações são em série, seja subdividido em quatro gêneros: fragmentos de teoria, artigo de revisão, o artigo científico, ele mesmo, e as comunicações curtas, como mostrado no Gráfico 7 - Comunicações de pesquisa publicadas em série.

Gráfico 7 – Comunicações de pesquisa publicadas em série

Fonte: Elaborado a partir da Figura 7.2 - Four Genres (Quatro gêneros), em Swales (2005, p.213)

70 Texto original, nas palavras de Swales (2005, p.213):“I have tried to establish that traditional research article (or RA) needs to be subcategorized into theory pieces, review articles, and the experimental or data-based RA itself. However still other subcategorizations are possible (...) we do need to add a final category of shorter communications (...).” COMUNICAÇÕES DE PESQUISA PUBLICADAS EM SÉRIE FRAGMENTOS DE TEORIA ARTIGOS DE REVISÃO ARTIGOS CIENTÍFICOS BASEADOS EM DADOS COMUNICAÇÕES MAIS CURTAS

Swales (2005, p.214) concebe que as comunicações mais curtas escritas (shorter written communications) cobrem uma vasta produção textual, incluindo as clássicas cartas, as chamadas “letters” da Ciência, e há evidência de que, atualmente, elas estão tomando características do artigo científico padrão (IMRD). Podem incluir, também, fragmentos de crítica e de fórum, são produzidas por um número maior de autores e permitem uma abordagem mais equilibrada para os problemas complexos. O autor afirma que as notas curtas são publicadas em várias línguas, o que permite comparar os relatos acadêmicos. Elas não têm resumos nem imagens e apresentam, no máximo, oito referências.

O artigo científico padrão é um produto que passou por um processo complexo, afirma Swales (2005). Foi um manuscrito que teve diversos rascunhos, com sugestões de revisores, de coautores e editores. São textos ricamente persuasivos, que antecipam as reações dos revisores e dos leitores. Um sinal do seu público-alvo é de que ele sabe que os acadêmicos mais experientes decidem antecipadamente em que jornal vão publicar seus artigos. Outro aspecto que o autor elucida é o fato de a produção do artigo científico ser um processo complexo e dinâmico de passar de notas e outras formas de informação para o primeiro rascunho e, depois, para o rascunho final.

Swales (2005, p.219), ao revisitar o conceito de artigo científico, menciona que as seções que sofreram mais mudanças internas não foram apenas a introdução e as discussões, mas também, principalmente, a dos métodos e a dos resultados. Também afirma que a seção de Métodos não existe, por si, nos artigos da área de Ciências Humanas, a maioria apresenta nomes como: “O estudo” (The Study), “Dados e metodologia” (Data and methodology), “Metodologia” (Methodology) e “Contexto e metodologia” (Setting and methodology).

Nesse contexto, é interessante mencionar uma observação que Pérez-Llantada (2012) apresenta sobre a macroestrutura dos artigos científicos. Ele (2012, p.55) afirma que a ampla categorização dos artigos científicos em teóricos (ou dedutivos) - os que fazem deduções e cuja conclusão implica a verificação de observações prévias - e os experimentais (indutivos) - que incluem eventos de campo em laboratórios, o que leva a uma declaração sobre os tipos naturais, leva a três tipos de macroestrutura recorrentes nas publicações de artigo científico (research article) que, em nosso entendimento, passam a ser tipos de artigos científicos:

• O ensaio argumentativo, que consiste de introdução, corpo (desenvolvimento) e conclusão e é muito usado no campo das Ciências Humanas, na Linguística teórica, na Filosofia, na Arte e na História;

• A estrutura do IMRD (Introdução/Materiais/Métodos, Resultados e Discussão) - Esse é o protótipo do artigo científico para experimentos no campo da Biomédica, da Física, dos negócios e da economia;

• Os modelos de problema-solução (problem-solution) - O modelo “Situation- Problem-Solution-Evaluation” traz uma breve introdução de fundo, uma frase curta ou um parágrafo que resume o objetivo do trabalho (o problema), a solução dada pelos autores e uma avaliação da solução encontrada, comum em relatos de engenharia e de arquitetura em escritos da área mais tecnológica.

Com base nos autores supracitados, representamos, no Gráfico 8, alguns gêneros do DC que circulam na esfera científica e que são produzidos por cientistas para cientistas.

Gráfico 8 – Gêneros do DC na esfera científica

Como pode ser observado no Gráfico 8, outros gêneros que disseminam a pesquisa científica entre os cientistas, mesmo com outra terminologia, podem ser enquadrados no grande grupo dos artigos científicos, que vão adquirir uma forma ou outra, a depender do suporte, ou seja, o periódico (journal) ou revista especializada de circulação entre os cientistas/pesquisadores. Geralmente, esses suportes também ditam para os cientistas como eles

GÊNEROS DO

DISCURSO

CIENTÍFICO

ARTIGOS CIENTÍFICOS (teóricos e experimentais) ARTIGO CIENTÍFICO (INTRODUÇÃO- MÉTODOS-RESULTADOS- DISCUSSÃO/IMRD) REPORT (relatório de pesquisa) ARTIGO CIENTÍFICO (SITUAÇÃO-PROBLEMA- SOLUÇÃO-AVALIAÇÃO) ENSAIOS ARGUMENTATIVOS (ESSAYS) ARTIGOS DE REVISÃO

COMUNICAÇÕES CURTAS CARTAS (LETTERS)

devem submeter os seus trabalhos. Inserimos, nessa divisão, o relatório de pesquisa científica, report, nome de gênero que é usado de forma especial pela Revista Science. Nesse suporte, há uma seção destinada aos “reports”, que são produzidos por cientistas para os seus pares.

O report é um gênero do DC que aparece com frequência na Revista Science. Decidimos que a melhor forma para saber o que esse gênero significa é olhá-lo em seu contexto específico de produção e circulação, ou seja, no website71. Portanto, ao analisar o report selecionado,

daremos mais detalhes sobre ele.

Quanto aos ensaios argumentativos, no campo da História, da Antropologia, da Linguística e da Literatura, entre outros, não recebem tanto prestígio no campo científico quanto o segundo modelo IMRD, possivelmente porque seu escopo é restrito ao campo das Ciências Humanas (PÉREZ-LIANTADA, 2012). A autora complementa que os ensaios argumentativos usualmente não têm seções, eles trazem uma introdução e uma fundamentação teórica do estudo e uma revisão crítica da literatura, além de uma tese, de uma indicação analítica de métodos e uma estrutura para análise dos textos. O texto traz explicações, citação de referências primárias, referências intertextuais, é rico em argumentação, discute sobre as perspectivas em determinado estudo e tem o objetivo de construir um argumento para um ponto de vista em particular. A conclusão apresenta dados dos mais específicos para o geral.

Embora tenhamos trazido autores da Linguística e da Linguística Aplicada que apresentam estudos sobre a estrutura formal do artigo científico, não poderíamos deixar de analisar os gêneros do DC selecionados para o corpus desta pesquisa, considerando os três elementos indissociáveis que o constituem, de acordo com Bakhtin (2006): o conteúdo temático, a forma composicional e o estilo. Portanto, a seguir, apresentaremos a análise do artigo científico publicado no CELL e do “Report” publicado na Science, que compõem o corpus desta pesquisa. Esses dois textos estão correlacionados às NPCs, que analisaremos no capítulo seguinte.