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4.2 CONTRIBUIÇÕES DO DISCURSO DE POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA

4.2.4 Nossa concepção sobre o discurso de popularização da ciência em NPCs

Para fundamentar nossa concepção a respeito do DPC, recorremos a Bakhtin (2006), em Estética da criação verbal. O autor apresenta a natureza do discurso de difusão da Ciência, quando assevera que há gêneros da “literatura popular científica” que visam a destinatários diferentes, e que o público para o qual o discurso é endereçado influencia as escolhas da construção do enunciado:

(...) os gêneros da literatura popular científica são endereçados a um determinado círculo de leitores dotados de um fundo aperceptível de compreensão responsiva; a outro leitor está endereçada uma literatura didática especial e a outro, inteiramente diferente, trabalhos especiais de pesquisa. Em todos esses casos, a consideração do destinatário (e do seu fundo aperceptível) e a sua influência sobre a construção do enunciado são muito simples. Tudo se resume ao volume dos seus conhecimentos especiais. (BAKHTIN, 2006, p.302)

Dessa citação, podemos depreender os conceitos que envolvem a difusão científica, no que concerne às duas dimensões dessa prática: a disseminação e a popularização da Ciência. Assim, os trabalhos especiais de pesquisa mencionados por Bakhtin (2006) são aqueles produzidos e direcionados aos membros da esfera científica e destinados aos próprios cientistas, seja na disseminação intrapares (quando os estudos científicos são difundidos para os cientistas da mesma área de conhecimento), ou na extrapares (quando a disseminação envolve especialistas de áreas afins). Para o público mais amplo da sociedade, cujo “fundo aperceptível” de conhecimentos é diferente do dos cientistas, será destinado outro discurso, uma literatura mais popular, ou seja, o DPC, em várias modalidades de gênero, que pode ocorrer em várias esferas.

Isso posto, podemos dizer que o processo da ressignificação do DC em NPC passa, primeiro, pela compreensão ativa do jornalista antes de chegar ao público em geral em forma

do gênero NPC em que o enunciador utiliza o DPC. O Gráfico 5 representa o movimento de ressignificação do DC em DPC nas NPCs.

Gráfico 5 – Movimentos da ressignificação do DC em NPC.

Fonte: Elaboração própria

Nessa dinamicidade, o autor-enunciador da NPC, que é um jornalista, mediante suas escolhas léxico-semânticas, deixa transparecer sua subjetividade no fio do seu discurso. Definir discurso, em termos bakhtinianos, é uma tarefa complexa, como já mencionamos, e não temos essa pretensão. No entanto, é necessário expor o que entendemos por discurso, a partir das leituras de Bakhtin (2006, 2013, 2014), e, por conseguinte, por DC e DPC.

Em o Discurso em Problemas da Poética de Dostoiéviski, Bakhtin apresenta a noção de discurso,

ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva, e não, a língua como objeto específico da linguística obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso. (BAKHTIN, 2013, p.207)

No capítulo sobre Gêneros do discurso, em Estética da criação verbal, esse autor (2006, p.274) diz que

o discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso. O discurso sempre está fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existir.

Sobre o enunciado, afirma:

O enunciado como unidade primária do discurso e suas modalidades. Há modalidades de enunciados segundo a função (o discurso do cotidiano, o científico, o ficcional, etc.), e modalidades segundo a relação com o ouvinte: o dialógico, o monológico e o relativismo dos dois. (BAKHTIN, 2016, p.115)

A partir dessas citações, entendemos o discurso como enunciados concretos que produzem sentido, realizados por sujeitos falantes de determinada esfera da atividade humana, que é influenciada pela situação sócio-histórica, cultural e por valores ideológicos.

Os sujeitos falantes de cada esfera da atividade humana mobilizam as formas da língua em uso e utilizam as formas típicas de enunciado que organizam seu discurso, em modalidades de acordo com sua função, ou seja, o discurso cotidiano, o científico, o ficcional, etc., enformando o discurso dentro da esfera da atividade humana a que pertencem.

Partindo desse entendimento, ponderamos que o DC é uma modalidade de enunciado que surge na esfera científica, que é realizada por cientistas e pesquisadores de várias áreas do conhecimento, cujos membros se servem do sistema de uma língua, mobilizam esse sistema e utilizam certas formas particulares e próprias de determinada área do conhecimento, que, mesmo sendo parte desse sistema, em muitas circunstâncias, causa estranheza a pessoas que não fazem parte dessa esfera específica. No caso do DC, a materialização se dá em formas típicas de enunciados, ou seja, em gêneros do discurso produzidos por cientistas e pesquisadores e direcionados aos seus pares e intrapares. São gêneros que circulam em publicações próprias e dentro da esfera científica, com o objetivo de disseminar os conhecimentos científicos para seus membros.

A necessidade de expandir os conhecimentos científicos oriundos da esfera científica para a sociedade e o desejo das pessoas que não pertencem a essa esfera de conhecer o que se passa em relação às novas descobertas científicas geraram a necessidade de criar outra modalidade de enunciados segundo a sua função, o DPC. Em nossa concepção, esse discurso é heterogêneo, é uma modalidade de relação dialógica que interage com enunciados de outras esferas da atividade humana, cuja materialidade se manifesta em várias formas de gêneros do discurso, que têm como objetivo popularizar a Ciência, os resultados de uma pesquisa, para além dos muros da esfera científica. O DPC é apoiado em enunciados do DC já produzidos na esfera científica, mas que, ao ser ressignificados, sempre trazem algo novo.

No trabalho em pauta, damos especial atenção aos tipos de relações dialógicas que presidem o processo de ressignificação do DPC em enunciados de NPC, na modalidade escrita. Entedemos que a NPC é construída a partir de um gênero do discurso científico, e por ser permeada por discursos de outras esferas da atividade humana, o concebemos como um gênero heterodiscursivo.

O caráter inovador desta pesquisa, que contribui para os estudos já existentes na área é a análise dos limites da dinâmica da ressignificação de um discurso para outro, investigando e

identificando as relações dialógicas que são a base do processo de ressignificação do DC em artigos científicos, em enunciados de NPC, um gênero do DPC. Assim, criamos uma tipologia das relações dialógicas que presidem a construção das NPCs analisadas nesta pesquisa, a qual detalhamos no capítulo 5 desta pesquisa.