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Convenção de Mérida de 2003 (Corrupção)

3.1 A Expansão da Proibição O Surgimento de Um Regime Global

3.1.1 Hard Law: Tratados e Convenções Internacionais

3.1.1.6 Convenção de Mérida de 2003 (Corrupção)

A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (ANEXO K) foi assinada em dezembro de 2003 na cidade mexicana de Mérida, por 95 países, dentre os quais o Brasil.

As preocupações que justificaram a elaboração da Convenção vêm expressas no preâmbulo: a gravidade dos problemas e as ameaças da corrupção277 para a estabilidade e a segurança das sociedades, em razão do enfraquecimento das instituições e dos valores da democracia, da ética e da justiça, bem como o comprometimento do desenvolvimento sustentável e do Estado de Direito; os vínculos da corrupção com outras formas de delinqüência, em particular, o crime organizado e a lavagem de dinheiro; o comprometimento dos recursos do Estado em razão da corrupção que pode ameaçar sua estabilidade política e o seu desenvolvimento sustentável. Os Estados-parte estão convencidos de que a corrupção deixou de ser um problema local para se tornar um fenômeno transnacional que afeta todas as sociedades e economias: a cooperação internacional passou a ser necessária para preveni-la e lutar contra ela. Sendo o enriquecimento pessoal ilícito, particularmente nocivo para as instituições democráticas, as economias nacionais e o Estado de Direito, os Estados pretendem prevenir, detectar e dissuadir com maior eficácia as transferências internacionais de ativos adquiridos ilicitamente, bem como fortalecer a cooperação internacional para a recuperação desses ativos.

Entre as finalidades da Convenção, estão a promoção e o fortalecimento de medidas para prevenir e combater mais eficaz e suficientemente a corrupção; a promoção, a facilitação e o apoio à cooperação internacional e à assistência técnica na prevenção e na luta contra a

corrupção, incluída a recuperação de ativos; e a promoção da obrigação de prestar contas da devida gestão dos assuntos e dos bens públicos.

Trata de medidas preventivas da corrupção, a serem adotadas pelos Estados; de normas legislativas e administrativas, destinadas a aumentar a transparência relativa ao financiamento de candidaturas a cargos públicos eletivos, assim como dos partidos políticos. Estabelece a necessidade de sistemas apropriados de contratação e de gestão; da transparência da administração pública e da informação à sociedade, em geral, dos por ela processos adotados, suas decisões e seu funcionamento.

Recomenda medidas preventivas de corrupção no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público.

A Convenção se aplica igualmente ao setor privado e determina que os Estados-parte devem adotar medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis e de auditoria nesse setor. A cooperação entre organismos, encarregados de fazer cumprir as leis, o uso de boas práticas comerciais e a transparência das entidades privadas são incentivados. É prevista, ainda, a possibilidade de criminalização do suborno no setor privado.

A Convenção sugere que os Estados previnam conflitos de interesse, impondo restrições apropriadas, durante período razoável, às atividades profissionais de ex- funcionários públicos ou à contratação de funcionários públicos pelo setor privado depois de sua renúncia ou de sua aposentadoria, quando essas atividades ou essa contratação estiverem diretamente relacionadas a funções desempenhadas ou supervisionadas por esses funcionários públicos durante sua permanência no cargo.

Um grupo interessante de medidas destina-se a fomentar a participação ativa de pessoas e de grupos que não pertençam ao setor público, como a sociedade civil, as organizações não-governamentais e as organizações com base na comunidade, na prevenção e na luta contra a corrupção, para sensibilizar a opinião pública a respeito da existência das causas e da gravidade da corrupção, assim como da ameaça que representa. Através da informação pública e de programas de educação pública (na rede escolar e universitária), deverá ser buscado o aumento da intransigência com a corrupção.

O tratado determina que os Estados-parte criminalizem a lavagem de dinheiro nas modalidades de conversão e de transferência de bens, bem como de ocultação ou de dissimulação nos mesmos moldes das Convenções de Viena e de Palermo. A receptação de bens lavados é tratada da mesma forma que nas Convenções anteriores.

Repete a recomendação da Convenção de Palermo em aplicar a lavagem de dinheiro à gama mais ampla possível de delitos antecedentes e prevê que estes poderão ocorrer fora do território do Estado interessado (no caso do atendimento do princípio da dupla incriminação). A reserva da não-incriminação da autolavagem é mantida na Convenção de Mérida.

No que toca às medidas preventivas da lavagem de dinheiro, determina que cada Estado-parte estabelecerá um regime interno de regulamentação e de supervisão nos mesmos moldes já propugnados pela Convenção de Palermo; prevê medidas semelhantes de cooperação e de troca de informações, em nível nacional e internacional, entre autoridades; o estabelecimento de unidade de inteligência financeira para a coleta, a análise e a difusão nacional de informações sobre possíveis atividades de lavagem de dinheiro.

A Convenção de Mérida reproduz a recomendação já expressa na Convenção de Palermo a respeito do controle transfronteiriço de numerário em espécie e títulos negociáveis. De novidade, destaca-se o detalhamento das medidas que as instituições financeiras (incluídas as que remetem dinheiro) devem proceder, para incluir informação exata e válida sobre o remetente nos formulários de transferência eletrônica de fundos e de mensagens conexas; as que mantenham essa informação durante todo o ciclo de operação e que examinem, de maneira mais minuciosa, as transferências de fundos que não contenham informação detalhada sobre o remetente.

Repete a recomendação de utilização das medidas propostas pelas organizações regionais, interregionais e multilaterais de luta contra a lavagem de dinheiro, no estabelecimento de um regime interno de regulamentação e de supervisão, e a promoção da cooperação internacional em larga escala, entre autoridades judiciais, de cumprimento da lei e de regulamentação financeira, para o combate à lavagem de dinheiro.

A Convenção exorta aos Estados-parte a considerarem a possibilidade de adotar medidas legislativas necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito, ou seja, o incremento significativo do patrimônio de um funcionário público que não possa ser razoavelmente justificado por ele, com base em seus ingressos legítimos.

É prevista, ainda, a possibilidade de os Estados-parte, sem prejuízo da criminalização da lavagem de dinheiro, qualificarem como delito, quando cometido intencionalmente (após a prática de quaisquer dos delitos referidos na Convenção, mas sem haver participado deles), o encobrimento ou a retenção contínua de bens, sabendo que eles são produto de quaisquer dos referidos delitos.

As medidas cautelares de natureza patrimonial e de confisco seguem a linha da Convenção de Palermo. A recuperação de ativos é um princípio fundamental da Convenção de Mérida, e os Estados-parte deverão prestar, reciprocamente, a mais ampla cooperação e assistência a esse respeito. Para essa finalidade, são descritas, detalhadamente, as medidas desejadas de prevenção e de detecção de transferências de produto de delito, devendo as partes inspirarem-se nas iniciativas das organizações regionais, interregionais e multilaterais de luta contra a lavagem de dinheiro.

A Convenção dedica grande parte de suas disposições às medidas de controle de contas bancárias e de transações de pessoas físicas e jurídicas sobre as quais os Estados entendam conveniente um maior escrutínio. Afirma a necessidade de registros adequados das contas e das transações, relacionadas a estas pessoas, por um prazo conveniente. Preocupa-se com o estabelecimento de bancos sem presença real e que não estejam afiliados a grupo financeiro, sujeito à regulação, sugerindo aos Estados que exijam de suas instituições financeiras a recusa de relações com estas instituições na qualidade de bancos correspondentes.

É prevista a possibilidade de recuperação direta de bens de um Estado-parte frente a outro, mediante ação proposta no juízo cível. A preocupação da Convenção é intensa com a cooperação internacional para fins de confisco, prevendo a possibilidade de que um Estado dê efeito não só a ordens de medidas cautelares de natureza patrimonial, bem como de confisco, ditadas por outro Estado-parte.

O Brasil promulgou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção em 31 de janeiro de 2006, através do Decreto n. 5.687/06.