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3.3 Regime Local: Disposições Legais e Iniciativas Brasileiras

3.3.1 Lei n° 9.613/98

A lei brasileira de lavagem de dinheiro surgiu por meio do Projeto de Lei da Câmara n° 66, de 1997, de autoria do Poder Executivo (ANEXO N1). Ao submetê-lo à avaliação do Presidente da República, o Ministro da Justiça, Nelson Jobim, refere-se ao Decreto n° 154/1991, através do qual o Brasil promulgou a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas - a Convenção de Viena.

O art. 3° desse tratado internacional dispõe que cada Estado-parte deveria adotar as medidas necessárias para caracterizar como delitos penais, em seu direito interno, quando cometidos intencionalmente, a conversão ou a transferência de bens e a ocultação ou o encobrimento...Na exposição de motivos n° 692/MJ, o Ministro lembra que:

Desta forma, em 1988, o Brasil assumiu, nos termos da Convenção, compromisso de direito internacional, ratificado em 1991, de tipificar penalmente o ilícito praticado com bens, direitos e valores oriundos do narcotráfico307.

Ressalta ainda a participação do Brasil na XXII Assembléia Geral da OEA, realizada nas Bahamas, entre 18 e 23 de maio de 1992, quando foi aprovado o "Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráfico Ilícito de Drogas e Delitos Conexos", elaborado pela Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas - CICAD.

O Ministro relembra ao Presidente que, na Cúpula das Américas, realizada em dezembro de 1994, os Chefes de Estado e de Governo dos Países Americanos, no âmbito da OEA, firmaram um Plano de Ação, prevendo que os governos ratificariam a Convenção de Viena. Salienta, ainda, que o Brasil firmou Declaração de Princípios relativa ao tema na Conferência Ministerial sobre a Lavagem de Dinheiro e o Instrumento do Crime, realizada em Buenos Aires, em dezembro de 1995, para concluir que

...o presente projeto se constitui na execução nacional de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, a começar pela Convenção de Viena de 1988308.

Apesar de ser a concepção da Convenção de Viena mais restrita, o Projeto da lei brasileira não limitou o antecedente ao tráfico ilícito de entorpecentes, preferindo acompanhar legislações mais modernas que ampliavam o número de crimes aptos a gerar dinheiro para a lavagem.

Relativamente à não-inclusão dos delitos fiscais no rol de antecedentes, a justificativa é a de que:

a lavagem de dinheiro tem como característica a introdução, na economia, de bens, direitos ou valores oriundos de atividade ilícita e que representaram, no momento

307 Exposição de motivos n. 692/MJ. (ANEXO N1). 308 Exposição de motivos n. 692/MJ.

de seu resultado, um aumento do patrimônio do agente. Por isso que o projeto não inclui, nos crimes antecedentes, aqueles delitos que não representam agregação, ao patrimônio do agente, de novos bens, direitos ou valores, como é o caso da sonegação fiscal. Não há, em decorrência de sua prática, aumento de patrimônio com a agregação de valores novos. Há, isto sim, manutenção de patrimônio existente em decorrência do não pagamento de obrigação fiscal. Seria desarrazoado se o projeto viesse a incluir no novo tipo penal lavagem de dinheiro - a compra, por quem não cumpriu obrigação fiscal, de títulos no mercado financeiro. É evidente que essa transação se constitui na utilização de recursos próprios que não têm origem em um ilícito309.

O regime preventivo de combate à lavagem de dinheiro foi atribuído pela lei ao âmbito administrativo com a criação do Conselho de Combate a Atividades Financeiras Ilícitas (COAF) - como uma unidade de inteligência financeira. A fiscalização de todas as atividades financeiras por esse órgão, além da imposição de obrigação de comunicação de operações suspeitas a diversos sujeitos, parte do pressuposto de que o compartilhamento da responsabilidade entre o Estado e os diversos setores da atividade econômica, utilizados pela lavagem de dinheiro, deve envolver toda a sociedade:

...como certos setores da economia são utilizados como via para a prática do crime de lavagem de dinheiro, o que acaba por contaminar as atividades lícitas desenvolvidas por esses setores, e, por conseguinte, afetando a credibilidade e a estabilidades desses setores, nada mais lógico do que fazer com que assumam ônus e responsabilidades no combate a uma atividade delituosa que os atinge diretamente."

A tramitação do Projeto de lei foi realizada em caráter de urgência (juntamente com outras 50 medidas implementadas pelo Governo Federal, dando continuidade ao Programa de Estabilização da Economia e Consolidação do Plano Real).

A Comissão de Assuntos Econômicos ofereceu o Parecer n° 72/98 de relatoria do Senador Levy Dias, recomendando a aprovação do Projeto de Lei n° 66, com a aprovação da emenda apresentada pelo Senador Jeffeson Péres que incluía, no rol dos antecedentes, os crimes praticados contra a ordem tributária.

A Comissão de Constituição e Justiça ofereceu o Parecer n° 73/98, cuja relatoria ficou a cargo do Senador Romeu Tuma. A dissuasão da prática do crime, através do

impedimento do uso da atividade econômica para o acobertamento dos proveitos ilicitamente obtidos, é reconhecida como um novo mecanismo legal. No interesse público, considera:

...premente dotar os agentes públicos, tanto no âmbito da economia e das finanças, quanto na prestação jurisdicional do Estado, do instrumento legal hábil, a coibição de um verdadeiro meta-crime, que é o de cometer crime de ocultação e de

"lavagem" de recursos já criminosamente auferidos." (sem grifos no original)310.

Entretanto, o Parecer foi contrário à manutenção da emenda apresentada anteriormente no sentido da inclusão dos crimes contra a ordem tributária no rol dos antecedentes, utilizando-se dos mesmos argumentos já apresentados pelo Ministro da Justiça na Exposição de Motivos 692/MJ, acima expostos. Para a Comissão de Constituição e Justiça "o Estado brasileiro, com a Lei n° 8.137/90, já dispõe de instrumento hábil e eficaz para a repressão do crime contra a ordem tributária." O Projeto teve discussão em turno único311 e foi aprovado nos termos do Parecer n° 73.

A elaboração da lei n° 9.613/98 - apesar das ementas e das discussões havidas durante o trâmite legislativo - representou a absorção de um regime internacional como mostra TEIXEIRA:

O problema entra na agenda por meio das pressões internacionais, fato documentado ao longo de todo o processo decisório. Isto é claro e não chega a surpreender. A sensação de necessidade de se combater a ocultação de recursos ilícitos, a delimitação desta prática como um problema de política pública surgiu da experiência internacional e foi transmitida à nação brasileira312.

A autora destaca o fato de o texto final, proposto pelo Poder Executivo, ter obtido apenas as contribuições de especialistas internacionais e de setores privados nacionais, sem as contribuições e as críticas do Ministério Público e do Poder Judiciário. Após a entrada do projeto de lei no Congresso, pouco haveria de ser mudado tamanha era a falta de familiaridade e, conseqüentemente, a passividade diante do que era proposto. Não houve grandes contestações, e o texto chegou à sanção presidencial sem sofrer alterações substantivas. TEIXEIRA, contudo, conclui não haver maior problema em aderir a um regime internacional, em um momento que o país buscava credibilidade junto à comunidade

310 Parecer n. 73/98. (ANEXO N1).

311 BRASIL Diário do Senado Federal, 12 de fevereiro de 1998, p. 02717. (ANEXO N2).

312 TEIXEIRA, Letícia Miranda. A Política Contra a Lavagem de Dinheiro no Brasil: O Processo de Absorção

financeira internacional, para garantir a sustentação da estabilidade dos preços. A adesão a um regime internacional foi um grande passo nessa direção.

O que deve ser levado em conta, em sua ótica, é se, na interação entre os problemas externos e os problemas internos, a solução adotada não decorre apenas de um processo passivo de internalização dos primeiros, mas se tem a capacidade de atender, satisfatoriamente, aos últimos.