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2.3 Federalismo contemporâneo: novos elementos

2.3.1 Cooperação: um elemento chave

A cooperação pode ser entendida como elemento fundamental para o bom funcionamento da estrutura federativa. Como visto, o federalismo se baseia em processos de descentralização de poder, e para tal é imprescindível que os entes federados possuam boa relação e que estabeleçam processos dinâmicos de cooperação, efetuando negociações e pactuações proveitosas entre si, pois “o resgate da comunicação efetiva é imprescindível à construção da sociedade democrática” (MATOS, 2015, p. XI)

Neste sentido, “a cooperação pode ser definida, sucintamente, como uma troca que as partes se beneficiam. (...) Imediatamente identificável porque o apoio recíproco está nos genes de todos os animais sociais; eles cooperam para conseguir o que não podem alcançar sozinhos” (SENNETT, 2015, p. 15).

Para o sociólogo, a cooperação é algo inerente à espécie humana, mas que “a sociedade moderna está desabilitando as pessoas para a prática da cooperação” (ibidem, p. 19). Sennett estabelece esta dificuldade de enfrentar os novos dilemas do mundo moderno, que se inicia principalmente desde o capitalismo industrial e a substituição do homem pela máquina, e os desdobramentos que fazem com que as relações humanas se enfraqueçam cada vez mais, o que caracteriza o modo de vida contemporâneo, como visto em Bauman (2001), Harvey (2012) e Lipovetsky (2004).

Entretanto, a cooperação é retomada de maneira contínua no cotidiano, principalmente dentro da Administração Pública. Neste sentido, tem-se como exemplo

consolidador da mediação como método de redução da litigância intragovernamental como as formas de acesso à justiça8.

A importância da cooperação se revela principalmente na obra de Alessandra Silveira (2007) em que a cooperação é entendida como elemento fundador, um compromisso estabelecido constitucionalmente, “um compromisso que fundamenta e controla a condução dos interesses federados no sentido de optimizar o funcionamento da respectiva organização composta” (ibidem, p. 25).

Ainda assim, admitimos que a tendência nas federações da actualidade é aquela da progressiva substituição da rigidez da repartição competencial constitucionalmente consagrada pela flexibilidade da cooperação intergovernamental: eis a vitória da dimensão procedimental ou preponderantemente política da repartição de encargos e responsabilidades, que incorpora elementos transnacionais/cooperativos na repactuação do exercício competencial, sem eu com isso resulte comprometida a organização constitucional dos poderes públicos nos Estados compostos. Ou seja, a condução das políticas públicas nem sempre coincide com a repartição competencial ou com as demarcações em que actuam os entes políticos num sistema federativo – e para isso a teoria sistêmica9 tem efectivamente explicação. Isto demonstra que também numa perspectiva normativa –, a cooperação intergovernamental se revela inevitável à subsistência dos sistemas federativos (SILVEIRA, 2007, p. 443).

Internacionalmente, a existência do Estado federado traz uma possibilidade de negociação que implicitamente demonstra a pluralidade na estrutura interna do país. Demonstra a capacidade do Estado em governar com a presença da população na tomada de decisões (BERNARDES, 2010).

No caso do direito brasileiro:

A Carta da República prevê, no parágrafo único do art. 23, a edição de leis complementares federais, para disciplinar a cooperação entre os entes tendo em vista a realização desses objetivos comuns. A óbvia finalidade é evitar choques e dispersão de recursos e esforços, coordenando-se as ações das pessoas políticas, com vistas à obtenção de resultados mais satisfatórios.

Se a regra é a cooperação entre União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, pode também ocorrer conflito entre esses entes, no instante de desempenharem as atribuições comuns. Se o critério da colaboração não vingar, há de se cogitar do critério de preponderância de interesses. Mesmo não havendo

8 Recomenda-se a leitura, para o aprofundamento da maneira de como a cooperação é trabalhada dos artigos Políticas de acesso à justiça: mediação, de Magda de Lima Lúcio e Sávia Maria Leite Rodrigues Gonçalves, e Litigiosidade e Impacto na Gestão Pública – A mediação como instrumento de gestão – A

experiência da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, de Meire Lúcia Gomes

Monteiro Mota Coelho e Magda de Lima Lúcio.

9 Neste sentido: “O desenvolvimento constitucional toma hoje em consideração o arranjo das novas

formas organizativas e as novas soluções para os problemas nascidos nos distintos subsistemas. Ou seja, a

teoria da constituição tem de lidar com problemas de complexidade sistêmica, adaptabilidade, auto-

organização – e estar atenta a tudo que sejam contributos tendentes a complementar as suas funções clássicas.

Só assim o idealismo do direito constitucional consegue recuperar o contacto com a realidade que pretende conformar” (SILVEIRA, 2007, p. 434).

hierarquia entre os entes que compõem a Federação, pode-se falar em hierarquia de interesses, em que os mais amplos (da União) devem proferir aos mais restritos (dos Estados) (MENDES, BRANCO, 2015, p. 840).

Continua a autora:

A cooperação intergovernamental aponta para a resolução pactuada de uma problemática que respeite a dois ou mais entes políticos num Estado composto. Neste caso a cooperação atende aos imperativos de discursividade e participação que legitimam os projectos compostos. Aqui as técnicas cooperativas evitam a unidimensionalidade porque promovem a participação dos entes periféricos nos processos decisórios centrais que os afectam ou interessam – e noutra medida também patrocinam a harmonização das vontades parcelares a partir a intervenção homogeneizadora do poder central. A cooperação intergovernamental ainda atende a imperativos de eficiência naquelas situações em que as componentes sistêmicas resolvam gerir interesses e competências concertadamente, através da prestação conjunta de serviços às populações. Sucintamente, a cooperação intergovernamental (numa perspectiva procedimental) serve à resolução pactuada de controvérsias competenciais, à criação de procedimentos de participação global destes entes periféricos nos processos decisórios centrais, à prossecução de soluções concertadas para a gestão de interesses e competências comuns, à instituição de órgãos mistos apara a gestão e prestação de serviços. Ou seja, através de instrumentos cooperativos o poder central e os periféricos (ou estes entre si) assumem voluntariamente compromisso relativos ao exercício de suas respectivas competências: compromissos de planificação conjunta de certas actividades administrativas, compromissos de actuação conjunta em certas obras e serviços, compromissos de delegação de funções entre as partes, compromisso voltados à elaboração de certas normas jurídicas, etc (ibidem, p. 454-455).

A ideia introduzida por Silveira de cooperação como compromisso constitucional se entrelaça com a ideia de cooperação trazida por Sennett, já que a relação e a articulação federativa e intergovernamental são estabelecidas como “trocas frouxas e não rígidas” (SENNETT, 2012, p. 69).

Completando este posicionamento, para Vazques (2015), a ideia de cooperação dentro do federalismo se dá pela falta de competitividade das esferas de governo na arrecadação e na prestação de serviços.

Preservação da ideia de cooperação não é só fundamental para o bom funcionamento do arranjo federativo, mas também para uma nova proposta democrática.

Neste diapasão, entrelaça-se a ideia da participação como elemento constitutivo dos arranjos federativos que prezam por democracias mais consolidadas. Papadopoulos e Warin (2007) colocam que a possibilidade de funcionamento de novas abordagens de participação de deve à aproximação da ideia de cooperação, de solidariedade de ajuda mútua.

Por décadas, a crise da confiança no conhecimento profissional, bem como o desejo de resolver conflitos ambientais sem ação judicial, gerou uma série de métodos inspirados em políticas top-down, visando envolver uma ampla diversidade de atores

na elaboração de políticas desde o primeiro momento possível, com base em uma racionalidade de ganho mútuo10 (Ibidem, p. 447).

De par da teoria firmada sobre o federalismo em escala global, foca-se na construção do Brasil como Estado federado democrático de direito, perpassando pela constituição histórica do país, até a importância constitucional estabelecida na última Constituição Federal brasileira, de 1988. O breve relato histórico mundial e a explicação das principais características dos modelos federados apresentados facilitam a compreensão do federalismo brasileiro, tanto de sua história como de sua concepção atual.