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A evolução do Sistema de Saúde Brasileiro a partir das Conferências Nacionais

3 O PODER QUE EMANA DO POVO: INTRUMENTOS, PARTICIPAÇÃO E

4.1 O direito à saúde no Brasil: uma perspectiva histórica

4.1.1 A evolução do Sistema de Saúde Brasileiro a partir das Conferências Nacionais

e 200.

Neste contexto, é inegável a forca de constituição das diretrizes das políticas de saúde que foram elaboradas a partir das Conferências Nacionais de Saúde. Ao longo do século XX, e ainda se perpetuando pelo século XXI, as CNSs desempenham papel fundamental na construção deste SUS concebido como democrático, participativo e descentralizado.

4.1.1 A evolução do Sistema de Saúde Brasileiro a partir das Conferências Nacionais de Saúde

Como visto, a construção do SUS foi gradual fruto das lutas dos movimentos sociais que impulsionaram a história política brasileira. Neste interim, as Conferências Nacionais de Saúde se apresentam como a primeira medida institucionalizada para discussão colaborativa e participativa das diretrizes de saúde brasileiras. Por isso, intenta-se demonstrar o histórico do Sistema de Saúde brasileiro a partir da análise dos relatórios finais obtidos ao fim das CNSs ao longo do tempo.

Em 1937 foram instituídas as Conferências Nacionais de Educação e Saúde, por intermédio da Lei nº 378/37 – que reorganizou o Ministério da Educação e da Saúde Pública (MES) –, como forma do governo federal, na ocasião comandado por Getúlio Vargas, tomar ciência das ações promovidas pelos estados nestas áreas. A acessibilidade dessa conferência era só permitida aos órgãos governamentais e sua previsão era de encontros bianuais. Assim, a 1a CNS foi realizada em 1941, organizada pelo MES. Já a 2a CNS, que não possui registro

de relatório final, realizada no final do governo de Eurico Gaspar Dutra, em 1950, teve como objetivo “analisar ‘Pontos de vista dominantes entre os Sanitaristas’, pretendia construir uma compreensão sobre os problemas sanitários compartilhada entre os gestores estaduais e os do nível federal” (BRASIL, 2009b, p. 12-13). Em 1953 ocorre a separação do MES, com a criação do Ministério da Saúde e a instauração da Lei nº 2.312/54, que dispunha sobre diretrizes da política sanitária e culminou, em 1961, no Código Nacional de Saúde. A 3a

CNS, de 1963, trouxe uma leve ampliação de seus atores: governantes, das esferas federal, estadual e territorial, poderiam ser acompanhados de assessores técnicos. A temática versava sobre a análise das condições sanitárias locais e da reorganização do sistema de saúde, já pautando perspectiva de descentralização das competências das esferas de governo trazendo perspectivas da construção de um plano nacional de saúde. Com o golpe militar, dado no

ano seguinte, as deliberações não foram acatadas, mas incentivou o debate de diversos setores na década de 1970. As Conferências realizadas no período do regime militar retomaram os aspectos técnicos das reuniões, com a participação de especialistas e de membros do Ministério da Saúde, do Ministério da Previdência Social e Assistência Social (MPAS), dos estados e dos territórios. A 4a CNS de 1967 debateu os recursos humanos para

a área de saúde, e contou com um painel internacional que teve a presença da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). A 5a CNS, de 1975, abrangeu cinco temas centrais,

destacando-se a criação de um Sistema Nacional de Saúde (Lei nº 6.229/75); a implementação de programas de saúde com públicos específicos e a criação de do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica. Compunham a Conferência, além das autoridades e dos técnicos, membros do Conselho de Desenvolvimento Social, com representação dos ministérios atuantes na área social e dos de Planejamento e Fazenda. A 6a CNS, realizada

em 1977, teve como tema a “avaliação e a análise de estratégias de implantação de programas governamentais” (Ibidem, p. 14). Retomou o debate sobre a construção de uma política nacional de saúde e trouxe à tona as demandas sociais que cobravam a democratização nos processos decisórios. A 7a Conferência, de 1980, debateu a extensão das

ações de saúde através dos serviços básicos, com o principal debate a implementação de um Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (Prev-Saúde), possibilitando a discussão de um sistema de saúde amplo e que pudesse ter cobertura universal. Destaca-se que uma das conclusões apresentadas no relatório final incita a inclusão de representantes da população (usuários do sistema) nas CNS (BRASIL, 2009b; BRASIL, 1941; CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1975; CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1977; CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE; 1980).

A 7a Conferência Nacional de Saúde, ultima das realizadas durante o regime militar, ainda que nos mesmo moldes das anteriores, já anunciava a necessidade de mudanças tanto no sistema de saúde quanto nas conferências de saúde, que só viriam a se concretizar após o início do processo de redemocratização do país. O sistema de saúde centralizado, fragmentado institucionalmente, com permanente descontinuidade administrativa, verticalizado e excludente que se havia consolidado nas décadas anteriores não respondia às necessidades expressas por amplos setores da sociedade e o processo decisório fechado no espaço governamental era fortemente contestado pelo movimento social que se organizara em torno do setor” (BRASIL, 2009b, p. 15).

O presidente da Comissão Organizadora da 8a CNS foi Sergio Arouca, um dos líderes

do Movimento de Reforma Sanitária. Realizada em 1986, tinha três eixos temáticos: saúde como direito; reformulação do SNS; e financiamento da área. Pré-constituinte, relatou como

vontade, com texto bem semelhante ao texto constitucional por vir, o estabelecimento da saúde como direito e de um Sistema Único de Saúde, pautado, sob o aspecto organizacional, na descentralização da gestão, na regionalização e hierarquização das unidades prestadoras de serviços, o destaque do papel do município e a participação da população. A 9a CNS,

realizada em 1992, primeira pós CF/88 e pós Lei nº 8.142/90, teve como tema “municipalização a caminho”, com 253 deliberações e recomendações, ressaltando a necessidade, e vontade, de descentralização da gestão, evidenciando o papel protagonizado pelos Municípios, o fortalecimento das conferências Estaduais e Municipais e de outros mecanismos de participação do SUS e o pedido de extinção do INAMPS (Instituto de Assistência Médica da Previdência Social), que aconteceu no ano posterior à Conferência. Em 1996 ocorre a 10a CNS, com seis eixos temáticos, que gerou 362 resoluções. A 11a CNS,

de 2000, teve como tema central “acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde com controle social, gerando 296 proposições. A 12a CNS, realizada em 2003, com o tema “saúde

direito de todos e dever do Estado, o SUS que temos e o SUS que queremos”, gerou 723 diretrizes acerca dos dez subtemas discutidos e contou com 3.100 conferências municipais e 27 estaduais preparatórias à etapa nacional. A 13a CNS, de 2007, precedida por 4.413

conferencias municipais e 27 estaduais, teve como tema “saúde e qualidade de vida: políticas de estado e desenvolvimento”, com três eixos temáticos, gerando 691 resoluções e 157 moções. A 14a CNS, ocorrida em 2011, teve o tema “Todos usam o SUS! SUS na Seguridade

Social, Política Pública e Patrimônio do Povo Brasileiro”, precedida por 4.374 conferências municipais e 27 estaduais, com 343 propostas aprovadas. A 15a CNS ocorreu em novembro

de 2015 e teve como tema “Saúde Pública de Qualidade para cuidar Bem das Pessoas”, porém ainda não disponibilizou o seu relatório final (BRASIL, 2009b; CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1986; CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1992; CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1998; BRASIL, 2012; BRASIL, 2008; BRASIL, 2004; BRASIL, 2001).

Quadro 3 - As Conferências Nacionais de Saúde e seus temas

Confe- rência

Ano Temas

1a 1941 1. Organização sanitária estadual e municipal.

2. Ampliação e sistematização das campanhas nacionais contra a lepra e a tuberculose. 3. Determinação das medidas para desenvolvimento dos serviços básicos de saneamento. 2a 1950 Legislação referente à higiene e segurança do trabalho.

3a 1963 1. Situação sanitária da população brasileira.

2. Distribuição e coordenação das atividades médico-sanitárias nos níveis federal, estadual e municipal.

3. Municipalização dos serviços de saúde. 4. Fixação de um plano nacional de saúde. 4a 1967 Recursos humanos para as atividades de saúde. 5a 1975 1. Implementação do Sistema Nacional de Saúde

2. Programa de Saúde Materno-Infantil.

3. Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica. 4. Programa de Controle das Grandes Endemias.

5. Programa de Extensão das Ações de Saúde às Populações Rurais. 6a 1977 1. Situação atual do controle das grandes endemias.

2. Operacionalização dos novos diplomas legais básicos aprovados pelo governo nacional em matéria de saúde.

3. Interiorização dos serviços de saúde. 4. Política Nacional de Saúde.

7a 1980 Extensão das ações de saúde através dos serviços básicos. 8a 1986 1. Saúde como direito.

2. Reformulação do Sistema Nacional de Saúde.

3. Financiamento do setor.

9a 1992 Tema central: Municipalização é o caminho. Temas específicos: 1. Sociedade, governo e saúde.

2. Implantações do SUS.

1. Controle social.

2. Outras deliberações e recomendações.

10a 1996 1. Saúde, cidadania e políticas públicas.

2. Gestão e organização dos serviços de saúde. 3. Controle social na saúde. 4. Financiamento da saúde. 5. Recursos humanos para a saúde. 6. Atenção integral à saúde.

11a 2000 Tema central: Efetivando o SUS – Acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde com controle social.

1. Controle social.

2. Financiamento da atenção à saúde no Brasil.

3. Modelo assistencial e de gestão para garantir acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde, com controle social.

4. Recursos humanos.

5. Políticas de informação, Educação e Comunicação (IEC) no SUS.

12a 2003 Tema central: Saúde direito de todos e dever do Estado, o SUS que temos e o SUS que queremos. Eixos temáticos:

1. Direito à saúde.

2. A Seguridade Social e a saúde.

3. A intersetorialidade das ações de saúde. 4. As três esferas de governo e a construção do SUS.

5. A organização da atenção à saúde.

6. Controle social e gestão participativa. 7. O trabalho na saúde.

8. Ciência e tecnologia e a saúde. 9. O financiamento da saúde.

10. Comunicação e informação em saúde.

13a 2007 Tema central: Saúde e qualidade de vida, políticas de estado e desenvolvimento. Eixos temáticos:

1. Desafios para a efetivação do direito humano à saúde no Século XXI: Estado, sociedade e padrões de desenvolvimento.

2. Políticas públicas para a saúde e qualidade de vida: o SUS na Seguridade Social e o pacto pela saúde.

3. A participação da sociedade na efetivação do direito humano à saúde. 14a 2011 Tema Central: Todos usam o SUS! SUS na Seguridade Social, Política Pública e

Patrimônio do Povo Brasileiro.

1. Em defesa do SUS – pelo direito à saúde e à seguridade social.

2. Gestão participativa e controle social sobre o Estado: ampliar e consolidar o modelo democrático de governo do SUS.

3. Vinte anos de subfinanciamento: lutar pelo recurso necessário para o SUS.

4. O sistema único de saúde é único. Mas as políticas governamentais não o são: garantir gestão unificada e coerente do SUS com base na construção de redes integrais e regionais de saúde.

5. Gestão pública para a saúde pública. 6. Por uma política nacional que valorize os trabalhadores de saúde.

7. Em defesa da vida: assegurar acesso e atenção mediante expansão, qualificação e humanização da rede de serviços.

8. Ampliar e fortalecer a rede de atenção básica (primária): todas as famílias, todas as pessoas, devem ter assegurado o direito a uma equipe de saúde da família.

9. Por uma sociedade em defesa da vida e da sustentabilidade do planeta: ampliar e fortalecer políticas sociais, projetos intersetoriais e a consolidação da vigilância e da promoção à saúde. 10. Ampliar e qualificar a atenção especializada, de urgência e hospitalar integradas às redes de atenção integral. 11. Por um sistema que respeite diferenças e necessidades específicas de regiões e populações vulneráveis. 12. Construir política de informação e comunicação que assegure gestão participativa e eficaz ao SUS.

13. Consolidar e ampliar as políticas e estratégias para saúde mental, deficiência e dependência química. 14. Integrar e ampliar políticas e estratégias para assegurar atenção e vigilância à saúde do trabalhador. 15. Ressarcimento ao SUS pelo atendimento a clientes de planos de saúde privados, tendo o cartão SUS como estratégia para a sua efetivação, e proibir o uso exclusivo de leitos públicos por esses(as) usuários(as). 15a 2015 Saúde Pública de Qualidade para Cuidar Bem das Pessoas.

Eixo: Direito do Povo Brasileiro.

FONTE: BRASIL, 2009b, p. 16/22; BRASIL, 2012. Adaptado e parcialmente elaborado pela autora22. As Conferências Nacionais de Saúde representam um passo importante para a construção de um modelo de prestação de serviços de saúde democrático e cada vez mais participativo.

A partir do quadro supra colocado, é possível identificar que os temas foram ficando cada vez mais diversos, e que a preocupação com a forma descentralizada de gestão do SUS e a participação foram tomando protagonismo nas discussões. Por quase metade destas conferências, o acesso à população foi restrito, e ampliado de forma gradual a técnicos, profissionais e usuários.

22 A tabela base foi retirada do trabalho elaborado pelo CONASS (BRASIL, 2009b). Entretanto, como o documento data de 2009, o restante foi elaborado pela autora.

Se no primeiro momento, tentou-se criar políticas que integrassem uma forma de combate às epidemias que se alastravam no território brasileiro, entendendo, também, a capacidade sanitária dos Estados-membros, as novas Conferências se pautaram na discussão de caminhos para se efetivar a integralidade de saúde, guiando-se pela qualidade das políticas de saúde, e de ampliação dos espaços de participação e de gerenciamento da descentralização da saúde.

É possível perceber a abertura democrática e a importância desses espaços de participação dentro das políticas da saúde e como foi estabelecida de forma gradual. Neste contexto, é inegável que a 8a CNS foi um ponto de inflexão para a construção do SUS, com

viés democrático, como pode ser visualizado no quadro de análise anexado neste trabalho (ANEXO I).

As discussões estabelecidas nas Conferências refletem na construção da rede de saúde que ainda se aperfeiçoa para a manutenção dos SUS pautado na descentralização e na participação.

4.2 A atual estrutura do SUS: a descentralização e a participação como elementos