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A herança histórica brasileira, que já traz os primórdios da municipalidade, e, por conseguinte, do poder regional, remonta ao período colonial brasileiro a e existência das capitanias hereditárias, onde “o universo local foi essencialmente dominado pelas oligarquias, pela escravidão e pelo grande latifúndio” (FONSECA, 2007, p. 246). “A adoção do Federalismo no Brasil foi obra de uma manobra política que tinha como principal intuito favorecer as oligarquias agrárias que perdiam seu poderio econômico em vistas da queda do modo de produção agrário e a sucessiva migração do povo para as cidades” (SANTOS, ANDRADE, 2012, p. 23). Neste mesmo sentido, continuam Santos e Andrade (2012, p. 08) que “A primeira organização político-administrativa brasileira, as capitanias hereditárias, possuíam um caráter desconexo e desprovido de uma sistematização organizatória que fosse manifestação de uma consciência provincial e nacional”.

Durante a história política do país, marcada por períodos alternados de centralização e descentralização, o Município representa o poder regional e local, às vezes marcado por coronelismo e exaltação das elites políticas locais (BERNARDES, 2010).

Durante a colonização, a Coroa exercia o papel de poder central, que exercia influência no território colonizado, mantendo essa estrutura até o século XIX. O poder oligárquico local perdeu força com o Estado Novo de Vargas (1937) e com o grande movimento migratório do interior para as grandes cidades e parques industriais. O

10 Tradução nossa. No original: For decades, the crisis of confidence in professional knowledge as well as the wish to solve environmental conflicts without court action has spawned a number of rather top-down inspired methods aimed at involving a wide diversity of actors in policy making from the earliest possible stage on the basis of a win-win rationale.

centralismo imposto – limitando as capacidades estaduais e municipais, tanto politicamente como institucionalmente –, só é revogado após a redemocratização (FONSECA, 2007).

Diferentemente do que aconteceu com o processo de formação dos EUA, de baixo para cima, exaltando o papel da comunidade na formação do Estado, mas de forma similar ao processo de formação federativa da Espanha, a federação brasileira se deu por segregação, fragmentando o Estado antes unitário no período imperial. Esse processo de formação pode ser indicativo da dificuldade dos cidadãos perante o Estado em promover e reconhecer as instituições que promovem a participação social. Em contrapartida à instituição do federalismo, Dom Pedro I instaurou no texto constitucional o Poder Moderador, controlando os acontecimentos da vida política nacional. Neste primeiro momento o federalismo brasileiro apresenta fortes características federalistas liberais. O comando central forte expressou a homogeneidade dada aos fatores políticos, sociais e culturais do crescente território, dando grande expressão aos interesses da elite (BERNARDES, 2010; FONSECA, 2007; ROCHA, 2013).

Silveira (2007, p. 43) coloca que “até a Independência em 1822, o Brasil não passava da justaposição de unidades política, administrativa, económica e culturalmente estanques, sem comunicação interna ou outra sujeição comum que não o governo d’El Rei”.

A Constituição outorgada em 1824 instituiu um Estado unitário porque ainda não se concebia uma monarquia federal – mas também porque o Imperador temia que a autonomia política das Províncias, nas circunstâncias civilizatórias em que se encontrava o Brasil, significasse a entrega do poder à tirania dos interesses provados dos grandes proprietários de terra, face a uma população inerme pouco letrada e com reduzida consciência política (SILVEIRA, 2007, p. 44).

Entretanto, este forte centralismo foi aos poucos se desfazendo, a partir do Ato Adicional de 1834, que pregava uma descentralização administrativa. “A grande inovação trazida pelo Ato Adicional era a transformação dos Conselhos Gerais, de caráter unicamente administrativo, em Assembleias Legislativas Provinciais, com competência para legislar sobre assuntos respectivos as províncias” (SANTOS, ANDRADE, 2012, p. 10).

No período colonial brasileiro, a forma de organização do Estado já se mostra peculiar. Diferentemente do que ocorreu na formação do município no Império Romano e do município português, que se formaram por iniciativa e vontade popular, o primeiro conselho, uma reunião de Vereadores, foi instituído na Vila de São Vicente, primeira no território, a pedido da coroa portuguesa como forma de colonizar a região. Em 1534, são

instauradas as capitanias hereditárias, de acordo com a vontade lusitana, que logo fracassaram, abrindo espaço para a criação do governo geral (BRAGA, 2008).

Já no período compreendido entre a Constituição de 1891`e a primeira a adotar a forma republicana se reveste de características de federalismo dual. A centralização marcante dos períodos coloniais e imperiais reforçam a vontade de homogeneizar aspectos políticos sociais e culturais de um território vasto e diversos, aclamando a vontade das elites (BERNARDES, 2010). Santos e Andrade afirmam que “A Constituição de 1891 possuía tríplice apelo ideológico: o liberalismo inglês, a democracia francesa e o federalismo americano” (SANTOS, ANDRADE, 2012, p. 12).

No Brasil, o federalismo cooperativo é implementado constitucionalmente em 193411. A implementação do federalismo cooperativo no país vem como uma reinvindicação

dos Estados mais pobres para atenuar as disparidades com os Estados mais ricos e desenvolvidos em um período posterior à política do café com leite, que beneficiava os Estados ricos da região sudeste na República Velha. Também, a crise do Welfare State e a ruptura democrática de 1964 acabam com a cooperação como modelo federalista (BERNARDES, 2010; CHAGAS, 2006).

O regime autoritário mantém, ao longo da sua vigência, uma estruturação federal formal, mesmo que na prática funcione como um sistema unitário. Isso significa que, quando se inicia o processo de democratização, os estados e os municípios brasileiros estão constituídos formalmente, com elites políticas formadas e atuantes, apesar de constrangidos em sua autonomia. Assim, o processo de democratização brasileiro é caracterizado, em certo aspecto, por uma disputa de poder negociada dessas unidades territoriais com o poder central, em bases menos conflituosas que o caso espanhol (ROCHA, 2013, p. 34).

É inegável que durante o período da ditadura militar reinou no país um federalismo de fachada, onde as estruturas foram mantidas, mas sem seu propósito inicial de autonomia

11 Compartilha-se, opostamente às ideias introduzidas neste parágrafo, o pensamento de Silveira: “Por conta dessas disposições normativas há quem sustente que a Constituição de 1934 teria promovido a transição de federalismo dual (marcado pela não-interferência decisória entre as distintas esferas de poder) para o federalismo cooperativo (marcado pela partilha decisória). Não podemos acolher integralmente tal entendimento doutrinário. Primeiro porque é duvidoso que o chamado federalismo dual, geneticamente atrelado à doutrina da dupla soberania, tenha alguma vez existido: é que a obra governativa nos Estados compostos não se processa através de compartimentos estanques, antes resulta da interacção dinâmica das diversas componentes, que são irremediavelmente afectadas pelas decisões alheias. Ou seja, não há federação de Estados independentes, assim como não há federalismo cooperativo que não seja essencialmente cooperativo – por isso a expressão federalismo cooperativo é redundante. Segundo porque nos parece redutor e equívoco sobrevalorizar a dimensão financeira da cooperação intergovernamental: ainda que na Constituição de 1934 a concessão de subsídios tenha ultrapassado a mera hipótese de calamidade pública (como dispunha o art. 5.º da Constituição, de 1891), daqui não decorre qualquer salto qualitativo em termos de partnership ou de gestão conjunta de interesses e serviços comuns” (SILVEIRA, 2007, p. 67-68).

entre os entes federados. Findo o regime militar, e do início da terceira onde democrática brasileira, a introdução de uma nova ordem constitucional possibilitou repensar o modelo democrático brasileiro, no sentido de se repensar a estrutura federalista que foi empregada e o modelo de gestão que os constituintes tinham em mente em virtude da elaboração da Constituição Cidadã.