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É possível identificar dois modelos federalistas distintos, ambos no Estado nacional: o federalismo dual, característico do Estado liberal, e o federalismo cooperativo, comum no Estado social.

É mister explanar que não deve haver confusão entre federalismo dual e a característica dual do federalismo. Federalismo pressupõe a existência de, no mínimo, duas esferas de poder concêntricas distintas: um poder local e um poder central. Ou seja, normas para todo o território e normas para parte dele.

No Estado liberal, há a preponderância do poder legislativo enquanto que o poder executivo se sobressai no Estado Social. O federalismo dual tem como pioneiro o modelo

A second—universalist—rationale came from the pen of the German philosopher Kant. In his ‘Perpetual Peace—A Philosophical Sketch’, Kant argued that the very idea of international law could only be achieved on the basis of a Federal Union of sovereign States. For Kant, international society had remained in a state of nature. And the only solution to this sorry state of affairs was that ‘peace must be formally instituted’ on the basis of a federal treaty. The second definitive article of such a treaty was entitled ‘[t]he Right of Nations shall be based on a Federation of Free States’” (SCHÜTZE, 2009, p. 20-21).

estadunidense, sustentando as bases do Estado liberal e do Estado nacional. Objetiva a conservação das identidades dos Estados Membros que se unem (CHAGAS, 2006; BERNARDES, 2010).

A diferença entre os modelos dual e cooperativo, em relação aos Estados-membros e a União pode ser visualizada na figura a seguir:

Figura 2 - A relação entre União e Estados no Federalismo Dual e no Federalismo Cooperativo

Fonte: SCHÜTZE, 2009, p. 5.

Ambos arranjos se baseiam na concepção do governo dualístico, mas se diferem em como a esfera federal e a esfera estadual se relacionam entre si.

Federalismo dual e federalismo cooperativo são, nos seguintes termos, as duas variantes básicas de organização federativa. A primeira, mais clássica, divide rigidamente as competências entre os entes federativos, cabendo a cada qual as funções expressamente dispostas no texto constitucional. A segunda variante, por outro lado, representa o modelo cooperativo, vigente ao longo de quase todo o século XX, e que faz flexibilizar esta rigidez dualista, conferindo em diversas matérias um grau de competência comum e concorrente aos níveis verticais do poder. São, pois, a atuação conjunta das partes sobre as matérias que aparentemente ensejariam uma maior justificativa à cooperação dos entes federados, tanto em nível central quanto periférico (ZIMMERMANN, 1999, p. 68).

Desde a instituição do federalismo nos Estados Unidos, outras correntes e arranjos federalistas surgiram. A seguir, propõe-se uma análise das peculiaridades dos dois principais modelos federalistas e os seus desdobramentos para a concepção contemporânea de federalismo.

2.2.1 Federalismo liberal

Fruto do movimento constitucionalista do século XVIII, o federalismo dual é característico dos Estados liberais, enquanto que o federalismo cooperativo se origina nos doutrinamentos sociais do século XIX, tendo seu auge após a Segunda Guerra Mundial. Neste, há o fortalecimento do poder central em detrimento do poder dos Estados-Membros (CHAGAS, 2006).

Essa colocação de federalismo liberal se deve à priorização da esfera individual sobre o coletivo, típico dos governos liberais e, principalmente atualmente, dos governos neoliberais.

Santos (2003) coloca que o processo de formação do Estado federado estadunidense é centrípeto, de fora para dentro, já que a força do Estado formado precede a Constituição Federal elaborada, diferentemente do que ocorreu no Brasil, formado por uma força centrífuga, de desconstrução de uma unidade para se federar.

É indiscutível a importância para a construção do modelo federalista norte-americano a obra O Federalista, de John Jay, James Madison e Alexander Hamilton. Seguindo a linha traçada por Montesquieu, os autores de O federalista enxergam na tripartição dos poderes o elemento indispensável para a perpetuação da liberdade individual e da reprimenda à tirania. Sua imponência se faz na Constituição Americana de 1787, que tenta conciliar paradigmaticamente um Estado forte com a autonomia regional. A pressão para que as ex- colônias americanas assinarem o documento foi grande, e resultou na edição das dez primeiras emendas, o Bill of Rights, de 1791, referentes a direitos individuais (BERNARDES, 2010; CHAGAS, 2006).

A diferença fundamental entre as idéias dos autores de “O Federalista” e a doutrina de Montesquieu é que este, como já visto, defendia uma sociedade de estamentos que deveria ter reflexos na organização de poderes, enquanto os primeiros sustentam que a sociedade não deveria comportar qualquer distinção social, devendo-se reconhecer a todos os indivíduos perante a lei, regime que só seria obtido pela República, enquanto governo que faz derivar seus poderes da grande massa do povo e que não admite qualquer forma de desigualdade estamental (CHAGAS, 2006, p. 114-115).

O federalismo dual se apresenta, então, como forma de organização de unidades federadas fortes e autônomas e um Estado, uma União, potente em termos de competência demarcando nitidamente duas arenas autônomas de poder, ao mesmo tempo que consolida a soberania do Estado Nacional (BERNARDES, 2010).

Um Estado apresenta características de federalismo dual quando há uma rígida separação entre o governo dos Estados-membros e o poder central. Neste modelo, os Estados-membros atuam de forma independente, não havendo interpenetrações de uma esfera governamental em outra, diversamente do que ocorre no federalismo cooperativo no qual se verifica uma forte integração entre o governo central e o governo dos Estados-membros, expressa nos números, convênios, empréstimos, subvenções e auxílios governamentais. A repartição horizontal de competências é também características desse “modelo” de federação (CHAGAS, 2006, p. 60).

No federalismo dual, existe uma ideia de funcionamento de dupla soberania, com arenas de poderes exclusivos. “O governo federal e os governos estaduais são coiguais e operam de forma independente em suas esferas separadas7” (SCHÜTZE, 2009, p. 5).

Em outro sentido, a instituição do federalismo cooperativo ocorre no contexto europeu, iniciado pela inciativa alemã de preservação do Estado de Bem Estar Social, desde o início do século XX.

2.2.2 Federalismo cooperativo

O federalismo cooperativo atua na concepção entre a União e os Estados Membros. A cooperação, neste modelo, é comandada pela União.

Representado pelo Estado federado alemão pós Constituição de Bonn, de 1949, o destaque está no Estado-Membro (Länder), com propósito de manutenção das identidades locais e da reconstrução do país, como feito no Reich de Bismark. O federalismo cooperativo não se baseia tanto na jurisprudência das cortes de direito (BERNARDES, 2010).

No federalismo cooperativo, a soberania é partilhada entre os entes, dividindo poder e atribuições (SCÜTZE, 2009).

O federalismo cooperativo democrático, por sua vez, é aquele formado no consentimento e não através da imposição. Nele, poder é estabelecido em correlação com os valores democráticos de governo, onde o cidadão pode efetivamente exercitar, em distintos graus e esferas, o seu direito fundamental de participação e controle de poder político. Através dele, inclusive, os grupos minoritários ficam mais bem protegidos, conferindo-lhes a proteção constitucional e todas as garantias da cooperação federativa (ZIMMERMANN, 1999, p. 58-59).

Desde a instituição do federalismo nos Estados Unidos, outras correntes e arranjos federalistas surgiram. O federalismo se adequou às novas realidades e a sua discussão passou

7 Tradução nossa. No original: The federal government and the State governments are co-equals and operate independently in their separate spheres.

para além da soberania nacional, como no caso da União Europeia. A partir de uma visão do federalismo brasileiro:

Nessa faceta do federalismo cooperativo, abrem-se as portas para as relações intergovernamentais, tornando os Estados-Membros os Municípios e a União participantes em conjunto e “ativos” na realização de tarefas e não atuando como compartimentos estanques. Assim, a cooperação é necessária e incentivada para fazer frente à crise econômica: dos Estados entre si, dos Estados com a União e com entidades menores. Dessa forma, há uma tendência de se criarem maiores vínculos sociais, pois todos são implicados em uma política para além das fronteiras territoriais internas. É nesse sentido que Croisat fala em cooperações horizontais (entre Estados-Membros da federação e seus possíveis arranjos internos) e cooperações verticais (baseadas na federação e nos Estados federados) (BERNARDES, 2010, p. 216-217).

A divisão entre federalismo dual e federalismo cooperativo não é mais suficiente para explicar o fenômeno da estruturação do federalismo em cada Estado que o adota. Parte-se, assim, para as novas discussões travadas acerca do federalismo.