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148 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

Figura 15 – Tecido cotidiano, Performance Nós de Nós | CAp UFPE

Performances entre contação de histórias, teatro e educação 149 Contar histórias me trouxe uma inquietação das memórias que me criam e me gostam no mundo, que imprimem as vontades de sequência de minha existência. Memoriar, ser em conjunto o que se é. Ver minha história de vida em outras vozes, com outros nomes, pulsando e brincando no espaço, num lugar que jamais pisou e que tanto me constitui como num conto, como na escola, quando sou costurada por tantas narrativas. Sinto: as histórias que não contamos, para onde vão? Vãos se abrem para elas, tanto quanto nos narram. Elas são nossos silêncios e nossos maiores gritos.

E essa sujeita, que fala e escuta, é um corpo que fala e escuta, é uma corporeidade que se ocupa de lembrar que somos carne. Em conversação e estado de pergunta, digo: quando o corpo é escrita e quando a escrita é corpo? Uma corporeidade que se pauta no que se é, delicadezas de quando se ouve algo de alguém querido, papéis anotados às pressas que pensávamos perdidos. Sinto que uma corporeidade me é, diz de mim, me narra. Corporeidades da feira de sábado com meu pai, ao comprar jambo-branco na redinha amarela, flor carinho de mãe para presenteá-la, barulheira e caminhada.

[...] quando se trata de considerar a língua a partir de sua relação com o corpo e com a subjetividade, frequentemente se apela a noções que têm a ver com a oralidade, com a boca e com a língua, com o ouvido e com a orelha, com a voz. [...] A voz é a marca da subjetividade na experiência da linguagem, também na experiência da leitura e da escrita. Na voz o que está em jogo é o sujeito que fala e que escuta [...] (LARROSA, 2014, p. 72)

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Na performance narrativa, que tem como foco narrar uma história ou colocar-se em narrativa com outras/os como nas performances que aqui propomos. Ou seja: tem-se na narrativa da palavra e do corpo, do corpopalavra e na produção destes, uma ação que se dá em conjunto. Não é possível produzir a palavra apartada do corpo ao se contar uma história, e ainda que o corpo esteja estático, esta escolha gestual, a atitude também será parte da composição da leitura a ser realizada em sua recepção. Dessa forma, quais gestos e atitudes estão presentes nas performances narrativas? São gestos naturais e espontâneos? É possível acreditar numa naturalidade? Ou assumir que há sempre significação cultural em qualquer gesto pode contribuir para as escolhas que fazemos?

O gênero performance art, que tem sua história vivida pelas/os artistas inicialmente das artes visuais e que depois se aproxima da dança e do teatro,

Face à linguagem do corpo, evoca-se o problema da legitimidade de uma análise com o objetivo de investigar o tema do corpo na arte. Se, segundo F. Rastier, chamamos comportamento ao conjunto de todos os gestos e atitudes observados ou representados a partir do corpo humano, ambos os aspectos implicam, no terreno da performance, uma metalinguagem que os toma a sua observação e os re-significa, isto é, agrega novos significados a eles. (GLUSBERG, 2005, p. 57, grifo do autor)

A essência, e acreditamos que isso seja fundamental, é que a

performance e a body art não trabalham com o corpo e sim com o discurso

do corpo. Porém, a codificação a que está submetido esse discurso é oposta às convenções tradicionais; embora parta das linguagens tradicionais ela acaba por entrar em conflito com elas. (GLUSBERG, 2005, p. 56-57, grifo do autor)

Performances entre contação de histórias, teatro e educação 151 mesmo que, na elaboração de seu pensamento no capítulo O discurso do corpo no livro A arte da performance, o argentino Jorge Glusberg (1932–2012) mais de uma vez situe as palavras teatro e dança de um modo que desconsidera os elementos contemporâneos dessas artes e também a influência da performance nessas linguagens. Ao considerar a contação de histórias como linguagem artística contemporânea, ao nomeá-la performance e especificá-la como narrativa, compreendo que há ampliação da discussão ao trazer a literatura da performance

art para o diálogo ou o atrito, numa conversa que pode ampliar os estudos na área

da contação de histórias.

No caso específico dessa pesquisa, a performance Nós de nós me situou num espaço entre a performance art e a performance narrativa, tendo como consequência essa discussão que se dá a partir dessa experiência. A experiência desta performance me trouxe elementos que me fazem pensar, escrever e discutir tanto sobre contação de histórias, quanto sobre performance art, atritando estas duas artes, atritadas em meu corpo, também habitado por educação. Um

corpopalavra multifacetado, que carrega em si a potência de instaurar diferentes

modos a partir da experiência e de ir acessando as diferentes histórias que possui, até no fato de tecer contos que as reinventem.

Assim, vibro, habito, costuro, estudo, pesquiso um corpo narrativo. Durante a performance Nós de nós, en-carnei muitas palavras em minha pele. Espiei a mim mesma em ação, meu corpo imerso em provocar narrativas. Em tudo? Tudo não cabe mais. Tudo é uma palavra sem tempo. As conversas são tantas e em narrativas outras que são de cada criatura que ouve e conta, reverbero em mim algumas palavras da pesquisadora brasileira Kátia Canton, quando propõe o conceito “narrativas enviesadas”, pensando nas transformações e nas implicações que a arte, independentemente da linguagem, vivencia em meados e final do século XX e começo do XXI, e diz

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[...] o uso do conceito de “narrativas enviesadas” para comentar uma forma particular e contemporânea de produzir arte, contar histórias. Nesse exercício de criação conceitual, busco o pensamento de Barthes, procurando aproximar-me dos sentidos instáveis, dos textos não ditos (ao menos, não inteiramente), construções fluidas. Parece-me que está justamente nas junções escorregadias e instáveis o que chamo de narrativas enviesadas, em que os artistas escapam dessa tendência fascista do texto e da obra. Sabotam, subvertem, quebram as possibilidades de um sentido narrativo único. Desestabilizam nossas compreensões da vida e injetam sutilezas, incertezas, sons que se recombinam e formam camadas, ainda que se estranhem mutuamente. Os sentidos, na obra dos artistas contemporâneos, não estão prontos, mas se configuram no acontecimento, isto é, na construção das múltiplas relações que acontecem entre a obra e o observador. (CANTON, 2014, p. 90)

As camadas que brincam o corpo da narratriz, que da contação de histórias, do teatro, da performance e da educação se vê híbrida, contemporânea, em seus rituais, em suas potenciais sutilezas e incertezas, vai se enviesando, instabelecendo, costurando, buscando em fluidez de cores, dando nós em nós. São vozes, brincadeiras, corporeidades, suspeitas, algumas narrativas de si para narrar o mundo, afetar e ser afetada. Há uma escrita poética habitada em um corpo narrativo neste corpopalavra aqui bordado. Uma narratriz perseguindo palavras que possam dizer e não dizer este ofício. Sigo narrando histórias ativadas pela memória afetiva, por exercícios de troca artística, pelo mover-se para contar-se e vou engendrando conceitos e ideias para pensar sobre performance narrativa, o que implica percepções éticas, estéticas e filosóficas, especificamente a partir da existência corporal, encarnada.

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Figura 16 – Performance Nós de Nós | CAp UFPE

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Olhar. Em cada ser presente, se olhar. Na foto, aparece Marquinhos (Marcus Rodrigues), professor efetivo de Teatro do CAp UFPE há quase 10 anos. Com ele, posso dar nós em conjunto, me dilatar na narrativa de constituir um espaçotempo teatral com Escola. Com ele, jogo, tramo, contesto, subverto, experiencio, codifico e abraço. Danço. Sou espelho. Espelhar. Espolhar Expolhar Expor Expur Expurgar (Rápido, em fuga: essa palavra demente que demora flamejando e sai em grito em dose rasgada e profunda.) Essa palavra bebida em prosa e poesia, em mito, em substância. A sorte de estar e ser testemunha deste mundo, neste corpo, com outros corpos, em relação. Perdida no meio, trânsita. Com acento. O texto a ser produzido no atrito de língua, boca, saliva, sal, cuspe, mucosa. A íntima organicidade da lágrima que chega até a boca. Da frase formada no instante julgado:

O corpopalavra sendo parido em mim. No ventre da boca. Partida.

Partejada. A contadora de histórias é uma parteira, uma doula da palavra. Abro o corpo, escamo a pele, ouço as palavras para narrar. Sou eu que escuto o

que é narrado. Sou eu que narro o que é escutado. Quais palavras são ditas

na ação de quem se põe em conjunto na performance? Ao contar uma história

Podemos ir mais longe e perguntar se a relação entre o narrador e sua matéria — a vida humana — não seria ela própria uma relação artesanal. Não seria sua tarefa trabalhar a matéria-prima da experiência — a sua e a dos outros — transformando-a num produto sólido, útil e único? Talvez se tenha uma noção mais clara desse processo através do provérbio, concebido como uma espécie de ideograma de uma narrativa. Podemos dizer que os provérbios são ruínas de antigas narrativas, nas quais a moral da história abraça um acontecimento como a hera abraça um muro. (BENJAMIN, 1994, p. 221)

Performances entre contação de histórias, teatro e educação 155 escolhemos encontrar outras histórias e pessoas, que histórias delas nós estamos sendo? Que escuta podemos ativar? A cada palavra dita, comedida, afetada, sussurrada, tempestuosa, marejada, provocada, risível, comestível, lambuzada, vívida. Com que voz acessamos os seres que nos ouvem? Desejo que seja uma voz coletiva, habitada por verdades. Que verdades?

A contar o que conta. Uma contadora de histórias conta o que conta a partir de suas experiências de vida, entrelaçadas as experiências das pessoas que compõem com ela o acontecimento narrativo. Que verbos soltos no espaçotempo são colhidos no ato de narrar? E como são pronunciados? Na performance Nós de

nós, as linhas, a cesta, a costura que se deu no espaço, a pergunta realizada foi

elaborando na própria ação uma narrativa que comunicava a quem chegava ali o que estava acontecendo, permitindo múltiplas e diferentes leituras das pessoas e a escolha por implicar-se ali ou não.

Lembro de uma performance realizada no evento prévio do Reperformar o

É verdadeiro o que não mente, o que está presente no que se diz, o que sustenta o que diz com sua voz, com seu corpo, com essa particular aventura intelectual que o levou a ler o que lê, a escrever o que escreve, a dizer o que diz, a pensar o que pensa. (LARROSA, 2014, p. 172)

E cada palavra que não foi dita, ou ação que não foi feita, também compõem sentidos no que se diz ou que se pensa com o corpo: o discurso que alguém me faz sobre o mundo (qualquer que seja o aspecto do mundo de que ele me fala) constitui para mim um corpo a corpo com o mundo (ZUMTHOR, 2014, p. 75).

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afeto20, organizado pela professora Naira Ciotti. Fui contar histórias para um grupo

de professores, numa formação que também contaria com uma fala da professora Naira e da professora Karyne Coutinho, respectivamente sobre performance e sobre educação. Narro de maneira simples, mas que se evidencie a complexidade posta nestas duas palavras. Eu faria a narração ao final das duas falas. Mas senti que deveria fazer logo após a fala da professora Naira. Desse momento, ficou um nó em mim de uma mulher, que quando me ouviu falar da relação com escola, de como foi a minha relação no espaço escolar quando era pequena e o que me levava até ali agora como artista/educadora, como professora-performer.

A mulher perguntou se podia contar sua história. Trocamos de lugar quando ela levantou. Sentei na cadeira dela e ela se deslocou pelo espaço, narrando como se constituiu professora. (Escuto as risadas das outras pessoas. Aquela risada prazerosa de quando há identificação). Ela contou que quando era adolescente vivia muito com a irmã que era professora e ajudava a irmã em diversos afazeres referentes a ensinar. Vou arriscar, apesar da distância, trazer a voz da mulher:

E foi aí que minha irmã naquele dia teve uma urgência fora da escola. Ela não tinha com quem deixar a turma e mandou me chamar em casa. Eu já tinha visto tanto ela fazer aquilo que fui. Fiquei lá com as crianças sendo professora. E foi assim que comecei a ensinar. Depois eu fiz curso e estou aqui, mas foi por causa do desespero da minha irmã que não tinha com quem deixar as crianças, que me tornei professora. (É claro que eu inventei acessando as minhas memórias o que ela disse. Mas a essência é esta.)

Assim, ao mover em mim essa memória, penso sobre os personagens, as 20 - O evento Reperformar o afeto é realizado pelo LabPerformance (Deart/UFRN) e coordenado pela professora Naira Ciotti. O fato narrado aconteceu nas ações prévias do Reperformar o afeto – Professores performers, no ano de 2018, na cidade de Bom Jesus-RN.

Performances entre contação de histórias, teatro e educação 157 situações, os acontecimentos, os dizeres, os sentimentos, os ensinamentos, as sabedorias, entrelaçados com o que me veste socialmente, filosoficamente, moralmente, afetivamente ao contar uma história, ao instaurar um ritual para conta-la. O que eu sou se transforma em palavra. Há uma ética e uma estética imersas em cada som produzido pela voz, evocando-as e reconhecendo-as a partir da experiência, como uma vivente do que o contar e o ouvir histórias me causa, passionando-me ao mundo e com o mundo, já que

O saber de uma narratriz é esse? É desejo que seja: “uma forma humana singular de estar no mundo” (LARROSA, 2014, p. 32) contando para si mesma e para as outras pessoas o que vê, o que sente, o que a deixa dormir, o que a amedronta, mas também costurando espaçostempos para que as outras pessoas contem. As histórias, a pesquisa das histórias ativa um regaste de humanidade na gente, para que da boca saia palavra viva, já que a história primeiro fala comigo, brinca comigo, oferta-se a mim, pela boca de outras ou pelas letras de um livro, pelo chão batido, pelo muro que cai, pela sala sem bancas, com as crianças correndo, com os lugares que visitamos em carne e osso ou em cuidado e afeto, imaginados e sonhados para partilhar. Mas tudo isso só consegue existir no encontro com as pessoas, pautando esse encontro com liberdade.

O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto com quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). (LARROSA, 2014, p. 32)

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Por isso, para atualizar a igualdade e a liberdade, é preciso interrogar permanentemente nossa relação com a linguagem: não só o que se diz ou como se diz, mas também a situação de palavra em si mesma, o modo como se conta ou se tem em conta o que cada um diz. (LARROSA, 2014, p. 166-167,

grifo meu)

Eu digo: um corpo, meu corpo produz histórias, é história, polissemiza a voz que gera palavras. Uns corpos, nossos corpos produzem histórias, são histórias, polissemizam a voz coletiva que gera palavras. Explico: as vozes que podem existir e pautar a história, as subjetividades que constituem as/os personagens, nos constituem, são as nossas ideias, conceitos e pré-conceitos que sustentam as próprias palavras a serem ditas, são todas colheitas corporais, festejos corporais, “discursos corporais”, como nos disse Glusberg (2005). Seja na escolha ou percepção de uma gestualidade ou na observação da musculatura que é ativada quando a voz é produzida, por exemplo, mas também no fato de que a substância narrativa é uma corporeidade, é um corpo, não está num corpo, mas é ele mesmo.

Ao fazer uma colheita cotidiana de instantes a serem tornados palavras, seja na observação de ações que pauto em sociedade e que está ali em meu corpo narrativo, fervo, tempero, escolho os elementos para cozinhar as histórias. E, ao servi-la, comê-la em mesa farta com as/os ouvintes, sirvo uma substância única tanto para mim quanto para quem ouve, num processo de compreensão mútua e singular:

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Falando de “compreensão”, Gadamer a entende como uma interioridade: compreender-se naquilo que se compreende. Ora, compreender-se não será surpreender-se, na ação das próprias vísceras, dos ritmos sanguíneos, com o que em nós o contato poético coloca em balanço? Todo texto poético é, nesse sentido, performativo, na medida em que aí ouvimos, e não de maneira metafórica, aquilo que ele nos diz. Percebemos a materialidade, o peso das palavras, sua estrutura acústica e as reações que elas provocam em nossos centros nervosos. Essa percepção, ela está lá. Não se acrescenta, ela está. (ZUMTHOR, 2014, p. 53)

Eu sou um corpo, existo num mundo inventado por mim e para mim. Um suspiro de quem percebe a cor do céu e deixa vir a nuvem em pele. A amplitude de elementos, do que o corpo instaura, manifesta, sente, provoca, dilui, escama, festeja, vibra, entorna. Um corpo como medida e desmedida, como espaço de existência e de cuidados, de sentir a si mesmo, espaçotempo materializado, percepção e poesia, inscrição e provocação, labirinto do encontro com outros corpos, com corpos de ouvintes, corpos em escuta. Em tempos e espaços distintos esta palavra corpo vem sendo descrita, vista, observada e sendo movimento, estrutura, osso, espasmos. Com que noção de corpo, então, estamos nos movendo quando sugerimos um corpo narrativo? Por que adjetivá-lo? Não é todo corpo uma narrativa?

Enquanto narratriz, me chegam conceitos de diferentes espaços e tempos

sobre como somos artistas da palavra, como produzimos através da voz e me parece que, por vezes, esquecemos que esta voz é corpo, faz parte de nossa corporeidade. E quando falamos de corpo também nos vêm concepções de diferentes lugares. Do oriente, ao buscar integração e totalidade, ainda que nós seres ocidentais e urbanos acessemos a partir de contextos muito distintos, já que imersos nas nossas espacialidades e temporalidades ocidentais e urbanas.

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Assim, o estudo da corporeidade, do corpo que narra e de um corpo narrativo, pode contribuir para que uma consciência de si no ato de narrar, de abertura para o que vem quando me proponho a habitar um corpo narrativo, considerando “ao menos dizer isto: de todo modo, aquilo que se perde com os media, e assim necessariamente permanecerá, é a corporeidade, o peso, o calor, o volume real do corpo, do qual a voz é apenas expansão” (ZUMTHOR, 2014, p. 19). Na composição da narratriz, escrevo a expressão, corpopalavra, corpo narrativo vivendo um corpo que percebe, presentifica, investiga e sabe que manifesta uma corporeidade todo tempo e elabora-a em performance através de uma colheita pessoal, intransponível, mas partilhável, como na performance Nós de nós, como na ação de tornar meu corpo escuta de outro corpo.

Com isso, tento me afastar de uma noção de corpo mecanicista, automatizado, infrutífero, rígido, que não se deixa reconhecer ou ativar/passivar, costurar-se, sendo ele mesmo linha, cor, suporte, tema e resultado, hibridez de encontros de cores, rasgos dos tecidos orgânicos e metafóricos, esgarçamento e movência das questões humanas que se transformam em palavras.

Performances entre contação de histórias, teatro e educação 161 Trago a voz de Paul Zumthor (1915–1995) para compor estas linhas por identificação com a forma como escreve as palavras, por me “dobrar afetivamente” e convidar a refletir sobre este corpo, com palavras que o autor compõe/decompõe em seu livro Performance, recepção e leitura (2014) ao se perguntar “o que se entende por corpo?” e ressalto que não é, como ele mesmo ressalta, um corpo “puro e abstrato, ideal” (ZUMTHOR, 2014, p. 27). É um corpo contaminado, povoado, ressoante, pedra e água, fluxo, fortaleza ou fragilidade, linha, cor, nó e nós, transitório, invadido, que intenciona se perceber ao tornar-se narrativa.

Zumthor é voz presente nos estudos sobre narração oral, a partir do conceito que elabora de performance, como, por exemplo, nos estudos de Gislayne Avelar Matos, cujas palavras também vem costurando este ensaio. Sobre performance, Zumthor (2014), compreende:

[...] é ele que eu sinto reagir, ao contato saboroso dos textos que amo; ele que vibra em mim, uma presença que chega à opressão. O corpo é o peso