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Cartografios de uma narratriz: performances entre contação de histórias, teatro e educação

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performances entre contação de histórias, teatro e educação

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação CARTOGRAfios DE UMA NARRATRIZ:

performances entre contação de histórias, teatro e educação

FERNANDA DA SILVA ARAÚJO MÉLO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS PPGArC - CURSO DE MESTRADO

Natal/RN 2020 Fo to: F er nan da M elo

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação CARTOGRAfios DE UMA NARRATRIZ:

performances entre contação de histórias, teatro e educação

FERNANDA DA SILVA ARAÚJO MÉLO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de mestra em Artes Cênicas.

Linha de Pesquisa: Práticas investigativas da cena - poéticas, estéticas e pedagogias

Orientadora: Profa. Dra. Karyne Dias Coutinho

Natal/RN 2020 Fo to: R ita C ava ssa na

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação

Mélo, Fernanda da Silva Araújo.

Cartografios de uma narratriz : performances entre contação de histórias, teatro e educação / Fernanda da Silva Araujo Melo. - 2020.

195 f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Natal, 2020.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Karyne Dias Coutinho.

1. Contação de histórias. 2. Educação. 3. Narração oral. 4. Pedagogia do teatro. 5. Performance. I. Coutinho, Karyne Dias. II. Título.

RN/UF/BS-DEART CDU 792 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Mestra em Artes Cênicas Por Fernanda da Silva Araújo Mélo

BANCA EXAMINADORA [Orientadora]

Profa. Dra. Karyne Dias Coutinho

Universidade Federal do Rio Grande do Norte [Membro interno]

Profa. Dra. Naira Ciotti

Universidade Federal do Rio Grande do Norte [Membro externo à instituição]

Profa. Dra. Luciana Hartmann Universidade de Brasília

[Membro externo à instituição]

Profa. Dra. Ana Paula Abrahamian de Souza Universidade Federal Rural de Pernambuco Natal/RN 2020 Fo to: R ita C ava ssa na

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dedico essa dissertaçao a

bisavo Francisca,

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Cantando, celebrai, oh Anciãos, A história de nossa raça.

Que me seja dado ver em minha alma O amor em todos os rostos. E todos os espíritos que vieram antes,

O poder mágico que eles adquiriram. A Tradição Sagrada que me transmitiram

Para que a memória não desapareça. Oh Contador de histórias, sede minha ponte

Para aqueles outros tempos. Para que eu possa Caminhar em Beleza

Com o ritmo antigo e a antiga rima.

Carta Contador de Histórias - As cartas do caminho sagrado (SAMS, 1993, p. 248)

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CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ Agradecer é verbo. Ação. Que não consigo desvincular da palavra abraço. Imersa em um íntimo abraço, desses que tem contato corporal intenso, com os olhos que se encontram no meio do trajeto, quero intencionar, primeiramente, que todas as pessoas do mundo possam ouvir e contar histórias. Sigo, então, com palavras de ser abraço, a quem esteve comigo nesta jornada.

Esta dissertação é uma grande parceria com Karyne Dias Coutinho, minha orientadora, a quem agradeço a autonomia dada, as conversas descontraídas, o largo sorriso, a poesia latente. A imensa generosidade e escuta neste processo e por me dar elementos concretos para ser pesquisadora, com palavras certeiras e afeto em cada desejo partilhado.

A minha mãe Janeide e a meu pai Fernando, por todo amor na criação da própria história, por cultivarem diariamente cantorias, linhas a costurar, alimento que se partilha, rede, festa e principalmente esse gosto por aprender o que quer que seja.

A minha irmã Lara e meu irmão Xande, pelas noites de risadagem

dormindo juntes, pelos silêncios cúmplices, pelas gritarias e alegrias, pelas tantas diferenças. Tenho certeza que sou quem sou por que vocês existem.

A toda minha ancestralidade, a toda minha família, agradeço evocando Vó Janete e vó Nenzinha, vô Eugênio e vô Tota. Pelos colos, pelos ensinamentos, pelos avisos de não subir no muro e me deixar subir no muro, pelos doces e bolos, pelas pamonhas, pelos forrós e principalmente pelas fogueiras em noite de São João.

A todas as minhas amigas e a todos os meus amigos por ouvirem as minhas tantas histórias sempre que eu preciso e desejo contar: Clarissa Dutra, Helô Carvalho, Jonara Medeiros, Rafa Filipe, Maria Juliana Sá, Rita Marize, Rita Cavassana, Natali Assunção, Rafa Silas (e as maravilhosas da casinha amarela Regina Medeiros e Julia Fontes, que me deram chão no momento mais difícil dessa escrita), Gustavo Soares, Darllan da Rocha, Illian Narayama, Julia Machado, Vinícius Mousinho, Adélia Oliveira, Roma Julia, Guga Bezerra, Jeff Figueirêdo, Luciano Pontes, Warley Goulart e tantas/os que preenchem meu

Agradecimentos

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação

coração e que participaram de momentos dessa escrita.

A minha bem Claudinha Dalla Nora, por partilhar histórias e sorrisos e amor e cervejitas nas horas certas.

As lentilhas Fabi Vidal e Marquinhos Rodrigues por insistirem no afeto acadêmico, por serem leitora e leitor destas palavras, em momentos preciosos e por incentivarem as minhas poesias e juntamente com a outra lentilha Dan Carvalho serem abraço forte em meu cotidiano.

A todas as contadoras e contadores de histórias que fazem dessa arte a imensidão que ela é.

A Cacau Nóbrega, pelos anos de criação conjunta na vida e na Cia. Agora Eu Era.

A turma da Afetação (PPGArC / UFRN 2018), com cada pessoa e suas histórias singulares, que fizeram das disciplinas do mestrado um espaço de poetizar e resistir: Naara, Natali, Franco, Pablo, Agah, Lia, Yasmin, Alex, Junior, Sarrasac, Márcio, José, Edceu, Elze, Daliana, Josy, Leila, René, Maria Flor e a todes mais com quem pude trocar neste tempo.

As professoras Naira Ciotti, Luciana Hartmann e Ana Paula Abrahamian pelas contribuições tecidas de forma generosa.

A Maysa, com toda sua paciência e cuidado na revisão.

A Agah Precária pelas delicadezas na formatação e design do trabalho.

A UFPE por acreditar na formação das/os professoras/es e investir em minha formação durante estes dois anos.

A todas as pessoas que fazem o Colégio de Aplicação da UFPE.

A todas as/os estudantes com quem já brinquei e a todes colegues e escolas em que pude atuar.

A todas as pessoas que já me ouviram narrar.

A todas as mulheres que resistem todos os dias.

A todas as histórias que ainda vou contar.

com afeto,

nanda

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CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

Resumo

Esta Dissertação cartografou performances como experiências de criação de uma narratriz, envolvendo na composição desta uma discussão sobre corpo narrativo, performance art e performance narrativa (contação de histórias). Entendendo meu corpopalavra como primeiro espaçotempo performático e atravessada pelos conceitos de

artista/docente de Isabel Marques

(2011; 2014) e professor-performer de Naira Ciotti (2014), compreendi o híbrido narratriz como singularidade de uma artista/educadora que pode mobilizar questões inventando espaços liminares entre a performance, a contação de histórias, o teatro e a educação. A investigação aconteceu através da vivência de performances

art provocadas pelas questões que

o universo da narração oral trouxe a minha existência, costuradas às memórias de meu percurso pessoal como contadora de histórias e a pesquisas das contadoras de histórias brasileiras Aline Cântia Miguel (2017), Ângela Café (2015), Gislayne Avelar Matos (2014; 2015), Regina

Machado (2004;2015) sobre a narração oral no mundo contemporâneo, como também da argentina Ana Padovani (2014). Foi através dessas tecituras que emergiu uma produção singular da narratriz, imbricando os fazeres artísticos da performance art com a performance narrativa num mesmo acontecimento, que também incluiu a relação entre performance e educação como disparadora de um processo de pedagogia do teatro, no texto contextualizadas com as vozes de Gilberto Icle (2017) e Mônica Bonatto (2017). Além disso, produzi discussões sobre corpo e performance, dialogando com teóricas/os como Eleonora Fabião (2008), Luciana Hartmann (2015), Paul Zumthor (2014) e Suely Rolnik (2016), entrelaçando ainda questões feministas e evidenciando a importância da produção de/ por mulheres, o que reverbera na linguagem produzida pelo corpo e nas palavras escolhidas para serem contadas, que tem ancoragem no que diz Clarissa Pinkola Estés (1998; 2018) e Márcia Tiburi (2019). Está

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação

presente no texto também o conceito de experiência em Jorge Larrosa (2014; 2018), visto a partir do lugar de uma mulher artista/educadora/ pesquisadora, que cria caminhos e elabora ref lexões sobre como toda essa tecitura pode ser geradora de uma pedagogia teatral autoral e contemporânea na escola.

Palavras-chave: narração oral, pedagogia do teatro, contação de histórias, performance, educação

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CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

Abstract

This dissertation mapped performances as experiences of creation by a narractress, gathering for its composition the discussion about the narrative body, the performance art, and the narrative performance (storytelling). Understanding my body-word as the first space-time of the act of performance, and going through the concepts of artist/teacher formulated by Isabel Marques (2011; 2014) and professor-performer by Naira Ciotti (2014), I understood the hybrid narractress as a singularity of an artist/educator who can mobilize some issues by inventing liminal spaces among performance, storytelling, theater, and education. The investigation happened through the experience of art provoked performances by the questions that the universe of oral narration brought to my existence, sewed to the memories of my personal path as a storyteller, and to the researches made by Brazilian storytellers Aline Cântia Miguel (2017), Ângela Café (2015), Gislayne Avelar Matos (2014; 2015), Regina Machado (2004;2015)

on oral narration in the contemporary world, as also by the Argentinian Ana Padovani (2014). It was through those weavings that a unique production of the narractress emerged, imbricating the artistic works of performance art with the narrative performance in the same event, which also included the relationship between performance and education as a trigger for a theater pedagogy process, in the text contextualized to the voices of Gilberto Icle (2017), and Mônica Bonatto (2017). In addition, I developed discussions about body and performance, dialoguing with theorists as Eleonora Fabião (2008), Luciana Hartmann (2015), Paul Zumthor (2014), and Suely Rolnik (2016), connecting to the feminist agenda and highlighting the importance of the production of/ by women, that reverberates in the language produced by the body, and in the words chosen to be told, which is compatible to what Clarissa Pinkola Estés (1998; 2018), and Márcia Tiburi (2019) say. The concept of experience from Jorge Larrosa (2014; 2018) is

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação

also present in the text, seen from a woman artist/educator/researcher’s perspective, who creates paths and elaborates ref lections on how all this weaving can generate an authorial and contemporary theatrical pedagogy at school.

Key-words: education, oral narration, performance, storytelling, theater pedagogy

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação

Essa dissertação foi diagramada e ilustrada por Agah Precária.

Figura 1 – Espetáculo Lili inventa o

mundo (1998) | Grupo de Teatro do Colégio Sagrado Coração - Caruaru-PE - p.59

Figura 2 – Intervenção poética Entre

flores e palavras | Sesc Santa Rita-PE - p.69

Figura 3 – Entre flores e palavras |

Confaeb Porto de Galinhas (PE) - p.70

Figura 4 – Contando a história O leão e o

ratinho | Livraria Vila 7 (PE) - p.72

Figura 5 – Espetáculo Histórias

cantadeiras | 2014 - p.77

Figura 6 – Espetáculo O mar tá pra peixe!

Cia Agora Eu Era (PE) - p.78

Figura 7 – Labirinto cartográfico - p.84 Figura 8 – Cartografia de um corpopalavra

- p.87

Figura 9 – Cartografia de um corpopalavra

- p.92

Figura 10 – Cartografia de um

corpopalavra - p.96

Figura 11 – Labirinto de um corpopalavra,

cartografia de si - p.127

Figura 12 – Costura-se. Costure a si - p.133

Figura 13 –Nós de nós, rede de afetos

- p.136

Figura 14 – Mapa narrativo, labirinto

cotidiano - p.140

Figura 15 – Tecido cotidiano,

Performance Nós de Nós | CAp UFPE - p.148

Figura 16 – Performance Nós de Nós |

CAp UFPE - p.153

Figura 17 – Nós de mim | IFPE Campus

Olinda - p.169

Figura 18 – Os fios que carrego | IFPE

Campus Olinda - p.171

Figura 19 – Performance Aos pés de

Paulo Freire, o deserto virou desejo - p.176

Figura 20 − Bordo para escutar - p.178 Figura 21 − Escutando Escola - p.182 Figura 22 – Nós de nós | Formação do

Grupo Zumbaiar - p.184

Figura 23 – Cartografia, cartograFIO.

- p.186

Lista de Figuras

Fo to: R ita C ava ssa na

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação

SUMÁRIO

ARIADNE ENTRA NO LABIRINTO ESTA DISSERTAÇÃO CONTA HISTÓRIAS UM BROCADO DAS PESQUISAS SOBRE A ARTE DE CONTAR

HISTÓRIAS ENSAIO 1 NARRATRIZ DIZ: - AGORA EU ERA

- VAMOS PERFORMAR, ESCOLA? VAMOS PERFORMAR

COM ESCOLA! ENSAIO 2 CARTOGRAFIA DE UM CORPOPALAVRA

ENSAIO 3

UMA NARRATRIZ COSTURANDO O TEMPO

OS TRÊS FIOS DA NARRATRIZ ENSAIO 4 NÓS DE NÓS: CORPOPALAVRA EM PERFORMAÇÃO CORPOPALAVRA, CORPO NARRATIVO PERFORMANCE NARRATIVA PODE SER POLÍTICA?

FIM REFERÊNCIAS 24 27 37 53 66 83 105 115 127 147 168 183 189 Fo to: R ita C ava ssa na

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24 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

Naquele dia, a jovem Ariadne escolheu a melhor espada que havia no palácio. Escondida, moveu-se por entre grandes portas, estreitos corredores, despistou aquelas pessoas que queriam ajudá-la a vestir-se ou dizer como comportar-se. Sabendo quem a esperava no labirinto, dormiu profundamente na noite anterior, com a espada embaixo de seu travesseiro, parte de todo um plano maior. Também levaria consigo linhas para marcar o caminho até encontrar o Minotauro. Quando conseguisse o que queria, voltaria pelo caminho costurado. E mostraria a cabeça de touro arrancada com sua espada e o próprio corpo envolto em linhas. Se você está se perguntando sobre Teseu, devo-lhe dar certeza de que essa aqui é outra história.

E bem na entrada do labirinto, Ariadne deixou alguns escritos pelos muros,

perto de onde amarrou forte o primeiro nó

(guarde essa informação!)

.

Transcrevo abaixo as palavras escritas no muro como um glossário. Algumas foram inventadas e todas são necessárias para quem deseje habitar este labirinto. Ah! Dizem que Ariadne também deixou por lá alguns dizeres, vozes do que viveu. (Os dizeres estarão nos parênteses em negrito, são desejos

de ir além do escrito, tentando encontrar uma sonoridade que

se faça entre nós, quase uma oralidade, que indicam ações e

pensamentos)

.

(suspiro fundo de alegria!)

Narratriz

Híbrido de narradora e atriz, que se costura em um labirinto de possibilidades, desde as experiências na/com educação que se imbricam em seu corpo ao fato de criar Escola como performer neste trabalho. É uma inventora de si, uma artista e educadora e performer e ... que carrega em seu corpopalavra

ARIADNE ENTRA NO LABIRINTO

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 25 o desejo de habitar espaçostempos mais generosos em encontros, histórias, escuta, afeto, memória. Menos pelo híbrido e mais pelo prazer em reconhecer suas singularidades ao contar sua história, é esta mulher que entra nos tantos labirintos dos escritos que seguem. Vamos com ela? Vamos comigo? Seja bem-vinda/o!

Corpopalavra

Corpopalavra é uma justaposição para dizer da existência da palavra num

corpo, afirmar que a criação da palavra é corporal, encarnada (LARROSA, 2014) até chegar num corpopalavra híbrido, colorido de si, enfeitado do tempo de quem narra histórias.

Espaçotempo

Irmanar espaço e tempo em um único espaço de escrita e num fôlego que brinque com o tempo de dizer esta palavra. Faço a união destes dois substantivos para f lutuar com a ideia de presente, passado e futuro. Assim, juntos, espaçotempo possibilita outras imagens, como quando iniciamos a narração de um conto e situamos quem escuta sobre onde estamos e em que época.

Instabelecer

Ação de manter-se em energia de transformação, de forma a ativar sua metaestabilidade, o que faz reconhecer que os contextos podem estar sempre em mudança contínua. Diferentemente de estabelecer, que tem dentre suas definições “criar, tornar-se, formar-se”, instabelecer busca um performar-se, criar-se em rede, tornar-se em coletividade.

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26 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

Performação

Trata-se da per/formação docente, numa perspectiva que evidencia a

autoria de cada uma/um neste processo. Ter consciência da performance que desempenha como artista/educadora e das escolhas que faz neste percurso, sendo responsável por sua própria história, por desenvolver-se em sua pesquisa. Uma pessoa em performação artístico/educacional é convidada a implicar-se em implicar-seu processo de criar relações a partir de uma linguagem artística, de tornar o espaçotempo um convite a viver um vínculo com as outras pessoas ao aprenderem todas juntas com algo.

Descotidiano

Tornar o cotidiano suspenso nele mesmo, negar o tempo dos afazeres cotidianos e se deixar levar para um espaçotempo descotidiano.

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 27 Mulher. Latinoamericana. Branca. Brasileira. Nordestina. Do agreste de Pernambuco. Caruaruense. Da terra de Marliete, fazedora de barro, de dona Regina, benzedeira que nos rezava, de Francisca e Antonia (Xi e Toinha, minhas bisavós por parte de mãe). Professora. Classe média. Trabalhadora. Feminista. Bissexual. Divorciada. Talvez eu devesse eliminar todos esses marcadores, essas categorias, tão patriarcais e unificadoras. Vou mantê-los. Vou manter porque as palavras têm força e dizer estas palavras soltas não define exatamente quem eu sou, mas manifesta elementos do que posso ser. Das frases que posso criar com elas. Das histórias que aqui habitam.

Assim, não é errado dizer que feminismo de cada uma entra em jogo com os feminismos possíveis das outras mulheres, os feminismos preexistentes e que se recriam, se replicam, redefinem tempos e espaços e, ao mesmo tempo, relacionam-se ao “feminismo” em um sentido genérico. Este termo, quando usado no singular, não deve nos remeter a uma unidade, ela mesma uma categoria patriarcal, mas, antes, nos levar a pensar em termos de construção do “comum” e da presença da singularidade. Feminismo é um significante que preenchemos com nosso desejo, nossos saberes e ignorâncias, fundando uma trama, um tecido, uma rede- para usar uma expressão bem contemporânea-, que ajuda a visualizar didaticamente o contexto de nossas relações hoje. (TIBURI, 2019, p.42-43, grifos meus)

ESTA DISSERTAÇÃO CONTA HISTÓRIAS

Contadoooooraaa de histórias!

(Ahhhhhh! Inspiro profundamente

e suspiro! Deixando as palavras derreteram quando digo). Ser

contadora de histórias me apresentou desaFios e privilégios de minha existência até agora. Tornei-me mais atenta e forte (é preciso!). Recomendo. Artista.

(Também recomendo!) Essa pesquisa foi/é vivida na corporeidade de uma

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28 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

Sou filha de dona Janeide, professora que se tornou advogada e funcionária pública pra criar ‘a gente’ (meus irmãos e eu) melhor, com seu Fernando, advogado e poeta que se tornou comerciante pra criar a gente melhor. Painho é contador e escrevedor de histórias. Mainha é leitora voraz, escutadora de Caetano e crocheteira. Talvez este fosse o primeiro nó dessa história, mas percebi que não há um começo, meio e fim, nem uma linearidade no que se apresenta a seguir. Por exemplo, antes de painho e mainha vem avós e avôs, Janete e Eugênio, Nenzinha e Tota. Mas isso já é outra parte da história, que aqui também se conta.

(ESTA DISSERTAÇÃO CONTA HISTÓRIAS!!! Repito, tranquila.)

Uma história singular e recortada. Uma história para se somar a outras histórias de pessoas que narram oralmente, num desejo de ampliar a narrativa sobre quem conta histórias por esse Brasil e os modos como isso se dá, tentando me distanciar de uma história única, porém reconhecendo as limitações artista e educadora, singularizada como narratriz, um híbrido de narradora e atriz que ao se contaminar e ver o mundo deste lugar, resolveu inventar e dizer e fazer algumas coisas para tentar organizar melhor o nó que é misturar isso tudo. Não consegui! Estou falando na terceira pessoa, mas trata-se da minha pessoa mesmo que vai falar.

Sempre senti que é impossível se envolver direito com um lugar ou uma pessoa sem se envolver com todas as histórias daquele lugar ou daquela pessoa. A consequência da história única é esta: ela rouba a dignidade das pessoas. Torna difícil o reconhecimento da nossa humanidade comum. Enfatiza como somos diferentes, e não como somos parecidos. (ADICHIE, 2019, p. 27-28)

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 29

de escolher a mim mesma como cartografia1 e por fim (re)conhecer o verbo

cartografiar e enxergar os cartografios que aqui foram tecidos. E, se me escolho

como sujeita, preciso apontar a motivação de querer compreender mais de minha

performação ao criar contando histórias, que por consequência, será/é/foi uma

parte, um fragmento, uma versão, um reconto de uma história maior, que envolve e reconhece a existência de outras tantas vozes e com elas tenta conversar nesta pesquisa.

Ser mulher e fazer pesquisa. Ser mulher e artista. Ser mulher e contar histórias. Ser mulher e educadora. Ser mulher e... a palavra Narratriz está no feminino por isso. Sublinho na escolha da palavra a compreensão de quem sou e o fato de que, mesmo esta pesquisa não sendo sobre gênero, nem feminismo diretamente, esta é uma das linhas mais firmes, o nó mais forte que costura tudo que está se dizendo aqui. É uma mulher que escreve, discute, nomeia, inventa, peleja, chora e ri com estas letras, palavras e frases. Uma mulher habitando o múltiplo desejo imaginário, poético, físico, visível, intransponível de sê-la, ao criar contando histórias. Por exemplo, perguntar-me o tempo todo como construir um referencial que desse/dê conta das vozes das mulheres nesta pesquisa, foi/é um grande aprendizado e que também ressoa na escolha das histórias que aqui conto e como escolho conta-las.

A Cartografia é uma metodologia que vem sendo discutida e vivenciada por sujeitas/os de diferentes áreas do conhecimento e que começou a ser estruturada por pesquisadoras/es da área da Psicologia, como apresentarei no Ensaio 2. Escolhi a cartografia como movedora desta experiência e, por isso, será mantida a utilização do termo ao longo do texto, para que o trabalho também possa contribuir com as pesquisas cartográficas em Artes Cênicas. Compreendo Cartografios como imagem poética do que vivi no conjunto deste todo a partir dos caminhos metodológicos cartográficos.

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30 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

Contar histórias é a arte que me cria no mundo, é um dos meus jardins muito queridos, com a qual me permito viver diferentes imagens, como o labirinto desta pesquisa. Ao me colocar nele, precisei de palavras distintas de uma grafia/ sentido usual, que ressoassem com a cartografia performática que foi vivida também nestas páginas. Uma forma de contar sobre esta pesquisa que é de uma contadora de histórias mapeando seus percursos, as personas que o envolvem e os dizeres poéticos, conceituais, performáticos, corporais, afetivos e práticos que aconTECEM para elaborá-la. Uma jornada de heroína, com fios espalhados por muitas Ariadnes, negações e abraços de vários Minotauros, inclusive o que me habita. Insisto no termo jornada, retirando-o da previsibilidade que o possa constituir, para dizer que a jornada de uma HEROÍNA jamais poderá ser linear. Por

que quando criamos nossos rituais para existir enquanto mulheres, seguimos em

nossas jornadas plurais e diversas, mas ainda jornadas, com os corres cotidianos

Os contos de fadas, os mitos e as histórias proporcionam uma compreensão que aguça nosso olhar para que possamos escolher o caminho deixado pela natureza selvagem. As instruções encontradas nas histórias, nos confirmam que o caminho não terminou, mas que ele ainda conduz as mulheres mais longe, e ainda mais longe, na direção de seu próprio conhecimento. As trilhas que todas estamos seguindo são aquelas do arquétipo da Mulher Selvagem, o Self instintivo inato. [...] O arquétipo da Mulher Selvagem envolve o ser alfa matrilinear. Há ocasiões em que vivenciamos sua presença, mesmo que transitoriamente, e ficamos loucas de vontade de continuar. Para algumas mulheres, essa revitalizante “prova da natureza” ocorre durante a gravidez, durante a amamentação, durante o milagre das mudanças que surgem à medida que se educa um filho, durante os cuidados que dispensamos a um relacionamento amoroso, o mesmo que dispensaríamos a um jardim muito querido. (ESTÉS, 2018, p. 18-19)

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 31 e o fato de estar viva como fato heróico. Grifo a palavra ritual, por que poderia dizer jogo, mas “O feminismo não é, nesse sentido, um jogo. Ele é muito mais um ritual sem mística realizado contra um ritual místico diário de culto patriarcal ao macho. (TIBURI, 2019, p. 42)”. Da mesma forma, afirmo a importância que tem para mim instaurar e reconhecer rituais para contar histórias e do feminismo como parte desse ritual, já que é um “significante que preenchemos com nosso desejo”. (TIBURI, 2019, p.43)

A essa altura, suspeito que uma pesquisa de mestrado é uma grande revisão da vida mesma. Essa que a gente (leia rapidamente como quem quer

perder o fôlego) dorme, acorda, chora, come, apaixona, goza, respira, move,

dança, grita, enfeita, contesta, abala, subverte e...

(respira fundo e segue)

Por isso, anuncio que sempre estive num labirinto e aqui escolho contar sobre estar nele. Perdida. Perdidas. Assim como fiquei em diversos momentos. Desde o fato de entrar no curso do mestrado com um projeto que anunciava pesquisar avaliação no ensino do teatro na educação básica, passando pelo desejo de olhar para o meu saber-fazer como contadora de histórias e em meio a isso tudo me envolver em estudos sobre currículo. Nas leituras do grupo de pesquisa Poéticas

do aprender: conexões entre arte e educação2 pude partilhar esse trajeto, ser

provocada e habitar as minhas contradições, escavar um pouco de mim, ouvir as outras pesquisadoras e encontrar minhas perguntas, escolhendo uma que provocou o mover desta pesquisa que apresento.

Assim, ao habitar um corpo que pesquisa, escolhi que seria de pés descalços e carregando nas mãos linhas, tecidos e agulhas que demarcaria o espaçotempo de

2 - Vinculado à Linha de Pesquisa Práticas Investigativas da Cena: Poéticas, Estéticas e Pedagogias da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), coordenado pela professora Karyne Dias Coutinho.

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32 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

(re)encontrar com Escola3. Esse fato que agora parece desconectado é importante

para toda esta narrativa. Minha relação afetiva, artística e profissional com

Escola perpassa minha trajetória discente e docente da educação básica até este

mestrado. Por isso, no plano físico e afetivo, o primeiro espaço escolhido para realizar algumas ações da pesquisa foi o do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (CAp UFPE), onde sou docente do componente curricular Teatro desde 2016. Escolhi o CAp UFPE para habitar e ser habitada por ser meu atual espaçotempo de criação como artista/educadora do Teatro. Quis partilhar nesta escola as investigações da pergunta central que me move/moveu até aqui:

O que cria uma narratriz com educação para além da sala

de aula?

Nesta pesquisa, de cunho qualitativo e com inspiração metodológica na cartografia, compus mapas narrativos dos rastros que me performaram e performam narratriz, costurados sempre com perguntas para investigar a pergunta central. Intuo que cada pergunta traz um nó e que nem todo nó é o fim de um bordado, pode ser um erro, pode ser uma pausa, pode se transformar num plural e desvelar um espaçotempo de ser “nós”, de existir coletivamente, movendo meu corpopalavra e encontrando fios e desafios pelo caminho que se percorre

3 - Escola no texto é performer, que move ações e que mobiliza afetos. Não se quer trazer uma generalização ou personificação no sentido de um discurso desconectado das implicações sociais, econômicas, culturais. Pelo contrário, ao ressaltar o afeto da minha relação com o espaço escolar, determinante na minha trajetória artística e educacional, posso traçar diálogos com ela e dar a ela sensações e percepções dentro de um contexto ficcional, que me abre outras possibilidades de organizar discursos com Escola. Por isso, quando no texto estiver grafada iniciando com a primeira letra maiúscula e em itálico, trata-se desse contexto ficcional afetivo. Quando me referir ao espaço escolar a partir de um contexto mais geral, será grafado em letras minúsculas.

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 33 numa pesquisa de mestrado. E, entre perguntas, ressonâncias, desafios e muitas histórias, emergiram o objetivo geral e os objetivos específicos deste trabalho, assim bordados:

Objetivo geral

• Cartografar performances que emergiram em experiências de criação

artística envolvendo a contação de histórias, o teatro e a educação, para além da

sala de aula, e que estiveram envolvidas na composição de quem é uma narratriz4.

Objetivos específicos

• Instaurar performances art e performances narrativas em diferentes

espaços educacionais, de modo a perceber quais processos de criação podem acontecer na atividade de uma artista/educadora para além da sala de aula;

• Compor a ideia de narratriz na experiência da contação de histórias, em

conexão com os conceitos de performance art, performance narrativa e corpo narrativo.

• Habitar uma escrita performática, discutindo elementos que envolvem a

contação de histórias e a cartografia.

Considerando que precisava retomar o contato com o CAp UFPE agora vinculada a esta pesquisa, resolvi imergir enquanto pesquisadora no espaçotempo 4 - Com estes objetivos, evidencio para mim mesma que a separação e a dicotomia de que já fui palco com meu corpopalavra entre contação de histórias e teatro não faz mais sentido. Escolher compor a palavra narratriz desde o objetivo geral é perceber que a minha prática estava constituída num lugar entre, num lugar performático, instável, suspenso desde quando iniciei e durante esta pesquisa. Com isso, também enfatizo a legitimidade de quem se reconhece de outras formas. É nesta rede complexa que ampliaremos o campo das pesquisas sobre a arte da narração oral.

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34 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

escolar de uma forma que pudesse me colocar em abertura e escuta cartográfica para as palavras serem inventadas, sabendo que a cartografia se afasta de considerar o/a pesquisador/a como um/a observador/a distanciado/a. Por isso, escolhi retornar à Escola com a ação de Costurar o tempo, num convite a desacelerar as sensações, vivendo um espaçotempo distinto do tempo comum que há na escola. Meu desejo maior estava na busca por acessar histórias que pudessem emergir da relação de me pôr em escuta naquele lugar. Uma outra escolha feita desde o começo foi a de investigar a pergunta central sem demarcar como lugar da pesquisa as aulas de Teatro, mas assumindo o espaço escolar como lócus performático.

Assim, após dois anos dentro de um imenso labirinto, tendo em alguns momentos bordado calmamente e em outros movido meu corpo até a exaustão, apresento como resultado quatro ensaios, com palavras reunidas em tom de narrativa oral, costuradas por memórias, discussões teóricas e contos. Somam-se a eles, o prólogo Ariadne entra no labirinto, anterior a essa introdução, além de um texto sobre o estado do conhecimento da pesquisa e a conclusão. (ufa!)

A escolha pelo gênero ensaio se fez pelas suas características híbridas, distanciado do hermetismo das escritas acadêmicas que se vinculam as burocracias especializadas e vinculadas a provar uma verdade absoluta. Exercitei e experimentei neste trabalho uma escrita performática em liminaridade com a ensaística, contaminada de vida, de afeto, de emoção, que encontra sintonia com o que diz Jorge Larrosa sobre o ensaio, especificamente:

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 35 Assim, UM BROCADO DAS PESQUISAS SOBRE A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS, traz um levantamento de pesquisas acadêmicas recentes sobre o tema no Brasil, assim como trabalhos de pesquisadoras/es que vem tecendo o campo de pesquisa sobre a arte da narração oral aqui em nosso país e na América Latina.

O primeiro ensaio se divide em duas partes: NARRATRIZ DIZ: - AGORA EU ERA... quando transito entre memórias que me constituíram professora de teatro e contadora de histórias, questionando-me sobre como se dá a autoria desta

performação. É a voz manifesta da narratriz em diferentes momentos que vai

conduzindo a você e a mim pelo texto, que chega a pergunta e a interjeição que dão título a segunda parte: VAMOS PERFORMAR, ESCOLA? VAMOS PERFORMAR COM ESCOLA!

O segundo ensaio é a CARTOGRAFIA DE UM CORPOPALAVRA, que apresenta uma fotoperformance de mesmo nome, em que conto sobre o método da cartografia que sustenta a pesquisa, as etapas em que ela se deu, assim como uma Constelação com referências de tempo e espaço sobre as performances realizadas. De dentro do labirinto, em alguns momentos olhei o céu e pude ver constelações. Tive que aprender a lê-las e entender como essas leituras chegariam até o trabalho. Em outros momentos, eu mesma desenhei constelações para me guiar. Alguns dados da pesquisa aparecem como constelações também nos outros

O ensaísta problematiza a escrita cada vez que escreve, e problematiza a leitura cada vez que lê, ou melhor, é alguém para quem a leitura e a escrita são, entre outras coisas, lugares de experiência, ou melhor ainda, é alguém que está aprendendo a escrever cada vez que escreve, e aprendendo a ler cada vez que lê: alguém que ensaia a própria escrita cada vez que escreve e que ensaia as próprias modalidades de leitura cada vez que lê. (LARROSA, 2003, p.108)

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36 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ ensaios.

No terceiro ensaio UMA NARRATRIZ COSTURANDO O TEMPO narro uma das performances realizadas e apresento os TRÊS FIOS DA NARRATRIZ encontrados pela artista/educadora/pesquisadora em meio ao labirinto.

Já o quarto ensaio está divido em três partes NÓS DE NÓS: CORPOPALAVRA EM PERFORMAÇÃO, apresenta a performance Nós de nós, descrevendo-a e trazendo reflexões de uma narratriz habitando o espaço escolar com performance para além da sala de aula. Em CORPOPALAVRA, CORPO NARRATIVO discuto os conceitos de corpo narrativo, performance art e performance narrativa, que tem continuidade em PERFORMANCE NARRATIVA PODE SER POLÍTICA?, no qual firmo e arranco alguns nós que compõem o ofício da narratriz.

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 37

UM BROCADO DAS PESQUISAS SOBRE A

ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS

No conto tradicional tibetano O quadro de pano, registrado por Jette Bonaventure (1992), uma mãe que tece para dar o sustento a si e aos seus três filhos, ao se deparar com um quadro que lhe encanta, resolve tecer as imagens do quadro por prazer. Como não pode abrir mão de costurar pela sobrevivência, a mulher faz seu brocado especial à noite, sob a luz de uma tocha que fere seus olhos, como descrito no trecho acima. O brocado fica tão bonito que é levado pelo vento para a montanha das fadas, onde estas pretendem aprender aquele tipo de bordado nunca antes visto (BONAVENTURE, 1992).

Um brocado é um tipo de bordado onde se tece com fios de ouro e prata e que possui especial beleza. Porém, as lágrimas de sangue da mãe imprimiram uma outra beleza ao trabalho, cores que ainda não tinham sido vistas, formas de bordar que até as fadas precisavam aprender. Evoco essa história para pensar sobre a contação de histórias no mundo contemporâneo, por pensar na contação como esse brocado levado ao vento, uma arte, expressão, ofício e conhecimento humano que, tendo sido ameaçada de findar, resiste e foi/é resgatada mesmo após duas grandes guerras mundiais e tantos acontecimentos violentos e agressivos que pautam nosso cotidiano, como nos mostra Regina Machado (2015):

A mãe passou um longo tempo tecendo. De noite, acendia uma tocha, cuja fumaça provocava lágrimas em seus olhos. Uma a uma, as gotas cristalinas caíam sobre o pano que estava tecendo e ela as ia incorporando ao quadro. Foi assim que teceu o lago e o riacho, com suas lágrimas.

No segundo ano, os pobres olhos da mãe estavam tão irritados, que até sangravam. E eram lágrimas vermelhas que caíam sobre o brocado que ela tecia. A mãe as ia incorporando ao quadro, tecendo flores vermelhas e o sol que iluminava o céu. (BONAVENTURE, 1992, p. 28)

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38 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

Até o advento da sociedade ocidental moderna, o contador de histórias sempre teve um lugar e uma importância reconhecidos pela sua comunidade. Por meio da presença de sua memória, de sua voz e técnicas expressivas, os conteúdos simbólicos — encadeados na sequência narrativa dos contos, mitos, lendas e epopeias — eram vividos pelos ouvintes como uma experiência de aprendizagem de si mesmos, de suas relações com os outros, com os mundos internos e externos que organizam e conferem sentido à existência.

Walter Benjamin tem um ensaio primoroso sobre a figura do narrador. Para Benjamin, o novo tipo de comunicação fruto do modo industrial de produção, que fez surgir a imprensa e o romance, desencadeou outros tipos de relações sociais, nas quais o narrador tradicional perderia suas feições. No entanto, contrariando a hipótese sociológica de Benjamin, durante a década de 70 do século XX, em vários países ocidentais, iniciou-se simultaneamente, sem que as pessoas tivessem conhecimento das pesquisas umas das outras, um ressurgimento da arte de contar histórias abrangendo tanto a revalorização do contador tradicional como o surgimento de novas formas urbanas de narração oral. (MACHADO, 2015, p. 32)

O brocado foi resgatado, a imagem continua afetando as pessoas que a veem, os fios de ouro e prata convocam sentires e moveres, as lágrimas e sangue vêm configurando novas experiências em diversas partes do mundo. Com elementos, funções, técnicas diferentes, a arte de contar histórias permanece voando e sendo resgatada, como numa performance entre a mãe e as fadas, que se vinculam ao brocado por desejos distintos, por formas de constituir o mundo a partir da beleza e do encanto, mas também do trabalho e do cansaço. Os distintos desejos, elementos, funções, técnicas vêm movendo pesquisadoras/es na investigação da

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 39 arte da narrativa oral, da performance narrativa, da narração artística, da relação entre a narração e a educação e também da narração como linguagem das artes cênicas. Sobre isso, num resgate histórico sobre esse ressurgimento da narração no mundo, assim como faz Regina Machado, a cuentista e educadora argentina Ana Padovani expõe:

Podríamos pensar que las distintas formas que fue adquiriendo el movimiento de narración en los diversos países son producto de su idiosincrasia, de sus características sociales, culturales y económicas.

Por ejemplo, en Italia, parecería que la narración de cuentos no logro una inclusión importante dentro de los programas destinados a la difusión de la educación y la cultura, tal como sucede en Inglaterra, Francia y España (aun con los avatares de las oscilaciones políticas y económicas). Tampoco se desarrolló demasiado entre docentes, lectores o público en general, como ocurre en otros países. Tal vez podría suponerse que el natural histrionismo de los actores italianos hizo que estos se convirtieran casi en sus únicos representantes. Además, otra importante influencia fue la de Peter Brook, quien, en sus excelentes puestas teatrales, retomó antiguas tradiciones orientales que exaltaban los valores religiosos y humanísticos, como El Mahabarata.

Otra influencia notable fue a la de Darío Fo, que también retomó la antigua tradición juglaresca con un dominio superlativo de los recursos actorales, con lo que marcó un estilo y una impronta para los actores que siguieron sus pasos. (PADOVANI, 2014, p. 43-44)

Padovani (2014), no capítulo Panorama de la narración oral, de sua obra

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40 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

apresenta um Desarrollo Histórico, nos traz elementos da cultura oriental e africana, depois aponta especificidades de países da Europa como os citados acima e em seguida mostra La experiencia latinoamericana, na qual a autora dá um recorte para os países de língua espanhola, relatando experiências de: Guatemala e Honduras, Colômbia, Venezuela, Chile, Peru, Uruguai e Argentina. Sobre eles, nos diz:

Seguindo o voo do brocado percebo que por vezes ele é um voo natural e fluido, em outros momentos compulsório, como na colonização e no extermínio de povos e ideias. Desta forma, mudanças vão acontecendo no modo de ver o mundo, assim como na forma e no motivo que levam a narrar. E, se trago o conto tibetano para costurar estas ideias, também é para me encontrar com o

Com relação à experiência brasileira, Machado (2014) conta:

No cabe duda de la antigüedad y relevancia que en esta parte del mundo tuvieron los relatos desde que se tiene noticia. Las primitivas historias de las culturas indígenas aparecieron en los códices aztecas en lengua náhuatl, mezclándose luego con los mitos y leyendas traídos por los conquistadores españoles y dando a un corpus de relatos con identidad propia. (PADOVANI, 2014, p. 46)

No Brasil agrário havia contadores de histórias itinerantes, que viajavam com seus causos e contos populares, tendo muitas vezes figurado como personagens encantadores em obras de alguns de nossos romancistas. O Alexandre de Graciliano Ramos, a velha Totonha de José Lins do Rego, a Joana Xaviel e o velho Camilo de Guimarães Rosa são exemplos marcantes da presença de contadores de histórias tradicionais na literatura brasileira. (MACHADO, 2014, p. 32)

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 41

corpopalavra narrativo que motiva este trabalho.

Ao escolher narrar e costurar estas memórias, estes instantes e personas da trajetória como narratriz, proponho instaurar a narração como anuncia o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) quando discorre sobre as pessoas que narram:

Intimamente pela brincadeira de acreditar nesta escada citada pelo autor, me debruço sobre esse texto tão caro às pesquisas acadêmicas sobre o ofício do narrador de histórias em diferentes contextos, principalmente por trazer elementos sobre o narrador tradicional. Nesse ensaio, o autor vai desvelando sobre a obra do escritor russo Nikolai Leskov (1831-1895), a quem atribui a habilidade de produzir seus escritos com o “espírito dos contos de fadas” (BENJAMIN, 1994, p. 216), e nos conduz na escrita a partir de reflexões sobre o narrar no mundo e a perda de espaço pela qual estaria passando a narrativa naqueles idos de 1936, quando o ensaio foi escrito. Interessa-nos bastante a sobrevivência da narrativa oral, apesar do romance, do livro impresso, que para ele seriam causas do desaparecimento dos narradores orais, assim como outros elementos da modernidade, sobretudo a guerra, que emudeceu as narrativas e as trocas de experiências. A beleza do que conta Walter Benjamin sobre quem narra, as imagens que nos permitem sentir, a refinada percepção, me fazem vê-lo como o grande narrador que ele próprio descreve, partícipe desse saber-fazer:

Comum a todos os grandes narradores é a facilidade com que se movem para cima e para baixo nos degraus de sua experiência, como numa escada. Uma escada que chega até o centro da terra e que se perde nas nuvens — é a imagem de uma experiência coletiva, para a qual mesmo o mais profundo choque de experiência individual, a morte, não representa nem um escândalo nem um impedimento. (BENJAMIN, 1994, p. 215)

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42 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão — no campo, no mar e na cidade —, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o "puro em si" da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. Os narradores gostam de começar sua história com uma

descrição das circunstâncias em que foram informados dos fatos que vão contar a seguir, a menos que prefiram atribuir essa história a uma experiência autobiográfica. (BENJAMIN, 1994, p. 205, grifo meu)

Como narratriz, me movo em busca de um brocado encantado de imagens

que é a arte de contar histórias e não estou só. O campo de pesquisa acadêmico da contação de histórias é recente e vem crescendo e se ampliando, com diferentes olhares para os saberes e fazeres dessa arte. Aqui, escolhi a interface da contação de histórias com a educação e as artes cênicas (performance, teatro, dança). Assim, aproximando as questões de que trata esta pesquisa, realizei uma busca de teses e dissertações desenvolvidas em torno do tema nos últimos 5 anos (2014–2018), e

encontrei como resultado o que consta nas Constelações 1 e 2, que seguem5:

5 - A referida busca foi realizada no catálogo de teses e dissertações da CAPES com as seguintes expressões e suas possíveis combinações: contação de histórias, teatro e educação; narração de histórias, teatro e educação; narradora de histórias, atriz, educação; contadora de histórias, atriz e educação; performance, contação/narração de histórias e educação; performance narrativa, contação de histórias e educação; performance narrativa, narração de histórias e educação. A busca ainda foi feita com alguns desdobramentos como: narração artística, corpo narrativo; e também outras expressões que pudessem nos apontar estudos que têm o corpo como movedor da discussão com/na contação de histórias.

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 43

Aline Cântia Corrêa Miguel Giuliano Tierno de Siqueira O educadornarrador: uma trajetória pela palavra e pela

escuta

O Narrador Considerações sobre

a arte de contar

histórias na cidade Universidade

Estadual Paulista Júlio de Mesquita Neto (Unesp)/2016 Programa de Pós-graduação do Instituto de Artes Área de concentração: Arte e Educação Linha de Pesquisa: Processos artísticos, experiências educacionais e mediação cultural Programa de Pós-graduação em Educação/Doutorado em Educação Linha de pesquisa: Estudos do Cotidiano da Educação Popular Universidade Federal Fluminense (UFF)/2017

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44 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

Toni Edson Costa Santos Ângela Barcellos Coelho Café Narrativas na rua: da inspiração djeli às rodas de histórias em Maceió Os contadores de histórias na contemporaneidade: da prática à teoria em busca de princípios e fundamentos Universidade de Brasília/2015 Área de Concentração: Arte Contemporânea Linha de Pesquisa: Cultura Saberes em Artes Cênicas Área de Concentração: Artes Cênicas Linha de Pesquisa: Matrizes Estéticas na Cena Contemporânea Universidade Federal da Bahia/2016

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 45 Lígia de Moura Borges Wellington Rodrigues Barros Alexandre Geisler de Brito Lira Tecendo o Sopro do Narrador A Terceira Margem da Performance: um estudo do ato-narrativo em três contos de Guimarães Rosa

Jogos para despertar o contador que cada um traz dentro de si UFG/2017 Universidade Federal da Bahia/2017 Programa Interdisciplinar de Pós-graduação Mestrado em Performances Culturais Linha de Pesquisa: Teorias e Práticas da Performance Área de Concentração: Artes Cênicas Linha de Pesquisa: Processos Educacionais em Artes Cênicas Área de Concentração: Pedagogia do Teatro Universidade de São

Paulo (USP) Escola de Comunicação e

Artes (ECA)/2017

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46 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ Kalinde Braga Augusto Vicente Juliana Ferreira Machado (Juliana Mado) A formação do contador de histórias hoje: a parceria teatral e outros caminhos Performance narrativa e transmissão da experiência em dois narradores natos: Sebastião Biano e

Marilene Paschoal. Instituto de Artes

da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”/2015 Mestrado em Artes Cênicas. Linha de pesquisa: Estéticas e poéticas cênicas. Programa de Pós-graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas Área de Concentração AA: Teatro, Dança e

Performance. Unicamp/2015

Fonte: Catálogo de teses e dissertações da CAPES.

Foram encontradas quatro teses e cinco dissertações com o entrelaçado que destacamos anteriormente. Trarei a seguir considerações sobre elas, especificamente apontando de forma geral do objeto que tratam, mas também das poéticas com as quais são desenhadas. Inicio com a tese da educadoranarradora mineira Aline Cântia Miguel (2017) que estudou O educadornarrador: uma

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 47 e narradores contemporâneos e no seu próprio percurso como contadora de histórias e educadora modos deste educadornarrador se constituir, aprender a narrar, a partir de conceitos e teorias referentes ao contexto da cultura popular, da educação popular, da experiência e do cotidiano. Vinculada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, na linha de pesquisa de Estudos do Cotidiano da Educação Popular, a pesquisadora tece de forma poética a discussão e apresenta com embalo e rigor a rede conceitual que sustenta seu trabalho. Mesmo não apresentando relação com as artes cênicas, o trabalho de Miguel (2017) interessa-me aqui pela forma de escrita e por ser um estudo que traz importantes considerações da interface do narrador com/ na educação.

No caminho de investigar a existência do contador de histórias nas cidades, o contador de histórias e curador da Casa Tombada (SP), Giuliano Tierno de Siqueira (2016), construiu a tese O Narrador: Considerações sobre a arte de

contar histórias na cidade, na qual pesquisa as especificidades dos narradores de

histórias urbanos, seres que não tem em sua trajetória a apreensão deste ofício de forma tradicional, como nas sociedades africanas, por exemplo. O interesse do pesquisador/contador de histórias é compreender como se dá o ressurgimento dos contadores de histórias, da existência de uma palavra pública em meio à

Sociedade do Espetáculo, conceito de Guy Debord (1931-1994) e à Sociedade Excitada, tese de Christoph Turcke (1948 -), criando uma narrativa fictícia com

estes e outros interlocutores para construir suas reflexões.

Já a tese de Ângela Barcellos Café (2015), intitulada Os contadores de

histórias na contemporaneidade: da prática à teoria em busca de princípios e fundamentos é elaborada a partir das experiências vividas pela pesquisadora como

contadora de histórias e formadora de contadoras/es de histórias ao longo de 20 anos. Com metodologia criada a partir do método dialógico, Café (2015) apresenta

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48 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

seu percurso como narradora e formadora, elaborando conceitualmente quem é o sujeito contador, como se dá a presença deste e que ela diferencia do que conhecemos como presença no Teatro. Discute também como o autoconhecimento de cada sujeito é caminho para constituir a linguagem corporal a partir dos distintos textos e das distintas experiências, visto que ela também traz narrativas de outras/os sujeitas/os contadoras/es.

Nas três teses que apresentamos6, fica evidente o quanto a imersão no

saber-fazer da contação de histórias está impregnado nos cotidianos de Aline Cantia, Giuliano Tierno e Ângela Café, dos quais pude também ouvir as narrativas sobre

seus trabalhos em espaços como o Boca do Céu7 e o recentemente acontecido

Oralidades – Simpósio Nacional de Contadores de Histórias (Santos-SP), em que Giuliano Tierno esteve na curadoria e Aline Cântia, na produção. Como somos pesquisadoras/es da palavra, poder escutar estes conceitos sendo debatidos, questionados e ampliados com outras vozes, também me interessa e nutre. Ângela Café pude conhecer e ouvir questões de sua pesquisa em momentos distintos, ambas as vezes no Boca do Céu.

Dando sequência à busca de pesquisas que estejam ancoradas no entrelaçar da contação de histórias, das artes cênicas e da educação, foi encontrado um

número maior de dissertações do que de teses, totalizado em cinco8. Das quatro

6 - Não consegui acesso à tese de Toni Edson Costa Santos, que consta em nosso quadro por compor o catálogo de teses da CAPES, porém não foi possível o acesso ao trabalho nem no referido site, nem no repositório da UFBA, consultado posteriormente.

7 - Encontro internacional de narradores de histórias idealizado e coordenado por Regina Machado, que acontece bienalmente na cidade São Paulo- SP.

8 - Não consegui acesso ao texto da pesquisa de Alexandre Geisler de Brito Lira : Jogos para despertar o contador que cada um traz dentro de si, que consta no catálogo de teses e dissertações da Capes, mas não está disponível no repositório da UFBA.

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 49 a que tive acesso, a dissertação de Lígia de Moura Borges (2017), Tecendo o Sopro

do Narrador, apresenta uma discussão sobre a vocalidade poética de quem narra,

a partir das/os narradoras/es tradicionais e da artesania de uma Palavra Viva que estes possuem. Já a dissertação de Wellington Rodrigues Barros (2017) A

Terceira Margem da Performance: um estudo do ato-narrativo em três contos de Guimarães Rosa, discute a interface contador de histórias e ator na produção do

ato narrativo9.

Num recorte para pensar as contribuições do Teatro para o contador de histórias, a dissertação de mestrado de Kalinde Braga Augusto Vicente (2015) , sob o título A formação do contador de histórias hoje: a parceria teatral e outros

caminhos, apresenta-nos ideias, conceitos e aberturas para o diálogo entre Teatro

e contação de histórias, colocando em conversa os estudos de Regina Machado e Gislayne Avelar Matos e as pesquisas de formação do ator de Matteo Bonfitto e Cassiano Quilici. Já a pesquisadora Juliana Ferreira Machado (2015) na dissertação

Performance narrativa e transmissão da experiência em dois narradores natos: Sebastião Biano e Marilene Paschoal, contribui com a caracterização dos conceitos

de performance narrativa, numa perspectiva da possibilidade da experiência no mundo contemporâneo com estes narradores orais natos, nos quais ela observa uma atitude narrativa.

Como forma de ampliar o nosso escopo da pesquisa, principalmente no que tange à questão corporal como elemento específico da discussão da formação e criação da/o contador/a de histórias e das contribuições da performance, é importante evidenciar a pesquisa da professora, pesquisadora e contadora de 9 - Pude conhecer o trabalho de Wellington Barros também na mesa em que estivemos juntos na Mostra Transborda do Sesc Pernambuco em 2017, que teve como tema O ator contador de histórias, um dos recortes curatoriais da mostra naquele ano.

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50 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

histórias Luciana Hartmann da Universidade de Brasília, que em sua tese de doutorado no ano de 2004 tratou sobre “Aqui nessa fronteira onde tu vê beira de

linha tu vai ver cuento...” Tradições orais na fronteira entre Argentina, Brasil e Uruguai. Em seu artigo Crianças contadoras de histórias: narrativa e performance em aulas de Teatro, Hartmann (2015), faz um Breve panorama dos estudos das narrativas em performance, no qual apresenta o conceito de performance em

Richard Bauman, com destaque para o que considera umas das importantes contribuições do autor: “evento narrado (o conteúdo das histórias) e evento narrativo (a situação discursiva da sua narração)” (p. 233).

Com relação ao corpo em performance, a autora, que tem pesquisado tanto o trabalho com crianças contadoras de histórias quanto contadores de “causos” da fronteira do Brasil com o Uruguai e Argentina, nos diz:

São também importantes para essa minha pesquisa os textos de Simone Grande, Hemilin Faustino (Emilie Andrade) e Letícia Liesenfeld Erdtmann no livro Narra-te cidade: pensamentos sobre a arte de contar histórias hoje (2017). Para mim, são pistas de uma cartografia que se forma ao propor pensar a contação de histórias a partir do corpo que vibra a palavra. As contadoras e pesquisadoras, que também são atrizes, com formação no Teatro e na Dança, discutem a corporeidade de quem narra a partir de autores e autoras como Christine Greiner, José Gil, Ciane Fernandes e Klaus Vianna, como também de suas experiências pessoais.

É no corpo, portanto, que reagimos aos estímulos multissensoriais produzidos pela performance. E é ele que nos permite a atribuição de sentido. Por este motivo que acredito que o trabalho com as narrativas orais seja tão produtivo em aulas de teatro, sobretudo com crianças. (HARTMANN, 2015, p. 234)

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 53 Essa história segue conectada com o era uma vez, na ação de escrever e olhar. Meu olhar no teu que me lê, que permite um contato com meu corpopalavra, com a corporeidade dissertativa que se apresenta. Estas linhas que seguem são bordadas em conjunto com você, sua leitura, seu corpo, então o que quero dizer, neste instante, é do prazer de estar nesta troca! Esta história se instabelece aqui, no tempo presente, em que nós nos encontramos. Um tempo presente fora do tempo comum, um presente suspenso, que se encontra no potente momento em que nossos corpos se irmanam no sentir, na respiração, na energia, no vínculo, no tempo do “agora eu era”. Nas palavras de Machado (2015a):

Pois bem... uma vez além do tempo, agora eu era Escola! Há muitas histórias para serem contadas sobre a escola, na escola, com a escola. Nesta história, Escola é performer, com corpo, sentimentos, ações, contradições, inferências e dúvidas, por vezes até personagem. E, como nos mostra Machado (2004b, p. 11), “antes de mais nada, parti de um ensinamento valioso, que sempre está presente para mim: aprendi que nos contos tradicionais os personagens não são pessoas, mas expressam qualidades e possibilidades humanas de desenvolvimento”. É extrapolando esse

NARRATRIZ DIZ: - AGORA EU ERA...

Um tempo que não cabe na história temporal, datada cronologicamente, como o do ontem ou do amanhã. No tempo e espaço cotidianos eu fui, sou, serei. Antigamente eu era menor, era tímida e magrinha, mas isso é muito diferente de poder dizer: “Agora eu era”, seja lá o que for. Essa possibilidade não faz sentido nem na gramática nem na conversa diária. Mas faz sentido em outro lugar e em outro tempo: no domínio do imaginário, presente na versão inglesa do “Era uma vez”: once upon a time, que se poderia traduzir como “uma vez acima ou além do tempo”. (MACHADO, 2015a, p. 41, grifos da autora)

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54 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

sentido, que atribuo à Escola percursos, desejos e vontades, incertezas como em todas/os nós, com angústias, alegrias, inquietudes e atravessamentos. Como cada ser que já passou por uma, como eu, narratriz costurando minha relação com ela e com a educação.

Não há como ser linear nestas memórias, porque é no movimento e euforia de um pega-pega que encontro a sensação para reuni-las, uma memória “pegando” a outra, que grita, se esconde, esbarra em outra, cai no chão, espia de recanto de olho. Pois, quando a contação de histórias entrou na minha vida começou a compor outras narrativas para quem eu era como pessoa, como artista/educadora até ali, ao entrecruzar o âmbito da criação artística fora da escola com a criação artística na escola. Naquele momento, lembro que houve um manejar diferente nas expectativas das/os estudantes que as pesquisas e brincadeiras com a contação de histórias possibilitaram experimentar, que a voz da narratriz levava para ir transformando artisticamente as vivências na sala de aula de teatro.

É neste sentido que me coloco como Escola, como Ariadne, como performer, artista, educadora, todas elas vividas e percebidas ao ser narratriz, ao olhar para o meu percurso como professora e contadora de histórias nesta pesquisa, ao

revirar-me para encontrar o que me narra nesta composição. Narratriz10 é uma

palavra que se caracterizou nesta pesquisa e que emergiu como singularização 10 - No início da pesquisa eu costumava utilizar o termo narratriz/docente, mas minha aproximação ao conceito professor-performer (CIOTTI,2014) na feitura desta cartografia, bem como o entendimento de que não se tratava unicamente da docência, me permitiram não aglutinar ao termo nem a palavra docente nem a palavra professora. Me sinto conectada ao termo educadora, por considerar que daria conta dos demais, porém sinto a força que a palavra Narratriz tem por si mesma, constituída e vivida completamente imersa na educação. Por isso, em outras partes do texto, quando se trata de uma discussão mais geral de aspectos artístico/educacionais, utilizo o termo artista/educadora.

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 55 da percepção de entrelaçar um ser artista/docente e professora-performer, primeiramente com a escolha por trazer o termo artista/docente e arrematá-lo com a escola, na educação básica. Depois, pela percepção ampliada trazida pela cartografia, metodologia que será melhor discutida no próximo ensaio, em considerar outros acontecimentos como parte do processo e incorporá-los aos mapas deste labirinto, percebi que meus processos se relacionavam com a educação ou uma discussão sobre a educação de forma mais dilatada, não só

vinculada a escola, mas sempre a ela conectada11.

O termo artista/docente foi proposto por Isabel Marques (2011; 2014) em sua pesquisa de doutorado e vem sendo pesquisado e elaborado na prática cotidiana dela como artista/docente no Instituto Caleidos (SP), onde são produzidos espetáculos na linguagem da dança. Nestes espetáculos, Marques trabalha com a proposta de encontrar a plateia com proposições interativas, sabendo que a obra sempre estará aberta e ao ser jogada com as pessoas, tem um impacto grande dos elementos educacionais, do pensamento freiriano, por exemplo (MARQUES, 2014). Nas palavras da pesquisadora:

11 - Outras experiências que aconteceram ao longo da pesquisa e foram incorporadas por serem desdobramentos ou consequências dela, foram me mostrando que o território das ações performáticas estava sempre atrelado a educação e especificamente a formação de professoras/es. Isto será melhor evidenciado e discutido no Ensaio 4.

Propomos, portanto, que o grande desafio do artista/docente em cena é compreender que: ao dançar, não mostra, propõe; não apresenta, convida; não dança ‘para’ o público, mas ‘com’ ele; não ensina, educa. Todos esses são princípios caros à educação, que se tornam vitais em uma proposta artística que se propõe também política e social. Arte e educação tornam-se indissociáveis. (MARQUES, 2014, p. 238)

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56 CARTOGRAFIOS DE UMA NARRATRIZ

É por acreditar na indissociabilidade, na circularidade e na urgência de habitar o espaço escolar nesta intenção que me senti atravessada pelo conceito de artista/docente, assim como pelo desejo de tecer artisticamente com Escola. Durante a pesquisa, fui percebendo que o lócus primeiro disso tudo sempre seria o corpo e onde eu estivesse poderia instaurar elementos performáticos, sabendo das movências que a atividade artística profissional proporcionou ao meu ser educadora e vice-versa e o quanto ritualizar e costurar o tempo com Escola e com educação me põe em atitude atenta e criadora, transformando-a em mim e pretendendo transbordar para outras pessoas de uma comunidade, já que

O grifo que a pesquisadora faz na palavra explícita, demonstra o quão imbricados estão os fazeres educacionais e artísticos, sendo tarefa nossa nos constituir enquanto artistas/docentes dessa forma. Ao revisitar sua Tese de Doutorado, Isabel Marques (2014) se pergunta qual a contribuição que a educação pode dar a arte e diz

[...] o artista-docente é aquele que, não abandonando suas possibilidades de criar, interpretar, dirigir, tem também como função e busca explícita a educação em seu sentido mais amplo. Ou seja, abre-se a possibilidade de que processos de criação artística possam ser revistos e repensados como processos também explicitamente educacionais. (MARQUES, 2011, p. 121, grifo da autora)

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Performances entre contação de histórias, teatro e educação 57

Em confluência com este conceito de artista/docente12, também me move

o conceito de professor-performer da professora e pesquisadora da UFRN, Naira Ciotti, fruto de sua pesquisa de mestrado e que vem sendo ampliado em outras pesquisas. A pesquisadora discute a formação deste híbrido e traz as práticas de artistas que tiveram a atividade docente inerente ao fazer artístico como referências: a brasileira Lygia Clark (1920-1988) e o alemão Joseph Beuys (1921-1986). Assim, articula:

Tendo uma carreira híbrida, percebo que, mesmo embrionariamente, as contribuições do sistema da arte para a educação formal já têm um caminho percorrido e já aponta para outros a percorrer. O contrário, no entanto, ainda permanece nebuloso: em que medida a arte encontra valores e referências na educação? Em que medida ser professor afeta, transforma e contribui com a carreira e o trabalho do artista? Tratando de problematizar uma série de preconceitos em relação ao trabalho pedagógico no meio artístico busco aqui afirmar e discutir como atuar no campo da educação e do ensino faz com que a arte que se produz seja diferente e, até mesmo, diferenciada. (MARQUES, 2014, p. 231)

O professor-performer movimenta os conhecimentos que possui sobre a arte em direção ao seu aluno. Ele pode movimentar corpos de conhecimentos, além da representação e da técnica. Seus alunos estão, na verdade, em muitos lugares, não necessariamente no ateliê. [...] Sua matéria é um pensamento de arte, um pensamento em movimento, um pensamento em performance. [...] Não se trata de um método rígido, mas sim de uma atitude de pesquisa. (CIOTTI, 2014, p. 61-63)

Referências

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