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Correlação de forças e assimetrias territoriais: implicações para implementação de políticas públicas educacionais

CAPÍTULO 4 AS INTERFACES DA IMPLEMENTAÇÃO DO PILOTO DO PROJETO UCA NA BAHIA: LIÇÕES QUE SE REPETEM EM UM NOVO

4.1 Correlação de forças e assimetrias territoriais: implicações para implementação de políticas públicas educacionais

Ao longo da história política do Brasil, pesquisadores e intelectuais têm exigido que o Estado assuma o controle da política educacional e implemente uma escola pública, gratuita, laica e de qualidade, que atenda a todas as classes sociais indistintamente, pois julgam que assim o País terá condições de avançar, não só do ponto de vista político e econômico, mas, principalmente, do social. A partir da década de 1980, o aumento dos anos de escolarização da população passou a ser considerado condição sine qua non para esse desenvolvimento nacional tão almejado e, para isso, era necessária a implantação de políticas públicas sociais para promover a equidade social. Segundo Hochaman et al. (2007, p. 69), “a formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações, que produzirão resultados ou mudanças no mundo real”. As políticas públicas podem ser compreendidas, conforme Boneti (2006, p. 8), como “originada de uma ideia e esta de um princípio, de uma pressuposição ou de uma vontade”. Ainda segundo o autor,

as elites globais e as classes dominantes nacionais se constituem de agentes determinantes na elaboração e implementação das políticas públicas, mas não são os únicos. A pluralidade política dos dias atuais faz com que agentes outros originados na organização da sociedade civil, ONGs, movimentos sociais, etc., se constituam em novos agentes confrontantes com os projetos das elites e classes dominantes (p. 16).

Assim, necessário se faz compreender os meandros do processo de concepção e formulação de uma política pública, para que se tenha elementos para análises e reflexões acerca de sua implementação e efetividade quanto à concretização dos seus objetivos e metas. Nesse sentido, Mainardes; Ferreira e Tello (2011, p. 155), afirmam que, no contexto internacional, a partir da década de 1990, “fortaleceu-se a ideia de que as políticas deveriam ser entendidas como processo e produto que envolvem articulações entre textos e processos, negociações no âmbito do Estado e para além dele, valores, ideologias, poder e contestação”. Ainda segundo esses autores, os formuladores desses novos referenciais partem da ideia de que “o processo político é complexo e envolve uma variedade de contextos (Estado, específicos contextos econômicos, sociais e políticos, as instâncias legislativas e as escolas, entre outros)” (p. 155). Partimos do pressuposto de que esses contextos precisam ser considerados no processo de implantação de uma política pública educacional e, para tanto, é básica e fundamental a colaboração entre os entes federados envolvidos – municípios, estados e governo federal – e os demais setores da sociedade implicados nessa ação, considerando-se, desta forma, as características e peculiaridades das regiões e das escolas públicas do País.

A chegada dos laptops do piloto do Projeto UCA no País, em especial nas escolas da Bahia, exemplificam estes aspectos da problemática, como analisamos ao longo da pesquisa. Como não poderia ser diferente, e era esperado, as características econômicas, políticas, culturais e de infraestrutura dos municípios envolvidos são bastante distintas, o que, invariavelmente, exigia ações e intervenções diferenciadas para que o Projeto tivesse condições mínimas para o seu desenvolvimento, fato este que não aconteceu, porque o MEC, nas palavras de uma das secretárias de educação entrevistadas, trata os desiguais com igualdade (Secretária de educação do município J). “Os desiguais” aqui mencionados fazem referência, entre tantos outros aspectos, às condições de infraestrutura e de recursos dos diversos municípios do Estado brasileiro que, desta forma, não têm condições de atender ao pactuado quando da adesão ao Projeto. O modelo de adesão a projetos e programas tornou-se rotina na administração pública brasileira, a exemplo de outros programas como Alfabetização na Idade Certa, Brasil Alfabetizado, Reuni, entre outros. Este modelo de política pública centrada na adesão a projetos implica em levar à gestão municipal uma série de obrigações, como no caso em questão, reformas em espaços físicos, fornecimento de energia elétrica

adequada ao número de equipamentos, entre outros, que os municípios e as escolas não têm capacidade ou não estão preparadas para enfrentar.

No site do Projeto UCA encontramos as bases para a “adesão”: “As Secretarias de Educação Estaduais ou Municipais de cada uma das escolas selecionadas deverão aderir ao Projeto através do envio de ofício ao MEC e assinatura de Termo de Adesão, no qual manifesta-se solidariamente responsável e comprometida com o Projeto". Esta manifestação solidária e responsável foi pactuada em um Acordo de Cooperação Técnica (ANEXO I), celebrado entre MEC, Município e a Secretaria de Educação. Dentre outros aspectos, no referido Acordo, na Cláusula Quarta, Dos Compromissos da secretaria de educação, alínea c), indica:

Prover toda a infraestrutura interna da escola (elétrica, lógica, segurança, etc., de modo a garantir que todos os equipamentos possam: 1. se conectar, com uso da rede sem-fio (wireless) em qualquer ponto da escola à rede interna da mesma e consequentemente à internet; 2. ser ligados à energia elétrica; 3. ser guardados em segurança.

Como mencionamos, esse modelo de adesão em voga na administração pública brasileira trabalha com a ideia de responsabilização dos “parceiros”, não compreendendo que, considerando a situação difícil por que passam os municípios brasileiros87, muito raramente um gestor não aceitará um projeto como o UCA, que lhe garantirá, pelo menos potencialmente, estar entre aqueles contemplados e inseridos no universo tecnológico. Mesmo conhecedores das dificuldades financeiras e de infraestrutura de cada escola/município para implementação do Projeto, que o comprometeria seriamente, os municípios terminam aderindo ao mesmo. A situação dos municípios brasileiros é séria. Segundo um estudo publicado no ano de 2012, pela Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro88), com base em dados que vão até 2010, 94% dos mais de 5 mil municípios brasileiros têm nas transferências de recursos por parte do governo federal e dos Estados pelo menos 70% de suas receitas correntes. 83% não conseguem gerar nem 20% de suas receitas, consequentemente,

87

Veja matérias da União dos Prefeitos da Bahia em <http://www.upb.org.br/uniao-dos-municipios-da- bahia/eventos/tags.php?palavra=SOS+Munic%EDpios>. Acesso: 25 nov. 2013.

88 Dados disponíveis em:

<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/09/120912_brasil_gestao_fiscal_ac.shtml>. Acesso: 08 dez. 2013.

segundo a Firjan, "investimentos em educação, saúde e infraestrutura urbana ficaram à margem do crescimento das receitas municipais". Na maioria dos casos, segundo a pesquisa, a folha de pagamento consome boa parte dos recursos, e pouco sobra para investimentos. Somente 83 dos 5.565 municípios brasileiros geram receitas suficientes para pagar seus funcionários.

Para melhor compreensão dessa situação, importante destacar alguns fatos históricos. O Brasil é formado por 26 Estados e um Distrito Federal. Segundo dados do IBGE (2013), para o ano de 2013 estimava-se uma população de 201.032.714 habitantes, em uma área de 8.515.767.049 Km². Para custeio e investimento desses Estados e municípios, segundo Arretche (2004), a Constituição brasileira de 1891 regulamentou o regime de separação de fontes tributárias, tendo distinguido impostos e competências exclusiva dos Estados e da União. No entanto, os municípios só lograram esse direito a partir da Constituição de 1934.

Para Arretche (2004), a evolução histórica da estrutura tributária nacional, caracterizou-se por mudanças lentas e graduais, sendo as maiores rupturas operadas precipuamente com a Constituição de 1988. As mudanças decorrentes dessa Carta Magna, não só regulamentou a organização política do Brasil, reconhecendo-o como uma República Federativa “[...] formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal [...]” (Art. 1º), como normatizou a organização político-administrativa, onde a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são autônomos e, em regime de cooperação e colaboração, deverão atuar para “[...] o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional” (Art. 23). Nessa organização política, as obrigações são divididas entre instâncias governamentais, por meio de competências legalmente definidas. Além disso, promoveu a descentralização da receita proveniente da arrecadação de impostos. Para Aurélio Guimarães Cruvinel e Palos, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados Federal, em estudo apresentado em março de 2011, sobre a Constituição de 1988 e o pacto federativo fiscal, aponta que

Em resposta ao desequilíbrio fiscal que a Constituição lhe outorgou, a União lançou mão da criação e majoração de alíquotas de tributos não partilhados, sobretudo de contribuições sociais. Mais recentemente, em vista das severas restrições fiscais sofridas pelos governos subnacionais, a União tem-se valido de medidas paliativas, tais como a entrega de recursos a título de auxílio financeiro a Estados e Municípios e o incremento marginal na participação destes entes na

arrecadação federal (p. 3).

Em vista disso, dentre as principais transferências89 da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, destacam-se:

 Fundo de Participação dos Municípios - FPM;  Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR;

 Fundo de Compensação pela Exportação de Produtos Industrializados - FPEX;  Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE;

 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb.

Desde a Constituição de 1946, esta desigualdade horizontal de capacidade de arrecadação tem sido compensada por esse sistema de transferências fiscais, obrigatórias, de caráter constitucional, que distribuem parte das receitas arrecadadas pela União para Estados e municípios, bem como dos Estados para seus respectivos municípios (ARRETCHE, 2004). Para o Tesouro Nacional90, o rateio da receita proveniente da arrecadação de impostos entre os entes federados, representa um mecanismo fundamental para amenizar as desigualdades regionais, na busca incessante de promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e Municípios. No entanto, persiste a desigualdade financeira. A situação dos municípios tem se agravado ao longo dos últimos 20 anos, com a transferência de responsabilidades do governo federal para eles. Não há equivalência entre os recursos transferidos e as atribuições que emergem das ações de governo, dentre elas as políticas públicas educacionais. A situação é tão crítica, que há Estados com municípios de tamanho correlato, com significativa desigualdade financeira. Segundo relatório coordenado por Gilberto Amaral, publicado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), no ano de 2013, os tributos federais respondiam por 69,96% de toda a arrecadação tributária, enquanto que os tributos estaduais correspondiam a 24,71% e os municipais por 5,33%. Ainda segundo a publicação, a carga tributária brasileira de 2012 bateu o recorde histórico, atingindo 36,27% do PIB, com crescimento de 0,25 ponto percentual em relação ao ano

89 Transferências obrigatórias da União e Estados disponível em: <

http://www3.tesouro.gov.br/estados_municipios/transferencias_constitucionais_novosite.asp>. Acesso: 14 mai. 2014

90 Transferências constitucionais da União disponível em: <

http://www3.tesouro.gov.br/estados_municipios/transferencias_constitucionais_novosite.asp>. Acesso: 15 mai. 2014.

de 2011, que foi de 36,02%.

Segundo o Estadão91, em matéria publicada em março do ano de 2012, “despesas com funcionários públicos elevadas, receita própria reduzida, investimentos escassos ou até inexistentes: essa mistura levou duas em cada três cidades brasileiras (63,5%) a viver situação difícil ou crítica em 2010”. Nessa vertente, o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) divulgado oficialmente no ano de 2012, indicador criado pela Federação das Indústrias do Rio para medir a qualidade da administração financeira dos municípios brasileiros, aponta que apenas 95 (1,8%) das 5.266 prefeituras pesquisadas ganhou Conceito A - tinham a chamada Gestão de Excelência. O levantamento apontou que nas Regiões Sul e Sudeste ficavam 81 das 100 municipalidades com melhor desempenho nas finanças. Na ponta inversa, as 93 piores administrações municipais se concentram no Norte e no Nordeste - em correlação forte, mas não automática, com a renda.

Essa situação é também consequência da ingerência e má administração, o que podemos constatar nos dados apresentados no Relatório de Avaliação da Execução de Programas de Governo92 (AEPG), sobre o FUNDEB, elaborado pela Controladoria- Geral da União (CGU), divulgado no ano de 2013, onde é revelado que, nos quatro Estados e 120 municípios fiscalizados na amostra, dentre outras situações, em vários municípios foram verificadas despesas incompatíveis com o objetivo do Fundo, além de irregularidades em licitações. Segundo o relatório, na maioria dos Estados e municípios fiscalizados, o respectivo Conselho de Acompanhamento e Controle Social encontra-se estruturado, apresentando, no entanto, fragilidades no acompanhamento da execução dos recursos do fundo e na supervisão da realização do censo escolar. O relatório destaca ainda que, em 58,89% dos entes fiscalizados, houve a realização de despesas incompatíveis com o objeto do Fundo; em 41,12% houve a ocorrência de montagem, direcionamento e simulação de processos licitatórios.

No que tange ao FUNDEB, importante aqui pontuar, que o mesmo foi criado pelo governo federal, como sucessor do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do

91 Só 2% dos municípios no País tiveram boa administração financeira, aponta Firjan. Dados disponíveis

em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,so-2-dos-municipios-no-pais-tiveram-boa- administracao-financeira-aponta-firjan,849503,0.htm>. Acesso: 15 mai. 2014

92 Relatório de avaliação da gestão do Fundeb, disponível em: <

Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), na tentativa de concretizar o regime de colaboração entre os entes federados. Contudo, para Abrucio (2010),

O sucesso desses fundos federativos não pode esconder os problemas que ainda persistem no plano intergovernamental. Em primeiro lugar, eles conseguiram dar mais recursos aos governos que se responsabilizam pela política, mas mexeram pouco com as desigualdades regionais que marcam a federação brasileira. Para tanto, seria necessário que a União não só complementasse o dinheiro que falta para chegar à meta básica, mas que também fizesse política redistributiva. Caso contrário, a equalização se dá num patamar mínimo, e as redes dos estados mais ricos tendem a ter uma diferença substancial de condições em relação aos demais. Ressalte-se ainda que os governos subnacionais reclamam que nem a atividade supletiva mínima vem sendo exercida pelo governo federal (p. 64).

Todos esses dados apresentados nos parágrafos anteriores são para ilustrar a situação econômica escassa e crítica dos municípios brasileiros, que diretamente afeta as suas condições de funcionamento e investimento, comprometendo terminantemente as possibilidades para estabelecimento das condições para arcar, por exemplo, com as demandas que surgem no processo de implementação das políticas públicas educacionais, em especial para inserção e manutenção de tecnologias digitais nas escolas.

Políticas públicas educacionais são elaboradas em meio a uma correlação de forças políticas, econômicas e sociais, e por isso acreditamos que estão sujeitas a contradições, resistências, descontinuidades e por que não dizer abandono, como aconteceu com o piloto do Projeto UCA. Parte dessas situações decorre das dificuldades financeiras dos municípios brasileiros em arcar com as responsabilidades previstas para implementação, manutenção das atividades e equipamentos, inerentes a execução destas políticas, por conta do modelo em voga na administração pública brasileira para implantação de políticas públicas, a adesão.

4.2 Atribuições X dificuldades financeiras X contradições na base governista: a

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