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CAPÍTULO 4 AS INTERFACES DA IMPLEMENTAÇÃO DO PILOTO DO PROJETO UCA NA BAHIA: LIÇÕES QUE SE REPETEM EM UM NOVO

4.5 Perspectivas e desejos

São evidentes as inovações e mudanças pelas quais passaram as escolas participantes do Projeto UCA, reconhecendo-se, evidentemente, que em algumas as transformações foram em maiores proporção do que em outras. No entanto, o eixo

comum que perpassou toda a nossa análise, partindo de Brasília, de onde emanam as políticas, até a chegada em cada uma das escolas, para onde estas políticas são formuladas, foi a carência de infraestrutura e a dificuldade de um efetivo projeto de Nação que englobasse todos os entes federados com suas respectivas responsabilidades. Podemos dizer que a palavra de ordem identificada ao longo da pesquisa foi escassez, o que compromete, de forma visceral, a exploração plena do laptop numa perspectiva transformadora.

Observa-se, então, que estes problemas persistem e são recorrentes, apesar das tentativas, por vezes pífias, do governo federal em implantar políticas públicas que visam o enfrentamento dessas situações. Concordamos com Palmeira (1996, p.160) ao sublinhar que “a análise de uma política pública é reveladora de que, no nível ideológico, sua finalidade é a redução das desigualdades sociais e a garantia da justiça social”. No entanto, nas políticas educacionais, cujas ações reverberam diretamente no cotidiano escolar, essa finalidade ainda nos parece longínqua.

Nesse contexto, para Santos (2006)

O desejável seria que, a partir de uma visão de conjunto, houvesse redistribuição dos poderes e de recursos entre as diversas esferas político-administrativas do poder, assim como uma redistribuição das prerrogativas e tarefas entre as diversas escalas territoriais, até mesmo com a reformulação da federação. Mas, para isso, é necessário haver um projeto nacional, e este não pode ser uma formulação automaticamente derivada do projeto hegemônico e limitativo da globalização atual. Ao contrário, partindo das realidades e das necessidades de cada nação, deve não só entendê-las, como também constituir uma promessa de reformulação da própria ordem mundial (p. 75).

Desta forma, o Estado brasileiro deve discutir amplamente a construção de um “projeto nacional” (SANTOS, 2006), um projeto que consiga ultrapassar a visão estritamente economicista que tem sistematicamente embasado as políticas públicas quer sejam de governo, quer sejam de Estado, como aponta Ball (2004, p. 1109),

Cada vez mais, as políticas sociais e educacionais estão sendo articuladas e legitimadas explícita, direta e, muitas vezes, exclusivamente em função do seu papel em aumentar a competitividade econômica por meio do desenvolvimento das habilidades, capacidades e disposições exigidas pelas novas formas econômicas da alta modernidade.

No entanto, há otimismo quanto ao futuro. Alunos, professores e gestores das escolas falam, em seus depoimentos, das suas perspectivas e desejos para o futuro do Projeto, convergindo em muitos aspectos. Há, sobretudo, o reconhecimento da sua importância, contudo, as intercorrências na sua implementação fazem com que os sujeitos lamentem por todas as situações descritas até aqui, e ainda assim projetem dias futuros com melhores perspectivas.

[...] eu só espero que... é como eu disse antes, que ele se mantenha, que não seja diminuído, mas, muito pelo contrário, que seja reforçado para avançar, para melhorar a qualidade da máquina, e que outras escolas possam entrar no programa. Que as escolas possam ter sinal de qualidade, porque do que adianta você ter vinte e cinco crianças, cada uma com seu laptop, e apenas dez terem sinal de internet? Doze, quinze terem sinal? E os outros não! É complicado! (Professor 1 da escola F).

Eu acho que é um projeto bom, mas que precisa ser reformulado na questão técnica, porque o computador é muito frágil. A gente sabe das dificuldades que ele apresenta na questão da memória, de problemas que não temos como resolver; os técnicos que temos não têm condições de resolver, até por que é um projeto piloto e não tem uma logística para resolver os problemas. Acho que é interessante investir mais em um computador por aluno (Gestor da escola F).

Essas limitações e insuficiências do Projeto são apontadas por professores das universidades responsáveis pela formação e pelo acompanhamento dessas experiências, a exemplo da responsável pela IES Global/UFRJ:

Acho que o grande desafio é um problema de gestão do projeto como um todo. [...] Então, no momento que eu mantenho uma estrutura formal, sem um efetivo comprometimento com metas, sem uma liderança em nível do próprio Ministério... está precisando realmente sermos ouvidos, todos que estamos no projeto... uma finalização, pois é um projeto para continuar... então, acho que essas é que são as fragilidades. O projeto continua porque nós somos o projeto, somos apaixonados pelo projeto, acreditamos, fazemos com o coração. Em termos de política pública, eu acho que fragiliza um pouco quando você pensa em termos de Brasil. Eu acho que está faltando uma visão estratégica do projeto.

As políticas públicas educacionais são construídas para o enfrentamento das demandas sociais, políticas e econômicas, a partir das concepções de sociedade dos

setores dominantes (políticos, econômicos, sociais), promovendo “uma determinada política social em função de seus interesses estratégicos, utilizando, para isso, as estruturas políticas sobre as quais exercem hegemonia” (BIANCHETTI, 2005, p. 89). Embates são estabelecidos ao longo do tempo no sentido de alinhar ou desalinhar estas ações, em função da organização política da sociedade e interesses das lideranças políticas. Nesses embates é que as políticas gestadas de forma centralizada, como foi o caso do Projeto UCA, e sem uma ampla discussão com a sociedade, vão sofrendo modificações quanto ao que foi projetado inicialmente para o mesmo. Modificações que podem não retornar ao texto original do projeto, como estamos a ver no caso do UCA, mas que, na prática, vão promovendo transformações, em alguns casos até radicais, em função de um poder político local ou de um corpo docente ativista e comprometido, que contribuem para um repensar a educação e o papel da escola. Escola esta que, fortalecida e com professores empoderados política e intelectualmente, estaria inserida na sociedade enquanto importante baluarte da construção da democracia. Como afirmam Santos; Silva e Pinto da Silva (2013, p. 102), ao analisarem os mecanismos de gestão democrática da escola, ela “representaria, no plano micro político, a possibilidade de efetivação de novas formas de participação popular que buscam a criação de uma cultura política democrática nos diferentes espaços sociais”. Participação esta que teria nas tecnologias digitais de informação e comunicação, se plenamente presentes nas escolas, um elemento fundante de importância crucial para inseri-las no contexto nacional e internacional, com o fortalecimento da cultura local.

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