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Corte Constitucional ou Suprema Corte?

No documento anacristinacostasoares (páginas 112-116)

3 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E AS CONTRIBUIÇÕES DA SUPREMA CORTE ESTADUNIDENSE E DOS TRIBUNAIS CONSTITUCIONAIS

3.3 Corte Constitucional ou Suprema Corte?

Favoreu (2004), distinguindo o modelo constitucional estadunidense do modelo constitucional europeu, procura explicar o que representa uma Corte Constitucional, esta “é uma jurisdição criada para conhecer especial e exclusivamente o contencioso constitucional, situada fora do aparelho constitucional ordinário e independente deste e dos poderes públicos” (2004, p. 15). Conforme explica o autor, o modelo denominado

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europeu de jurisdição constitucional concentra-se nas Cortes constitucionais e foi criado por Kelsen para a Constituição da Áustria de 1920, em contraposição ao modelo estadunidense (2004, p.17). O modelo estadunidense, diferentemente, não conta com uma Corte para exercer exclusivamente a jurisdição constitucional, os tribunais ordinários podem também proferir decisões em litígios de qualquer natureza, de forma que: “a justiça constitucional é confiada ao conjunto do aparelho jurisdicional” (2004, p. 17). No modelo europeu, como dito, a competência do Tribunal é exclusiva, tendo sido criado para o exercício dessa única atividade.

O modelo kelseniano prevaleceu em vários países da Europa, em virtude da “sacralização da lei”. Destaca Favoreu (2004) que “a partir da Revolução de 1789, ao longo do século XIX e início do século XX, o dogma rousseauniano da infalibilidade da lei se impôs e raramente foi posto em dúvida” (2004, p. 20). Nos Estados Unidos, por sua vez, prevalece a concepção da sacralidade da Constituição; na Europa é a lei que é sagrada (2004, p. 20). A adoção do modelo kelseniano na Europa em lugar do modelo estadunidense, Favoreu (2004) explica que se deu por razões históricas, estas foram determinantes porque “não temos mais confiança nos juízes ordinários. Além disso, não temos mais medo de ferir a soberania do legislador, pois o legislador falhou em sua missão; mostrou que podia ser opressor e fez surgir a necessidade de defender-se dele também” (2004, p. 23). Em relação à separação de poderes, uma Corte Constitucional surge como o modelo mais adequado, pois a jurisdição constitucional “situa-se fora dos três poderes dos quais ela é encarregada de fazer respeitar as respectivas atribuições” (FAVOREU, 2004, p. 25).

Ao discorrer sobre as características do modelo europeu, Favoreu (2004) afirmou que o exercício de uma verdadeira jurisdição é importante, a Corte Constitucional ao proferir inconstitucionalidades deve assegurar o Direito com “autoridade de coisa julgada”, que com sua declaração termine em anulações com efeito

erga omnes, ou seja, alcançando todos. A contrário senso, se não se pode anular a lei,

resta a dúvida se a Corte exerceu uma verdadeira jurisdição. Entretanto, se a Corte “oficialmente reescrever a lei e substituir os dispositivos legislativos por seus próprios dispositivos, ela exerce a função de legislador”, mas isso é impossível ao órgão que exerce jurisdição constitucional, sua atuação dever ser apenas o exercício de uma função controle (2004, p. 32-33).

A diferença fundamental que serve para caracterizar uma Corte Constitucional de uma Corte Suprema reside no fato dela estar situada fora de todo aparelho

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jurisdicional, enquanto a segunda “está necessariamente – daí seu nome – colocada no cume de um edifício jurisdicional” (FAVOREU, 2004, p. 33). Distingue-se, ainda, a Corte Constitucional por exercer o controle de constitucionalidade da lei de forma concentrada, ou seja, com exclusividade, assim, nenhum outro órgão de jurisdição ordinária tem essa competência, podendo a Corte “corrigir, até anular, as escolhas políticas fundamentais feitas pelo legislador, representante da vontade geral” (FAVOREU, 2004, p. 34).

Referindo-se especificamente ao Tribunal Constitucional alemão, Favoreu (2004) sustenta que é enorme a influência da jurisprudência da Corte, seja na esfera jurídica, seja na esfera política, sendo habitual na Alemanha dizer “até mesmo acima do Estado de direito, fica o Estado dos juízes”, afirmação que levanta a questão sobre os “limites dos poderes dos juízes constitucionais” (FAVOREU, 2004, p. 75). Na esfera jurídica, os direitos fundamentais são vistos pelo ângulo objetivo, não somente subjetivo por parte dos particulares frente ao Estado, mas, “como sistema de valor imposto ao legislador, ao juiz e ao administrador” (FAVOREU, 2004, p. 75), que tem no Tribunal Constitucional mecanismo de efetivação desses direitos, qualquer desrespeito às suas decisões permite recurso a ele, fator que concede “unidade na interpretação dos textos constitucionais” e em especial aqueles relativos aos direitos fundamentais (2004, p. 75). Na esfera política, o Tribunal Constitucional defende a ordem liberal contra partidos e indivíduos que intentem ofendê-la. Sustenta Favoreu (2004) que o poder da Corte “jurisdicionou a vida e os debates políticos”; que o legislador subordinado à lei reconhece que o Tribunal pode controlá-lo; como controla, através de “um poder de arbitragem enorme”, os conflitos de “atribuições entre os órgãos constitucionais ou entre Federação e Länder” (2004, p. 76). Ademais, a Corte é indispensável “no estabelecimento e no fortalecimento da coesão da sociedade política, sendo ‘ao mesmo tempo um elemento estabilizador e uma força de integração” (FAVOREU, 2004, p. 76).

Favoreu (2004) exemplifica os efeitos da decisão da Corte Constitucional alemã: primeiramente, o Tribunal não é obrigado a julgar todos os recursos a fundo e realiza uma triagem pela qual a Corte seleciona os casos que carecem de evolução do direito constitucional; também pode não se restringir às conclusões que lhe chegam por provocação; pode também de ofício levantar inconstitucionalidades. Constatada a inconstitucionalidade, a Corte deve anular o dispositivo legislativo, todavia, cada vez mais evita tomar esta decisão em virtude das consequências de seu ato, optando por

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caminhos alternativos: i) caso decida pela anulação da lei, não lhe concede efeito retroativo, no intuito de evitar consequências que um controle a posteriori sobre a lei poderia provocar, tais como a própria aplicação da lei que durante anos provocou efeitos secundários. Prefere o Tribunal, nesses casos, declarar nula a lei, mas as decisões anteriores em relação essa lei subsistem (entre 1951 a 1970, apenas 5 leis foram anuladas totalmente); ii) anulação parcial qualitativa, sem cortar o texto, decide a Corte que ela se aplica apenas a determinadas situações; iii) a partir de 1955, o Tribunal adotou a interpretação conforme, por esta, a lei é mantida em vigor, mas sua interpretação será conforme a interpretação dada por aquele juiz constitucional que declarou a inconstitucionalidade, “técnica só utilizada se o sentido e a finalidade da lei são respeitados” (2004, p. 72), de uso cada vez mais comum: “a interpretação conforme se mostra, com mais frequência, como uma operação de retificação normativa que permitiria aparar as ‘arestas’ da produção normativa sem desprezar a lei”; iv) em 1958, a Corte criou outra variante, “a declaração de inconstitucionalidade sem a subsequente anulação”, inovação que se desenvolveu a partir de 1970”; v) técnica da anulação

diferida, casos em que a lei não é inconstitucional na sua origem, mas se torna

inconstitucional progressivamente em virtude dos fatos ou do direito, o Tribunal atribui- lhe precariedade, “indicando ao legislador que ela é somente provisoriamente constitucional, por razões explicadas no motivo, ordenando-o modificar a lei e dando- lhe às vezes um prazo fixo” (2004, p. 72). Todas essas modalidades, nos parece, intentam preservar as atribuições específicas do Legislativo, exceto no caso da anulação total, mas como vimos é de pouquíssimo uso por parte do Tribunal.

Toda essa atuação da Corte Constitucional alemã acabou por suscitar “um questionamento da legitimidade da todo-poderosa jurisdição constitucional” (2004, p. 76), que Favoreu (2004) defende:

A dúvida formulada (quanto à) atitude do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (de) controlar o legislador, enquanto se beneficia de uma legitimidade democrática, tornou-se moda na literatura e o símbolo de um pensamento jurídico progressista. A crítica foi feita após as decisões relativas ao tratado com a Alemanha do Leste e à lei do aborto, acusou-se o juiz constitucional de imiscuir- se na esfera de ação do poder político. Mas, de fato, o controle do juiz constitucional é necessário, pois ele compensa o enfraquecimento do controle parlamentar sobre a ação governamental: “O desaparecimento na prática da responsabilidade parlamentar do governo faz com que o Tribunal Constitucional Federal seja levado

115 cada vez mais a assumir essa função, a fim de garantir um controle efetivo do governo” (FAVOREU, 2004, p. 76).

As observações de Favoreu (2004) a respeito da atuação do Tribunal Constitucional Federal, tais como: controlar o legislador; em relação à legitimidade democrática da Corte; sobre a possibilidade de invasão à esfera de competência de outro poder; sobre o enfraquecimento do controle parlamentar a respeito das ações governamentais, parece-nos muito semelhantes aos debates ocorridos no Brasil sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal depois da Constituição de 1988, de maneira especial ao alvorecer do século XXI.

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