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John Rawls e a Suprema Corte como modelo de razão pública

No documento anacristinacostasoares (páginas 161-165)

4 ESTADOS UNIDOS E ALEMANHA ORGANIZANDO O DEBATE SOBRE A CORTE CONSTITUCIONAL

4.3 John Rawls e a Suprema Corte como modelo de razão pública

John Rawls (2011), por sua vez, considera que numa democracia constitucional o papel do Judiciário opera como um fórum oficial entre o Parlamento e o Executivo, sobretudo ao seu Tribunal Supremo que exerce o controle de constitucionalidade das leis. Justifica Rawls (2011) tal posicionamento afirmando que “os juízes têm de explicar e justificar suas decisões com base no entendimento que têm da Constituição e das leis e precedentes” (2011, p. 254), os poderes Executivo e Legislativo estão dispensados dessa forma de justificação. Caracteriza Rawls (2011) os fóruns em que o poder político como um poder coercitivo pode ocorrer e ser exercido entre pessoas de uma determinada sociedade, que enfrentam uma diversidade de “doutrinas religiosas, filosóficas e morais razoáveis encontrada em sociedades democráticas [que] constitui uma característica permanente da cultura pública, e não uma simples circunstância histórica fadada a logo desaparecer” (2011, p. 255).

Rawls (2011) descreve o seu ideal de razão pública numa sociedade política. Trata-se de um “modo de formular seus planos, de colocar seus fins em uma ordem de prioridades e de tomar suas decisões em conformidade com tais planos e prioridades” (2011, p. 250). A razão pública “é característica de um povo democrático: é a razão de seus cidadãos, daqueles que compartilham do status da cidadania igual” (2011, p. 250), o objeto é o bem público. A razão é pública de três maneiras, segundo Rawls (2011): i)

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“como a razão dos cidadãos enquanto tais é a razão do público”; ii) “seu objeto é o bem público, além de questões de justiça fundamental”; iii) “sua natureza e seu conteúdo são públicos, uma vez que são determinados pelos ideais e princípios expressos pela concepção política de justiça da sociedade” (2011, p. 251).

Defende Rawls (2011) que a Suprema Corte é um modelo de razão pública, pois num regime constitucional, em que ocorre o controle de constitucionalidade das leis, “a razão pública é a razão de seu tribunal supremo” (2011, p. 272). Distingue Rawls (2011) uma importante questão sobre essa afirmativa. Primeiramente, “a razão pública é bastante apropriada para ser a razão do tribunal, ao exercer seu papel de intérprete judicial último, mas não o de intérprete último da lei mais alta” (2011, p. 273); segundo, porque “a Suprema Corte é o ramo de poder do Estado que serve de caso exemplar de razão pública” (2011, p. 273).

Justifica Rawls (2011, p. 273) essas assertivas, estabelecendo cinco princípios: i) o primeiro se refere à distinção entre o poder constituinte do povo e o poder ordinário, aquele regula este e somente aparece perante a dissolução do último; ii) o segundo guarda relação com a distinção entre a lei mais alta e a lei ordinária: “a lei mais alta é a expressão do poder constituinte do povo e é investida da autoridade mais elevada da vontade de ‘Nós, o povo’” (2011, p. 273), a lei ordinária é a expressão da atribuição do Parlamento e do poder do eleitorado. “A lei mais alta obriga e guia este poder”; iii) o terceiro princípio trata da Constituição democrática como “uma expressão fundada em princípios, na lei mais alta, do ideal político de um povo se autogovernar de certa maneira” (2011, p. 273), o objetivo da razão pública é regular esse ideal. Alguns desses estão descritos no preâmbulo da Constituição.

Como quarto princípio Rawls (2011) sustenta que: iv) que por intermédio de uma Constituição democrática e ratificada, que agregue a seu texto uma Carta de Direitos, o povo fixa os seus elementos constitucionais essenciais, como a liberdade. As leis ordinárias devem ser promulgadas obedecendo à forma e ao conteúdo, por meio da qual o “povo pode expressar, mesmo que não o faça, sua vontade democrática refletida, e certamente essa vontade não tem como existir sem esses procedimentos” (2011, p. 274); o quinto princípio se refere aos três poderes do Estado. Afirma Rawls (2011) que “o poder supremo não pode ser depositado nas mãos da legislatura, nem mesmo de um tribunal supremo, que é somente o intérprete judicial de última instância da Constituição” (2011, p. 274). Para nós, esse é um dos princípios que mais possibilidade concede à distinção da obra de Rawls (2011) perante aquelas que enxergam que o poder

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supremo reside no povo. Quando ele afirma que “o poder supremo pertence aos três poderes, em uma relação adequadamente especificada entre si, em que cada um deles é responsável perante o povo”, ele parece impor uma mediação para o exercício do poder do povo, seja através do Executivo, do Legislativo e mesmo do Judiciário num sistema democrático de freios e contrapesos.

Rawls (2011) refere-se à concepção dualista de democracia constitucional que distingue o poder constituinte do poder ordinário, a lei mais alta do povo e a lei ordinária “aprovada por instituições legislativas” (2011, p. 275). Nesse cenário, a supremacia legislativa é rejeitada. Não se pode acusar o supremo tribunal de exercer um papel antimajoritário, quando aplica a razão pública “o tribunal age para evitar que a lei seja erodida pela legislação de maiorias transitórias ou, o que é mais provável, que corresponda a interesses estreitos” (2011, p. 275). Por outro lado, exerce um papel antimajoritário quando na revisão judicial, que é uma prerrogativa do tribunal frente à lei ordinária inconstitucional, de forma que o tribunal não é antimajoritário quando guarda a Constituição.

Quanto ao segundo princípio, Rawls (2011) afirma que o tribunal supremo não pode atuar apenas defensivamente. Sendo ele o modelo institucional da razão pública, é “o único ramo dos poderes do Estado que se apresenta, de forma visível, como uma criatura dessa razão e exclusivamente a ela” (2011, p. 278). Os cidadãos não precisam justificar seus votos, os legisladores também não, desde que questões constitucionais não estejam em jogo. Os juízes devem recorrer à razão pública, justificando por que votam e como o fazem, seu papel é “fazer precisamente isso e, ao fazê-lo, eles não dispõem de nenhuma outra razão, nem de outro valor, a não ser aqueles de índole política” (2011, p. 278). Por isso que afirmar que a Suprema Corte:

é a instituição exemplar da razão pública significa também que cabe aos magistrados elaborar e expressar, em suas sentenças fundamentadas, a melhor interpretação da Constituição de que sejam capazes, valendo-se para isso de seu conhecimento sobre o que a Constituição e os precedentes constitucionais requerem (RAWLS, 2011, p. 279).

Diante dessa obrigação de fundamentação das sentenças com base na interpretação da Constituição, não cabe qualquer juízo que reflita a moralidade pessoal do juiz, “nem os ideais e as virtudes da moralidade geral” (2011, p. 279). Conforme esclarece Rawls (2011), “o papel do tribunal nisso é parte da publicidade da razão e

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constitui um aspecto do papel amplo, ou educativo, da razão pública” (2011, p. 279). Não se trata de impor que os juízes não divirjam entre si ou mesmo os cidadãos em relação ao que entendem sobre a Constituição, salienta Rawls (2011):

o papel da Suprema Corte como mais alto intérprete judicial da Constituição supõe que as concepções políticas que os juízes subscrevem e seus pontos de vista sobre os elementos constitucionais essenciais atribuem aproximadamente o mesmo lugar ao núcleo central das liberdades fundamentais (RAWLS, 2011, p. 280).

Um terceiro aspecto em relação à Suprema Corte como modelo de razão pública deve estar voltado ao seu papel de “dar força e vitalidade à razão pública no fórum público, e isto o tribunal faz mediante julgamentos dotados de autoridade sobre questões políticas fundamentais” (RAWLS, 2011, p. 281). Caso assim não aja pode cair no “centro de uma controvérsia política cujos termos de resolução são valores públicos” (2011, p. 281).

Ressalta Rawls (2011) que “a Constituição não é o que a Suprema Corte diz que é. Mais precisamente, ela é o que o povo, agindo constitucionalmente por meio dos outros poderes, por fim permitirá à Corte dizer o que é” (2011, p. 281). Esse é um ideal defendido por Rawls. Porém, reconhece Rawls (2011), ao se referir à possibilidade de emendas constitucionais, que “qualquer grande mudança constitucional, que seja legítima ou não, a Suprema Corte está fadada a ser um centro de controvérsia” (2011, p. 283). O papel desempenhado pela Corte reconhece Rawls (2011), não raramente:

Obrigue a discussão política a transcorrer com base em princípios, de modo que a questão constitucional seja tratada em conformidade com os valores políticos da justiça e da razão pública. A discussão pública se converte em algo mais do que uma disputa por poder e por cargos. Ao fazer com que os cidadãos focalizem sua atenção em questões constitucionais básicas, educa-os para que utilizem a razão pública e seu valor de justiça política (RAWLS, 2011, p. 283).

Podemos ver, pelo recorte teórico apresentado anteriormente, através das teorias de Dworkin, Ely e Rawls, que todas elas se voltam para o mesmo problema referente à atuação da Suprema Corte como uma instituição, que compõe um dos poderes do Estado, o poder Judiciário. Cada um dos autores faz uma abordagem do Tribunal, objetivando discutir possíveis limites sobre os juízes, que o compõem em relação a um comportamento democrático frente à Constituição. Cada qual defende sua própria teoria

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tendo o mesmo objeto de análise. Porém por uma visão específica, assim nos deparamos com fórum de princípios, leitura moral, razão pública. Fato que demonstra a importância da eleição do objeto de análise e a riqueza das teorias desenvolvidas. Todas essas formas nos permitem compreender o comportamento da Suprema Corte e tentar explicar a partir dessas teorias o funcionamento do Supremo Tribunal Federal.

No documento anacristinacostasoares (páginas 161-165)