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CAPÍTULO I – FESTA E FARDAMENTO: O EXTRAORDINÁRIO E O COTIDIANO

1.1 O COTIDIANO À ÉPOCA DO MORGADO

Minha Srª todo o meo amor nas cartas que lhe tenho escrito nestes tempos e vão justamente com esta lhe lembro os meos despachos, e lhe explico o q’ quero q’ se faça para engrandecer, cismar de graças espirituais a mª Capela para Salvação das almas peça lhe que entre nestes dous projectos com todo o empenho, faça valer os meos trabalhos q’ não tem sido poucos por estes remotos climas não falo nas saudades da Pátria, no cuidado e amor de D. Leonor e dos filhos tenho padecido muito, e ainda que a saúde me não té faltado, tenho curado mtª sarna, muito leicenço, mtª mazela, sustos do mal de Lazaro e perigo das picadas das cobras, que estão onde quer, estou mtº cançado de lidar cõ esta multidão de negocios e de gentes em que tenho gastado todo o meo vigor e actividade vou me enchendo de brancas e declinando na idade, e vespera de N. Srª dos Prazeres estive muito mal, e ainda vou agora apelando.

Já não temos senão do Srº Conde e ele só sabe o que tenho obrado o mtº que tenho escrito: vou por se tens resmas de papel e vinte e tanto libros de registro, não tenho sido infeliz nos meos projectos, e tenho posto esta Capitania morta em termos de augmentos, e percebo todos os inconvenientes do serviço de Sua Magestade neste Brazil; cousa que pode ser ainda não chegasse aos ouvidos do Srº Conde, e eu lhe pertendo explicar, pois só assim terá remédio.27

Em 20 de junho de 1770, Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, escreveu para a sua esposa, Dona Leonor, para lhe dar notícias sobre o que ocorria na capitania e saber o que estava acontecendo na metrópole. Ela o mantinha informado sobre o reino e o representava em Portugal. Suas correspondências primeiramente chegavam até ela, que logo em seguida as levava ao Senhor Conde. Na correspondência supracitada, Dom Luís reclamava para sua esposa que havia trabalhado muito para lidar com tanta gente durante todos esses tempos. Sua vida na capitania era de muito trabalho, conforme contava

27

Livros de registro das cartas particulares de Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, Morgado de Mateus, enquanto governador da capitania de São Paulo, 13 de maio de 1769 – 27 de setembro 1775. Originais 4V1806, doc. 1484 MS 553, vol. 1, documento 156. Acervo da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro.

para sua esposa. Nessa época, tinha 48 anos, achava-se velho, com os cabelos brancos sobressaindo, a idade avançando e pesando ao seu corpo.

Entre as agruras citadas na carta, existia o perigo das picadas de cobras, espalhadas por todo canto da cidade. Reclamava que estava sem vigor e sentia muitas saudades dos filhos e da esposa, que se encontravam no reino, mas tinha suas obrigações e se colocava à total disposição de Sua Majestade. Na época em que escreveu para Dona Leonor, havia ficado doente, com muitas mazelas, como sarna e leicenço (furúnculos). Segundo Saint-Hilarie, no século XIX, moléstias de pele eram comuns em São Paulo, principalmente a sarna, além das doenças venéreas, bastante difundidas na região.28 Todas essas malignidades ocorriam devido às más condições que havia na capitania e à falta de higiene, os miasmas29 da época. E em virtude de tudo isso Dom Luís, o Morgado, sentia-se como Lázaro.

Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, fiel vassalo30, como ele mesmo se definia para sua esposa, achava que a maior dificuldade enfrentada era a situação precária e decadente da capitania, caracterizada na carta escrita à sua esposa como uma “capitania morta”. Ele acreditava que a população de São Paulo, na maior parte do tempo, vivia na vadiagem, sem emprego, sem nenhum tipo de ocupação, sem moradia, vivia em plena liberdade, ociosidade e miséria sem fim, sem contar a falta de religião e de leis.

Estabeleceu que se incentivasse a propagação da lavoura, dando ordem para a Câmara expandir a plantação do algodão e da farinha.31 Acreditava que, se houvesse grandes plantações de algodão, a cidade ficaria mais povoada e

28

SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem à província de São Paulo. Vol. 18. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976, p.134.

29

Os miasmas seriam gerados pela sujeira encontrada nas cidades insalubres e também por gases formados pela putrefação de cadáveres humanos e de animais, isso ocorria no século XVIII. Estavam nas águas, no ar que originava as emanações fétidas e pútridas, sendo os maiores causadores de doenças. Com a chegada do Morgado de Mateus, a Câmara pediu para que seus moradores caiassem as casas e endireitassem as ruas, entulhando todos os buracos. Os moradores haveriam de limpar e preparar a cidade para a vinda do Morgado. Isso era uma forma de higienizá-la contra os miasmas da época, no período de 1765 a 1776. Ver: ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei. Legislação política urbana e territórios na cidade de São Paulo. Coleção Cidade Aberta. São Paulo: Studio Nobel/ Fapesp, 1997, p.40. MATROMAURO, Giovana Carla. Surtos epidêmicos, teoria miasmática e teoria bacteriológica: instrumentos de intervenção nos comportamentos dos habitantes da cidade do século XIX e início do XX. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH. São Paulo, julho 2011, p.1.

30

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 23, 1896, p.185.

31

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 73, 1952, p.89.

aumentaria a rotatividade do comércio. E, com o aumento do consumo, seriam maiores os rendimentos que iriam para Portugal. Para o Morgado, era necessário que se praticasse a lavoura.

Mas, além do plantio, o Morgado de Mateus também quis dinamizar o comércio para que as pessoas nele pudessem trabalhar.

Ilmº e Exmº Snr: Desejando de algum modo dar Providência para remediar a pobreza desta Capitania, tenho procurado por todos os modos por em execução das ordens de S. Magestade, introduzir nella comércio, para que mediante a conveniencia dos lucros, se convide a trabalhar o Povo, tenhão que fazer as mulheres, que não achão em que se ocupem, e se possão enriquecer as Alfandegas, por ser certo que nestas terras se não consome muito mayor quantidade de fazendas por não haver com que ellas se comprem, e se o povo tivesse que vender tão bem teria meyos para comprar, e importaria grossissimo cabedal o seu vestuário.

Esta falta hé tão grande, que me affirmou o Pe. Me. Fr. Joaquim de S. Jozé e Sª, Religiozo Capucho, e fidedigno, que indo a Quaresma passada dezobrigar ao bairro de S. Roque, que hé Freguezia da Cutia, se vierão confessar com elle 30, ou 40 homens, ou ainda mais, nº muito avultado sò com huma única vestia, que hião vestindo sucessivamente huns depois outros.32

Devido à carência de muitos moradores, segundo a afirmação do Padre Joaquim de S. José, religioso capucho do bairro de São Roque e Freguesia de Cotia33, reclamava que muitos homens não tinham roupas para o sacramento da confissão – havia uma única veste para mais ou menos 30 ou 40 homens, que ia passando de mão em mão. Para diminuir a falta de roupas na capitania, segundo o documento supracitado, o Morgado de Mateus buscou introduzir o comércio de fazendas (tecidos), assim o povo compraria, aumentando o lucro da Coroa.

32

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 23, 1896, p.383.

33

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 23, 1896, p.383.

Diante desse cenário, em 1768, o próprio Morgado de Mateus procurou fazer sociedade com alguns comerciantes da capitania. Mas qual era a finalidade dessa proposta do Morgado de Mateus? A sociedade visava incentivar que os mercadores comprassem entre si as lavouras de algodão, pois havia mais ou menos quatro mil arrobas34 estocadas nas casas dos lavradores. Isso fez o Morgado de Mateus procurar os comerciantes da capitania para comprar as plantações de algodão desses produtores, por isso quis fazer sociedade com os paulistas, para comprar o algodão e depois carregá-lo para o Reino por preços vantajosos.

Somente os homens de negócio de Santos aceitaram essa sociedade; os da cidade de São Paulo não quiseram se aliar ao Morgado de Mateus. Como consta em

História colonial de São Paulo, obra organizada por Maria Beatriz Nizza da Silva,

talvez os mercadores de São Paulo já fizessem seus negócios por terra com o Rio de Janeiro.35 Para Amílcar Torrão Filho, o governador não pôde contar com o apoio dos paulistanos para essa sociedade juntamente com os santistas talvez porque quisessem ter maiores lucros e pagar menos taxa; com isso, não precisariam dividir seus lucros com os santistas.36

Os negociantes de Santos se prontificaram a fazer parte dessa empreitada, mas tiveram que desembolsar uma determinada quantia em dinheiro para entrar na tal sociedade. Foram estes os negociantes que aceitaram a proposta do Morgado de Mateus e a soma que todos os comerciantes desembolsaram:

34

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 23, 1896, p.384.

35

SILVA, Maria Beatriz Nizza da (Org.). História de São Paulo Colonial. São Paulo: Editora Unesp, 2009, p.190.

36

TORRÃO FILHO, Amílcar. Paradigma do caos ou cidade da conversão? São Paulo na administração do Morgado de Mateus (1765 - 1775). São Paulo: Annablume/ Fapesp, 2007, p.208.

Tabela 1 - Sociedade proposta pelo Morgado aos comerciantes de Santos – 176837

Negociantes Quantia em dinheiro

Sargento-Mor João Ferreira 1:200$000

Sargento-Mor Angelo Figueira 200$000

Capitão José Bonifácio de Andrade 800$000

Capitão José Corrêia de Oliveira 800$000

Tenente Antonio José de Carvalho 800$000

Carlos Ferreira Gomes 400$000

Domingos Pereira Viegas 400$000

Sebasitão de Alvarenga Braga 400$000

Pedro Machado de Carvalho 400$000

Manuel de Freitas Mattos 200$000

Manuel de Souza Pereira 600$000

Francisco Carvalho Guimarães 400$000

João Francisco Gomes 200$000

Silvestre Cerqueira Lima 200$000

José Anastácio de Oliveira 400$000

Caetano Francisco Santiago 200$000

Ignacio Francisco Lustosa 200$000

Antônio Gonçalves Ribas 400$000

Total 8:200$000

A quantia arrecadada pelos negociantes santistas foi de 8:200$000, valor muito abaixo do que esperava Morgado de Mateus, inclusive fez com que o próprio reclamasse da quantia irrisória. Para ele, era muito pouco cabedal que havia nesta terra. Mas os mercadores de Santos, antes de liberar o dinheiro para a sociedade, apresentaram sete condições ao Morgado, que para ele eram impraticáveis.38 As condições eram:

→ 1º. Fundar uma casa da moeda na Praça de Santos, mas os camaristas39

de São Paulo queriam que a casa da moeda se localizasse em São Paulo, pois possuíam uma casa de fundição. Além disso, para eles São Paulo era a cabeça da Capitania,

37

Actas da Câmara da Cidade de São Paulo - 1765 -1770. São Paulo, vol. 15, 1765 - 1770, p.334.

38

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 23, 1896, p.385.

39

TORRÃO FILHO, Amílcar. Paradigma do caos ou cidade da conversão? São Paulo na administração do Morgado de Mateus (1765 - 1775). São Paulo: Annablume/ Fapesp, 2007, p. 208.

pois os comerciantes40 paulistanos tinham mais condições do que os de Santos. Sendo assim, a casa da moeda deveria ser em São Paulo.

→ 2º. Fazer o caminho de Santos até a cidade de São Paulo à custa da Fazenda Real. Para Heloísa Liberalli Belloto, a abertura de um novo caminho melhoraria a comunicação entre São Paulo e Santos; não favoreceria somente o comércio, mas também o armamento do planalto.41 Com a melhoria do comércio, aumentariam os rendimentos da capitania e, com isso, mais dinheiro chegaria à metrópole.

→ 3º. Proibir a vinda de tecidos da Europa. Talvez possamos entender que havia comércio de tecidos em São Paulo; devido às plantações de algodão, se desenvolvera uma indústria caseira que abastecia o comércio nas fazendas. No século XVII, Sérgio Buarque de Holanda, em Caminhos e fronteiras, relatou que a fabricação caseira de fios de algodão era uma função estritamente do lar. A maioria das famílias tinha seus teares em casa, e esses fios serviam de permuta42, eram como uma moeda da época. Muitos lavradores e comerciantes vendiam seus tecidos e fios em lugares onde não se podia plantar algodão por causa do clima. Francisco de Assis Vieira Bueno43, no século XIX, também afirmou que havia comércio de tecidos – só para comprar tecidos do dia a dia, umas vinte lojas. O consumo de tecidos finos era restrito às pessoas mais abastadas; as mais simples tinham acesso somente aos grosseiros, ou seja, para uso no dia a dia. Além da proibição da venda de tecidos europeus, os comerciantes estabeleceram que, caso houvesse uma quebra de contrato, suas transações estariam isentas de impostos. → 4º. Que a sociedade fosse livre e não tivesse pensão alguma de contrato ou outro imposto; de novo, porém, se queria exceção aos direitos que eram pagos à Sua Majestade em suas alfândegas.

→ 5º. Que os sócios entre si em tudo se ajustassem e pudessem desfazer o contrato quando lhes conviesse, porque, do contrário, ver-se-ia o comércio da capitania em maior decadência do que até então se havia experimentado.

40

Actas da Câmara da Cidade de São Paulo - 1765- 1770. São Paulo, vol. 15, 1765 - 1770, p.334- 335.

41

BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Autoridade e conflito no Brasil Colonial: Morgado de Mateus em São Paulo (1765 - 1775). 2ª. ed. São Paulo: Alameda, 2007, p.193.

42

HOLANDA, Sérgio Buarque. Caminhos e fronteiras. 3ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p.219.

43

BUENO, Francisco de Assis. A cidade de São Paulo. Vol. 2. São Paulo: Biblioteca Academia Paulista de Letras, 1976, p.16.

→ 6º. Que a sociedade não vendesse no varejo, e sim no atacado, ou seja, em grande quantidade, para não prejudicar os comerciantes. Quanto maior a quantidade de produto vendido, maior seria o montante em dinheiro que esses homens de negócio poderiam ganhar.

→ 7º. Que para se efetuar o referido seria preciso tempo conveniente para efeito de se ajustarem os interessados entre si e elegerem os caixas para tal comércio à sua satisfação na cidade de Lisboa, e mais partes necessárias para beneficiar a sociedade, ou sociedade que se fizesse.

Essas foram às sete condições propostas pelos homens de negócio de Santos para firmar sociedade com o governador. Mas essa sociedade não ocorreu com os comerciantes de São Paulo. Mesmo a cidade contando com negociantes mais abastados, havia alguns comerciantes pequenos, sem muitos recursos, devido ao fiado44, que logo faliam. Havia muitas dívidas e créditos, tudo isso devido à falta de dinheiro, que não circulava na cidade. A maioria da população vivia na base da troca45, trocava-se de tudo para suprir a falta de materiais de primeira necessidade, principalmente alimentos. Esta era a moeda corrente entre os moradores: a troca de materiais.

Segundo a pesquisa de Maria Aparecida de Menezes Borrego, na primeira metade do século XVIII, os portugueses com negócios estabelecidos em São Paulo convidavam parentes ou amigos de Portugal para tentar a sorte na cidade. O desenvolvimento dos comércios paulistanos se deu por um grupo de comerciantes que aqui estavam e foram ganhando projeção social46 nesse período.

Eu falo da mayor parte do Povo desta Capitania que vive assim por este modo, não falo daqueles filhos do Reyno que tem cazas de negocio, fazendas, ou lavras, nem daqueles fidalgos Paulistas que se conservão com seu modo de vida [...], ou a mayor parte do tempo em povoado, pois hé certo que eles tem toda a civilidade que se requer.47

44

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 23, 1896, p.33.

45

DIAS, Maria Odila da Silva Leite. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX – Ana Gertrudes de Jesus. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.78.

46

BORREGO, Maria Aparecida de Menezes. A teia mercantil: negócios e poderes em São Paulo Colonial (1711 - 1765). São Paulo: Alameda, 2010, p.68.

47

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 23, 1896, p.23.

Tudo leva a crer que, em meados do século XVIII, a riqueza dos negociantes de São Paulo era bem menor que a dos negociantes de grosso trato de Lisboa, da Bahia e do Rio de Janeiro, e esse panorama iria mudar somente na aproximação do século XIX.48 Mas na cidade havia uma teia mercantil49, como analisa Ilana Blaj, nas primeiras décadas do século XVIII, com vários comércios pela região do centro, se articulando com os bairros rurais. De acordo com informações dos Maços de População, havia muitos mercadores nas ruas do centro e também nos bairros ao redor, como Santana e Pari, entre outros.

Durante o seu governo, o Morgado de Mateus fez diversos inimigos, a ponto de muitos espalharem alguns pasquins. Em julho de 1767, escreveram ao Senhor Conde Cunha, vice-rei, contando sobre pasquins espalhados por São Paulo, colocados na porta da igreja do Carmo, na porta da igreja de Santa Tereza e em lugares públicos. Estava escrito que o Capitão-General era destruidor do povo, de lavoura, fidalgo de aldeia de meia-tigela e outros impropérios.50 As pessoas que colocaram os pasquins sabiam que ele estaria lá para participar da novena em intenção a Santa Rita. Isso o deixou muito irritado, a ponto de querer punir o autor de tamanha atrocidade. Esses acontecimentos eram a prova da insatisfação do povo; muitos temiam seu governo, principalmente a rigidez ao grande número de desertores. Quando esses ex-militares conseguiam fugir, eram presos os pais ou algum membro da família, como se observa no documento:

Faço saber a todos os officiaes dos referidos corpos das ordenanças, mliitares e de justiça em geral, que todos, e cada hum de per si nos respectivos Destrictos e companhia, ponham a mayor vigilancia pª cohibir este mal de tam perniciozas consequencias, fazendo logo prender toda e qualquer pessoa que se achar cumplice em semelhante delite, ou sejam dezertores ou auxiliares ordeno que sendo conhecido a sua culpa, irremessivelmente se proceda com priozoens e remessa pª este corpo da guarda de Fortaleza da Marinha, a custa de seos próprios bens, que lhe serão logo aprehendidos té eu resolver, nos cazos q’ occorrerem, o q’ me parecer mais

48

MEDICCI, Ana Paula. Administrando conflitos: o exercício do poder e os interesses mercantis na capitania/província de São Paulo (1765 – 1822). Tese (Doutorado em História Social), Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 2010, p.47.

49

BLAJ, Ilana. A trama das tensões: o processo de mercantilização de São Paulo Colonial (1681 - 1721). São Paulo: Humanitas/ FFLCH-USP/ Fapesp, 2002, p.261.

50

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 23, 1896, p.189.

conforme com as Reaes Intençoens e Leys de sua Magestade: E outro sim mando se proceda na mesma forma contra os pays e familiares dos mesmos dezertores emquanto não apparecerem, ou prezos ou voluntariamente restituidos aos seus respectivos corpos.51

O governo de Dom Luís Antônio e Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, na capitania de São Paulo, no período de 1765 a 1775, deixou marcas profundas. Ele incentivou o plantio, militarizou, demarcou fronteiras no início de seu governo através do Maço de População, o censo da época, fez o recenseamento com o objetivo de adquirir um conhecimento maior sobre a população, saber o que cada recenseado produzia, quais eram suas rendas e com quem poderia contar para a formação das tropas.52 Mesmo com todo o rigor que havia na lei para os desertores, os paulistas eram considerados os mais aptos para a vida militar.53

Todas essas informações foram obtidas através dos Maços de População, que estão arquivados no Arquivo Público do Estado de São Paulo:

Os Maços de População são estruturados como listas nominativas anuais, que relacionam informações detalhadas sobre cada indivíduo, livre ou escravo, por domicílio: nome, idade, grau de parentesco ou de relação com o chefe do domicílio, estado conjugal, cor, naturalidade e ocupação, além dos dados sobre a atividade econômica do domicílio. Os domicílios de cada vila eram reunidos por Companhia de Ordenança, em maior ou menor número, dependendo das dimensões da população. Ao final, tabelas (“mapas”) resumiam as informações demográficas e econômicas por vila, permitindo a tabulação final dos dados referentes a todo o território paulista.54

51

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 33, 1901, p.184.

52

TORRÃO FILHO, Amílcar. O “milagre da onipotência” e a dispersão dos vadios: política urbanizadora e civilizadora em São Paulo na administração do Morgado de Mateus (1765 - 1775). São Paulo: Annablume/ Fapesp, 2007, p.159.

53

BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Autoridade e conflito no Brasil Colonial: o governo do Morgado de Mateus em São Paulo (1765 - 1775). 2ª. ed. São Paulo: Alameda, 2007, p.101.

54

SÃO PAULO (Estado). Arquivo Público do Estado de São Paulo. Viver em São Paulo.

Recenseando a população. Disponível em: <http://www.arquivoestado.sp.gov.br/viver/

Através de pesquisa realizada nos Maços de População referentes ao período de 1765 a 1776, é possível verificar quais regiões da cidade tinham mais comerciantes: geralmente eram os bairros situados no triângulo da região central de São Paulo. Com essa informação colhida, Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, precisava organizar a capitania para obter recursos