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CAPÍTULO III – VESTIMENTA E DISTINÇÃO: GÊNERO, IDADE E

3.2 ROUPAS DE HOMEM

O homem que não vê, na moda, senão a moda é um tolo. A vida elegante não exclui nem o pensamento nem a ciência: ela os consagra.280

De acordo com Gilda de Mello e Souza281, a vestimenta é uma linguagem simbólica, usada pelo homem de maneira inteligente, em ocasiões diferentes, seguindo uma etiqueta, um conjunto de normas que torna a vida cotidiana mais harmoniosa e elegante, servindo como um indicador da civilidade – seria preciso fazer valer o que se veste. O entendimento da etiqueta pode representar uma grande ajuda no desenvolvimento do indivíduo. Claudine Haroche define que o uso da etiqueta atribui um lugar fixo a uma posição, reflete as funções que impõem a ordem social.282

A elite da cidade de São Paulo seguia essas normas? Os “homens bons”283

pertenciam à elite, aqueles que supostamente eram os puros de sangue, pois faziam parte das confrarias, das ordens terceiras e dos cavaleiros de Cristo. Somente eles podiam vestir sedas, brocados e portar armas. Isso servia para distinguir os homens ricos e os homens livres pobres, os que eram puros de sangue e os que não pertenciam à elite, cada um vivendo de acordo com a sua condição de vida, que nada mais é que uma representação entre personagens, seguindo uma hierarquia.284

No início século XIX, em sua viagem à província de São Paulo, Auguste de Saint-Hilaire relatou que os homens da zona rural de São Paulo se vestiam com um enorme chapéu, uma calça de algodão e um poncho, independentemente da

280 BAUDELAIRE, Charles; BALZAC, Honoré de; D‟AUREVILLY, Barbey. Manual do dândi: a vida

com estilo. Organização tradução e notas de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p.82.

281

SOUZA, Gilda de Mello. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.125.

282

HAROCHE, Claudine. A condição sensível: formas e maneiras de sentir no ocidente. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2008, p.50.

283 “Homens bons” eram ricos proprietários que definiam os rumos políticos das vilas e cidades. O

povo não podia participar da vida pública, eram os “homens ricos” que regulamentavam e regiam a vida da maioria da população. Ver: MIRANDA, Lilian Lisboa. Gentes de baixa esfera em São Paulo: Quotidiano e violência nos setecentos. Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1997, p.56.

284

RIBEIRO, Renato Janine. A etiqueta no antigo regime: do sangue à doce vida. 3ª. ed. São Paulo: Brasilense, 1990, p.88.

condição climática – tanto poderia fazer frio como calor, estavam eles sempre com seus ponchos. Eram chamados de caipiras285 pelos que moravam na cidade de São Paulo, que em geral não tinham nenhuma consideração por esses homens simples da zona rural. Sendo assim, verifica-se que a sociedade pode desclassificar ou classificar286 a pessoa de acordo com o modo como ela se veste ou se comporta perante o outro. Foi assim que os paulistas classificaram os caipiras, pela maneira obsoleta de se vestir, algo nada atrativo aos seus olhos. Fernand Braudel cita que o camponês da França, durante o século XVIII, andava malvestido, suas roupas mal cobriam seus corpos e o pouco que possuíam mal os protegia.287 Isso segue uma regra geral na sociedade estamental, cada grupo se veste de acordo com seu grupo social.

Alcântara Machado relata que as roupas essenciais no século XVII se reduzem a roupetas, ferragoulo e calção. Ele menciona os tecidos com que eram confeccionadas essas roupas:

[...] roupeta, ferragoulo e calção. Abertanas ilhargas, toma a roupeta o nome de saltimbarca. Ferragoulo se chama, quando provida de cabeção ou gola e capelo ou capuz, e pode ser aberta nas ombreiras”.Triunfam os tecidos mais ou menos grosseiros de algodão e de lã, como o picote da terra, o fustão, o picotilho, o brim, o burel, a bombazina, a estamenha de Castela, a seguilha, o crisé ou grisé, o paratudo, o partalegre, a saragoça, a mescla, a palmilha, a cré, a raxa, o ralete, a raxeta florentina, a raxeta de Castela, o bertanjol ou bertanjil o merlim. De vez em quando se nos deparam uns calções pretos e prosaicos, de tripa, ou, pitorescos, uns calções pintados de couro. Outros ainda, picados, de pelo de camelo, entreforrados de tafetá.288

Enquanto isso, os homens da cidade de São Paulo, no período de 1765 a 1776, vestiam-se de gala: usavam calça de sarjalim, rebuço de pano com botões de casquinha, sobretudo, calção, casaco, colete, camisa, farda, meias de seda, botas e

285

SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem à província de São Paulo. Vol. 18. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976, p.138.

286 LIPOVETSKY, Gilles. O império do Efêmero – a moda e seu destino nas sociedades modernas.

São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.32.

287

BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV - XVIII. Vol. I. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.284.

288

MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006, p.95.

ceroulas. Essas informações estão nos inventários e testamentos de moradores da cidade de São Paulo. Foram pesquisados 21 inventários de homens, sendo que 13 serão examinados a seguir.

Fernando de Figueiros de Camargo, morador do bairro Pirajussara, Freguesia de Santo Amaro, segundo seu inventário de 1760289, possuía as seguintes roupas: capote de pano pardo velho, avaliado em 4$000 (quatro mil réis); capa de baeta preta em bom uso, avaliado em 1$600 (um mil e seiscentos reis); capote de couro de veado, avaliado 1$280 (um mil duzentos e oitenta réis); dois lenços usados de algodão, avaliados em $960 cada (novecentos e sessenta réis). Fernando de Figueiros usava bastante sua capa de baeta, é o que revela o documento sobre essa indumentária tão importante para os paulistas naquele período.

Pedro Gonçalves do Rego, cujo inventário data de 1769290, registrava monte-mor de 395$65, dívidas de 79$133 e monte-menor de 316$532. Seus bens declarados em roupas são: capote pardo claro forrado de baeta de algodão, avaliado em 3$200 (três mil e duzentos réis); timão de baeta azul forrado, avaliado em 1$280 (um mil e duzentos e oitenta réis); dois lenços de linho, avaliados em $960 (novecentos e sessenta réis); duas camisas de pano de linho usadas. As vestimentas dos menos abastados eram demasiadamente escassas, como nesse caso, em que o inventariado possuía apenas duas camisas e um capote de pano, sendo o restante dois lenços e um timão. E essas roupas teriam de durar muitos anos, devido à falta de condições de grande parte dos moradores da cidade de São Paulo.

Manoel Francisco Domingo, com inventário registrado em 1771291, morador do Anhangabaú, tinha os seguintes bens: ferramentas, cinco escravos, bens de raiz (casas, sítios), prata, móveis de casa, bofete, louças, tigelas, xícaras e pratos. Seu monte-mor era de 633$510, dívidas 226$380 e monte-menor 407$130. Suas roupas declaradas são: hábito de São Francisco, avaliado em 4$000 (quatro mil réis); farda de soldado de auxiliar de cavalo de pano azul forrada de baeta branca com botões

289

Inventário e Testamento: Fernando de Figueiros de Camargo Costa. CO 538, 1760. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

290

Inventário e Testamento: Pedro Gonçalves do Rego. CO 674, 1769. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

291

Inventário e Testamento: Manoel Francisco Domingos. CO 652, 1771. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

de estanho, avaliada em 1$920 (um mil novecentos e vinte réis); casaco de pano azul forrado de durante branco com botões de retrós em bom uso, avaliado em 2$550 (dois mil quinhentos e cinquenta réis); casaco de pano alvadim forrado de baeta de olanda com botões amarelos, avaliado em 1$280 (um mil e duzentos e oitenta réis); calção de sergelim carmesim em bom uso, com botões do mesmo forrado de linho, avaliado em 1$440 (um mil quatrocentos e quarenta réis); calção de pano azul forrado de baeta amarela com bastante uso, avaliado em $960 (novecentos e sessenta réis); bustim com mangas de baeta vermelha forrado de linho com botões de estanho, avaliado em $400 (quatrocentos réis); um par de meias de fio de algodão fino em bom uso, avaliado em $620 (seiscentos e vinte réis); capote de pano pardo abandado de baeta cor de flor de alecrim com retranca de vacum de veado, avaliado em 2$000 (dois mil réis); calção velho remendado, avaliado em $160 (cento e sessenta réis). Manoel Francisco era soldado, por isso tinha uma quantidade razoável de roupas. Possuía vários calções, vestimenta que os homens mais usavam, independentemente da condição social.

Enquanto isso, o inventário de Francisco de Barros Freire, no ano de 1772292, registrava somente um capote de pano pardo, revelando uma escassez enorme de roupas. O capote era peça de roupa que não faltava em nenhuma classe social, vestia tanto os mais abastados como os mais pobres que viviam na cidade.

Por sua vez, o inventário de Tomé Alves de Castro, do ano de 1772293, indicava cabedal de 1:200$000. Morador da “rua do Carmo q‟ principia do campo vindo por Sª Teresa até ao Collégio”294

, havia em seu guarda-roupa: calça velha forrada de vermelho bordado, avaliada em $480 (quatrocentos e oitenta réis); calça de algodão de felpa branca com franjas na borda, avaliada em 4$000 (quatro mil réis); uma carteira de seda vermelha, avaliada em $400 (quatrocentos réis); uma casula de chita de algodão, avaliada em $520 (quinhentos e vinte réis). Na relação e roupas desse documento não há camisas, calções ou até mesmo véstias ou roupas de gala; são peças simples, somente duas calças e uma casula bem avaliada.

292

Inventário e Testamento: Francisco de Barros Freire. CO 549, 1772. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

293

Inventário e Testamento: Tomé Alves de Crasto. CO 549, 1772. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

294

Nos inventários examinados é possível notar que poucos homens possuíam grande quantidade de roupas, geralmente as peças eram bem usadas e tinham muitas roturas. Os Capitães e Sargentos-mores possuíam uma quantidade razoável de vestimentas para a época, enquanto os outros homens não chegavam a ter dez peças de roupa nos arrolamentos de bens.

As vestes declaradas de Pascoal Alves de Araújo (inventário de 1774)295 são: uma véstia de gala escarlate (vermelho, o tecido pode ser de seda ou de lã), avaliada em $640 (seiscentos e quarenta réis); um calção de sarjalim usado, avaliado em $320 (trezentos e vinte réis); um rebelo de pano, guarnecido de baeta com botões de casquinha, avaliados em 1$280 (um mil e duzentos e oitenta réis).

Em inventário de 1774296, os bens declarados de Pedro da Cunha Lobo são: roupas, escravos, pratas, imagens e ferramentas, com monte-mor de 754$841, dívidas 83$871, monte-menor 670$970. Sua roupa se resumia a uma véstia velha de baeta de juta, avaliada em $400 (quatrocentos réis).

Por seu turno, o Capitão Antonio José do Amaral (inventário de 1774)297 possuía os seguintes bens: livros, armas, roupas, roupas brancas, prata, tamboreta, bofete, escravos, cavalos e casas. Seu monte-mor, 2:098$735; dívidas, 816$945; monte-menor, 1:281$790. Suas roupas eram: calça de lemiste velha, avaliada em 3$200 (três mil e duzentos réis); farda de pano branco com borda, calção, véstia de droguete com peito de cetim amarelo, avaliada em 8$000 (oito mil réis); um calção de pano azul, avaliado em 4$000 (quatro mil réis); um cinto de tafetá carmesim, avaliado 1$280 (um mil duzentos e oitenta réis); um chapéu de sol, avaliado em 1$600 (um mil e seiscentos réis).

Rodrigo de Moraes Forjado, titular de inventário de 1774298, morador da Freguesia da Conceição de Guarulhos dessa cidade, Sítio das Laranjeiras, tinha dez filhos. Seu orçamento: monte-mor 697$240; dívidas 120$020, monte-menor 577$220. Seus bens eram: dez escravos, um sítio, meia légua de mato, um bofete.

295

Inventário e Testamento: Pascoal Alves de Araújo Costa. CO 642, 1774. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

296

Inventário e Testamento: Pedro da Cunha Lobo. CO 551, 1774. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

297

Inventário e Testamento: Capitam Antonio José do Amaral. CO 551, 1774. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

298

Inventário e Testamento: Rodrigo de Moraes Forjado. CO 680, 1774. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Suas roupas: quatro fardas em bom uso, avaliadas em 1$280 cada, totalizando 5$120 (cinco mil cento e vinte réis); uma faixa de três palmos, avaliada em $640 (seiscentos e quarenta réis).

Ignacio Alveres de Serqueira, com inventário emitido em 1769299, era solteiro, possuía três escravos e as seguintes roupas como bens: um capô de pano usado, um calção de pano velho azul, um capote de pano velho usado, uma véstia e calção de veludo, um calção de pano azul velho usado. Já no inventário de Manoel de Souza Porto, de 1776300, suas roupas declaradas são: uma camisa de pano de linho, avaliada em $640 (seiscentos e quarenta réis); uma véstia de pano azul- ferrete em bom uso, avaliada em $960 (novecentos e sessenta reis); um calção de pano azul, avaliado em $320 (trezentos e vinte réis).

No inventário do Sargento-mor Manoel Soares de Carvalho, do ano de 1772301, havia muitas peças arroladas, com preços variados, oscilando de $120 até 19$200. Suas roupas declaradas são: um sobretudo de pano azul-ferrete com cabeção e canhões de veludo de algodão forrado de durante azul e as costas de olanda com botões de casquinha de prata ainda novo, avaliado em 6$400 (seis mil quatrocentos réis); um calção lavado forrado de renda e de linho com botões de casquinha novo, avaliado em 1$920 (um mil e novecentos réis); um casaco de lemiste preto forrado de tafetá, e as costas de olanda crua com uma véstia de seda, manto forrado de tafetá azul com as costas de olanda e botões do mesmo em bom uso, avaliado em 9$600 (nove mil e seiscentos réis); um casaco de pano escarlate com colete ainda novo, canhões de veludo carmesim, forrado de tafetá branco com botões de casquinha, uma véstia de seda de cabaya bordada forrada de tafetá branco e as costas de bretanha sem manga com botões de casquinha e calção do mesmo pano forrado de olanda, conjunto avaliado em 19$200 (dezenove mil e duzentos réis); uma farda virada de pano com bordas e botões de veludo carmesim e forro de tafetá branco, calção do mesmo forrado de pano, conjunto usado avaliado em 1$000 (um mil réis); uma farda branca de pano com bordas de veludo azul, forro de tafetá azul e as costas de olanda, véstia de veludo azul forrada de tafetá branco

299

Inventário e Testamento: Ignacio Alveres de Serqueira. CO 709, 1769. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

300

Inventário e Testamento: Manoel de Souza Porto. CO 652, 1776. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

301

Inventário e Testamento: Sargento-mor Manoel Soares de Carvalho. CO 549, 1772. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

com as costas de algodão e calção do mesmo pano forrado com botões de casquinha, conjunto usado avaliado em 4$800 (quatro mil e oitocentos réis); duas véstias finas de bretanha sem mangas bordadas de branco e usadas, cada uma avaliada em 2$600, totalizando 5$200 (cinco mil e duzentos réis); uma véstia de bretanha sem manga, avaliada em $480 (quatrocentos e oitenta réis); um hábito de São Francisco com túnica e cordão de casquinha com bastante uso, avaliado em 3$200 (três mil e duzentos réis); uma vestia de bretanha fina forrada de amburgo com mangas, avaliada em $640 (seiscentos e quarenta réis); um calção velho de lemiste com forro, avaliado em $120 (cento e vinte réis); uma véstia virada de pano escarlate com bandas e canhões de veludo carmesim forrada de tafetá branco e calção do mesmo forrado de pano, conjunto avaliado em 7$000 (sete mil réis); uma véstia com roturas, avaliada em $640 (seiscentos e quarenta réis); um chambre de chita forrado de bretanha, avaliado em 2$000 (dois mil réis); um casaco de baeta verde-mar abandada de tafetá carmesim e costa de olanda com botões de casquinha usado, avaliado em 1$600 (um mil e seiscentos réis); um timão grande de baeta verde, avaliado em 3$000 (três mil réis);um par de meias de seda cinzenta de tear novas, avaliado em 1$000 (um mil réis); um capote usado de pano pardo abandado de rendas, baeta cor de vinho, avaliado em 3$000 (três mil réis); dois pares de meias finas de algodão usadas, avaliados em $640 cada par, totalizando 1$280 (um mil e duzentos e oitenta réis); um par de meias grossas, avaliado em $370 (trezentos e setenta réis); duas meias de linha do Reino de algodão velhas, avaliadas cada uma em $080, ambas $160 (cento e sessenta réis); uma camisa fina de punho bordados em bom uso, avaliada em 2$400 (dois mil e quatrocentos réis); uma camisa velha com punho já usada, avaliada em $160 (cento e sessenta réis); três camisas de pano de linho largo em bom uso, avaliada em $640 cada e todas em 1$920 (hum mil novecentos e vinte réis); uma ceroula nova de pano de linho, avaliada em $320 (trezentos e vinte réis); uma ceroula velha e remendada, avaliada em $120 (cento e vinte reis); uma meia de pano de linho usada, avaliada em $080 (oitenta réis); uma cabeleira de chicote preta, avaliada em $640 (seiscentos e quarenta réis).

No inventário do Sargento-mor Manoel Soares de Carvalho, considerando o valor total das peças deixadas como herança, nota-se que suas roupas foram bem cotadas pelos avaliadores, pois eram peças luxuosas, feitas em tecidos como

veludo, olanda, bretanha, linho, lemiste, cambraia, durante e algodão. Suas casacas tinham galões e botões de casquinha de prata, as meias eram de seda e as camisas, bordadas. O estilo das roupas do Sargento-mor era adotado pelas pessoas mais abastadas da cidade de São Paulo no período de 1765 a 1776.

Figura 74 - Conjunto de casaca, colete e calção, circa 1780 - Museu Nacional do Traje, Lisboa.302

Esse modelo de indumentária masculina, de veludo todo bordado, exposto no Museu Nacional do Traje, em Lisboa, é semelhante a algumas peças de roupa descritas no inventário do Sargento-mor Manoel Soares de Carvalho, entre elas: um casaco de tecido escarlate (esse casaco talvez fosse de seda ou lã) com colete de

302

COUTURELAB ESCOLA DE MODA. Museus de Moda Europeus. 22 fev. 2012. Disponível em: <http://couturelab.blogspot.com.br/2012/02/museus-de-moda-europeus.html>. Acesso em: 20/01/2017.

veludo vermelho forrado de tafetá branco e botões de casquinha; uma véstia de tecido escarlate também com bandas e canhões de veludo carmesim, forrada em tafetá branco com botões de casquinha. Essa era a maneira de se vestir do Sargento-mor, de acordo com o que está descrito em seu inventário, modo esse exclusivo de homens livres e indicando a sua condição social privilegiada.

Por fim, no inventário do Capitão Manoel Alves da Fonseca, de 1774303, seus bens declarados são: um par de fivelas de prata, avaliado em 2$050 (dois mil e cinquenta réis); um chapéu de Braga usado de algodão com galão de prata, avaliado em $640 (seiscentos e quarenta réis); um calção pequeno de baeta, avaliado em $170 (cento e setenta réis); duas gravatas de pescoço, uma de calça emendada velha, avaliadas em $080 (oitenta réis); uma camisa de bretanha fina em bom uso, com punhos de cambraia, avaliada em $970 (novecentos e setenta réis); duas ceroulas de pano de linho, uma usada e outra velha e emendada, avaliadas em $320 (trezentos e vinte réis); duas cabeleiras, uma em bom uso, outra velha, avaliadas em 1$280 (um mil duzentos e oitenta réis); uma farda de pano azul com dragões de fio de prata e de cetim azul em bom uso, uma calça de pano azul, conjunto avaliado em 6$400 (seis mil e quatrocentos réis); uma véstia branca com seus feltros de veludo carmesim usada, avaliada em $240 (duzentos e quarenta réis); uma camisa de pano de linho usada, com furos nas costas, avaliada em $180 (cento e oitenta réis); um lenço de pano de algodão, avaliado em $960 (novecentos e sessenta réis); um par de luvas, avaliado em $040 (quarenta réis).

Os documentos do Sargento-mor Manoel Soares de Carvalho e do Capitão Manoel Alves da Fonseca têm algo em comum: ambos eram usuários de perucas, ou melhor, cabeleiras. Esse objeto somente os homens mais influentes da sociedade usavam. O século XVII foi o auge das perucas, pois todos os cavalheiros aristocratas, magistrados, militares, padres e mercadores usavam esse acessório junto com seus trajes de cerimônia. A moda surgiu com Luís XIV, rei da França, que adotou a peruca durante seu governo para esconder a calvície.304 Como tudo o que o rei fazia virava moda, o resto da nobreza começou a usar o item, que passou a indicar diferenças sociais, tornando-se sinal de status.

303

Inventário e Testamento: Capitam Manoel Alves da Fonseca. CO 551, 1774. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

304

LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.127.

Figura 75 - Cena romântica - século XVIII - 1776.305

O homem velho, nessa imagem, aparece com roupas suntuosas na cor ouro velho. Seu casaco conta com galões dourados, forro em tecido azul, sendo que o punho e a gola da camisa são de renda; está calçando meias e sapatos com fivela, na cabeça usa uma enorme cabeleira com cachos – era o modelo de peruca que se usava naquele momento. Toda essa roupagem tem influência da moda francesa, com muitos adornos e um “ar rococó”.306

Maria da Graça de Barros Silva, em sua dissertação de mestrado, afirma que Dom João V tinha preocupação com o seu vestuário. Fiel seguidor da moda francesa307, estava sempre atento às suas mudanças. Seus embaixadores o deixavam informado sobre as novidades em vestuário naquele momento em Paris. Por isso, fazia encomendas a emissários especiais enviados à corte de Luís XIV e Luís XV.

305

BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. Riscos illuminados de figurinhos de brancos

e negros dos uzos do Rio de Janeiro e Serro do Frio. Aquarelas por Carlos Julião. Rio de Janeiro,

1960. Acervo da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

306

ROCHE, Daniel. A cultura das aparências – uma história da indumentária (séculos XVII-XVIII).