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CAPÍTULO II – A IMPORTÂNCIA DA INDUMENTÁRIA EM SÃO PAULO: O

2.1 A IMPORTÂNCIA DA INDUMENTÁRIA

De acordo com Paulo Cesar Garcez Marins151, nada restou da roupa colonial, além das descrições em inventários e testamentos, que, como fonte para pesquisa histórica, possibilitam levantar dados da vida material de cada inventariado, dos usos e costumes e da vida cotidiana. Nas relações de bens c onstam as roupas deixadas pelo inventariado como herança, com descrições peça por peça – se estavam em bom uso, novas ou usadas – e o valor de cada uma. E todos esses bens eram de extrema importância para seus herdeiros, às vezes era tudo o que restava de seus entes queridos.

Para Ulpiano Bezerra de Menezes,

[...] uma das vantagens que o inventário assegura é fornecer elementos para tratar, não de coisas isoladas, mas de conjunto – o que avizinha, na medida do possível, de sistemas, sem os quais um simples rol de artefatos se revelaria muito limitado, incapaz de produzir as inúmeras inferências que só os sistemas permitem: não apenas as diversas categorias, suas quantidades, mas também a qualidade são atributos que enriquecem as conexões e os subconjuntos que podem ser identificados.152

Esse conjunto de informações nos revela preciosidades das quais podemos tirar proveito. A vantagem não é tratar de coisas isoladas, mas de todo o conjunto de informações que há nos inventários post mortem. O que ajudará a responder a algumas questões, entre elas, como os paulistas moradores da cidade de São Paulo no século XVIII se vestiam? Tal modo de se apresentar pode ser considerado como

151 MARINS, Paulo Cesar Garcez. Resumo do texto “A vida cotidiana dos paulistas: moradia,

alimentação, indumentária”, de Paulo César Garcez Marins. Disponível em: <http://www. terrapaulista.org.br/costumes/moradias/saibamais.asp>. Acesso em 14/03/2016.

152

MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Apresentação. In: MARTINEZ, Cláudia Eliane Parreiras Marques.

Riqueza e escravidão: vida material e população no século XIX - Bonfim do Paraopeba - MG. São

um objeto de estudo de fatores materiais, simbólicos e culturais? A roupa é o mais importante produto da moda153, ela define como as pessoas se vestem em uma determinada época. São objetos de circulação social, dentro de uma perspectiva social e histórica.

O vestuário pode significar muito para quem o usa, um comportamento que traduz vários fatores sociais, como o grupo ao qual se quer pertencer. Assim, ao mesmo tempo que ele libera, reprime. No século XVIII, era importante se vestir com determinado luxo, isso significava status aos mais nobres.

A moda reafirma a estrutura social, acentuando a divisão em classes. Reconcilia o conflito entre o impulso individualizador de cada um de nós e a necessidade de afirmação como membro de um grupo.154 Ela pode ser o centro dos debates sobre a riqueza e a pobreza, o excessivo e o necessário. A moda faz com que a pessoa transfira suas expectativas para as roupas que está vestindo, ou pode mascarar seus verdadeiros sentimentos, tentando ser alguém que não é e viver em um mundo ao qual não pertence, surgindo um conflito de classes.

A indumentária serve-nos também como proteção contra as intempéries – esse pode ser o motivo pelo qual a humanidade veio a cobrir-se pela primeira vez. Porém, o ato de cobrir o corpo, seja com pele animal ou tecidos rústicos, tornou-se um fator de diferenciação sociocultural155. O ato de vestir-se vai além da ação simples e mecânica de proteger o corpo; o ser humano veste e adorna seu corpo com símbolos que ele sabe que os outros de sua sociedade saberão ler. As roupas mostram os costumes de cada povo, um reflexo do gosto contemporâneo, retrata o desenvolvimento econômico, cultural e político, identifica a camada social, profissão, idade ou sexo. Com a evolução da indumentária, surge a individualidade em forma de moda, que tem inúmeros pontos de vista, sendo a base da estrutura social, dividindo as classes e ressaltando o individualismo e o consumismo como signos da forma de expressão em vários domínios.

153

ANDRADE, Rita Morais. Boué Soeurs RG 7091: a biografia cultural de um vestido. Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p.15.

154

SOUZA, Gilda de Mello. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.29.

155 SANT‟ANNA, Patrícia. Moda: uma apaixonante história das formas. Ciência e Cultura. São

Paulo, vol. 61, n. 1, 2009. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext &pid=S0009-67252009000100020>. Acesso em: 04/04/2015.

Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda comenta sobre uma improvisação quase forçada de uma espécie de burguesia que estava se instaurando no Brasil, inspirada em costumes que, no entanto, eram comuns apenas nas classes mais elevadas, mas que estavam se tornando frequentes em todas as classes, como um caso testemunhado por John Luccock:

[...] um simples oficial de carpintaria se vestia de maneira que queria parecer um fidalgo, com tricórnio e sapatos e fivela, e se recusava a usar das próprias mãos para carregar as ferramentas de seu ofício, preferindo entregá-las a um preto.156

Essa passagem mostra claramente que há uma estereotipagem através da indumentária, em que um carpinteiro se nega a carregar suas próprias ferramentas. Ele “se vestia de maneira que queria parecer um fidalgo” por usar roupas que representavam os nobres. No seu imaginário, por usar uma casaca e um chapéu, talvez disfarçasse para si mesmo o fato de pertencer a uma sociedade em que tinha de trabalhar duro, como carpinteiro.

Assim era com algumas mulheres pobres da cidade de São Paulo, que acreditavam que suas vidas poderiam mudar mediante um vestido de seda ou veludo. Muitas sonhavam em se casar com alguém que pudesse tirá-las da vida dura. Maria Odila Leite da Silva Dias, em Quotidiano e poder, narra que muitas moças sonhavam em encontrar um príncipe157 encantado que pudesse livrá-las da vida de sofrimento e ter um vestido de seda ou de veludo. Era essa a fantasia das moças, de usar um vestido e morar num sobrado.

Para Daniel Roche,

O vestuário confere a todos uma identidade social, mas ao mesmo tempo revela o caráter e a personalidade daquele que o enverga, marca a individualidade e a originalidade de cada

156

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.87.

157

DIAS, Maria Odila da Silva Leite. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX – Ana Gertrudes de Jesus. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.148.

um, mas ainda que a postura e os gestos, os traços ou as deformações da estatura; é um meio de identidade imediata.158

Todo homem recebe influências culturais de outros povos, que refletem no modo de vestir. A roupa vira moda no momento em que os feitios e a maneira de usar transformam-se numa norma estética de certas camadas sociais. Em Paris, as camareiras e os criados159 sempre andavam bem-vestidos; as roupas da realeza iam passando de mão em mão. O povo tinha o mínimo possível de roupas, não tinha condições para vestir roupas de luxo, vivia na mais absoluta miséria e simplesmente assistia ao espetáculo da mais suntuosa frivolidade.

A roupa e seus ornamentos são importantes comunicadores de nossas crenças e ideias a respeito do mundo. Pois, a partir da maneira como o indivíduo a manipula, ele expressa o que deseja, e a sociedade reconhece nele os lugares que frequenta, as músicas que ouve, enfim, seu comportamento. “Abrange as transformações periódicas efetuadas nos diversos setores da vida social, política, na religião, na ciência, na estética.”160

Isso a torna uma simbologia, o reflexo da sociedade que nos permite entender os acontecimentos de determinado período. Em geral, esse fenômeno desenvolve-se com maior intensidade nas áreas urbanas, estimulando o desejo e o hábito de imitar. Para o antropólogo Daniel Miller, as roupas representam as diferenças de classe, educação, de gênero161, por isso homens e mulheres se vestem de maneiras distintas, mas ambos se vestem para mostrar a que classe pertencem, ou querem pertencer.

No livro Passagens, Walter Benjamin cita Henri Focillon ao abordar a “fantasmagoria da moda”162

e analisa que homens e mulheres criam uma humanidade artificial, constituindo uma sociedade que faz da aparência uma teatralização, na qual todos os indivíduos querem fazer parte desse espetáculo. Para Paul Poiret, o primeiro estilista de moda de Paris, nascido em 1879, “não há

158

ROCHE, Daniel. O povo de Paris. Ensaio sobre a cultura popular no século XVIII. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004, p.222.

159

Ibidem, p.224.

160

SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda do século dezenove. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.19.

161

MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre cultura material. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p.21.

162

BENJAMIN, Walter. Passagens. 1ª reimpressão. Belo Horizonte - MG: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007, p.118.

nada mais importante que a aparência”163

. Ela é um símbolo com o qual cada indivíduo expressa sua maneira de ser através da indumentária. A partir da nossa aparência, comunicamos não apenas nossas ideias e personalidades, mas também nosso estado de espírito e estado físico.

No ano de 1768, Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão criticou homens e mulheres que desejavam exibir luxo em suas vestimentas mesmo sem ter condições para isso. Desse modo, embora aspirem à totalidade de um diagnóstico fundado na razão, as representações do mundo social são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que imitam. Assim, as percepções do social não são de forma alguma discursos, as lutas de representação têm tanta importância quanto as lutas econômicas para se compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção de mundo social, seus valores e seus domínios.164 Pois esses homens e mulheres querem os melhores tecidos importados, gastam o que não têm, compram fiado para pagar depois.

O luxo dos vestidos hé dezigual a possibilidade desta gente; se as fazendas fossem do Reyno tudo ficava em caza; porem sendo estrangeiras, não há ouro que as pague. Nessa Corte dizem as Senrªs que não podem com o gasto de çapatos; tem 60$000 de alfinetes, e custão-lhe 1$600, e ainda sobre alcatifas: nesta terra as mulheres não ganhão huma pataca, custão os çapatos 4$800, e para acima trazem-nos todas da melhor seda, e pela rua. Nesse Reyno vestem de pano muitos Fidalgos, nas Proviancias boa gente trazem linhos; aqui os brancos vestem o melhor veludo, e ninguem traz senão Olanda; tudo isto compra-se fiado, ao depois estuda-se para pagar.165

163

SEELING, Charlotte. Moda: o século dos estilistas - 1900-1999. Colônia: Könemann, 2000, p.23.

164

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa/Rio de Janeiro: Difel/Bertrand, 1990, p.17.

165

Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 23, 1896, p.381.

O Morgado de Mateus considerava desmedido o luxo que as pessoas estavam querendo a todo custo, mesmo sem ter condições. Muitas viviam em situação de pobreza, mas buscavam representar ser o que não eram, e isso estaria prejudicando o comércio de tecidos no Reino.166 Elas queriam tecidos importados vindos da Inglaterra167, demanda nada favorável ao comércio de tecidos de Portugal. Na visão do Morgado de Mateus, o dinheiro que estavam gastando para obter as melhores fazendas deveria ser investido na agricultura, porque esse dinheiro garantiria lucro à Coroa.

Toda essa corrida dos paulistas para obter as melhores roupas, para Maria Odila Leite da Silva Dias168, era resultado do enriquecimento com o comércio de tropas, essa ascensão social dos paulistas estaria fazendo com que buscassem reconhecimento social. Portanto, não mediriam esforços para imitar os ricos da cidade, sendo que através das roupas poderiam modificar suas aparências.

O gosto pelo luxo que se instaurou na colônia veio com os portugueses, que seguiam a influência da moda francesa no século XVIII, já que durante alguns séculos a França ditou a moda no mundo ocidental. Dom João V, Rei de Portugal, se vestia como Luís XIV, queria fazer do Reino “reflexo de Luiz XIV”169

. Embora a camada mais abastada de Portugal seguisse os padrões franceses ao se vestir, Alcântara Machado, em Vida e morte do bandeirante170, descreve o povo português como pessoas que se vestiam com simplicidade e praticidade. Os homens usavam saio, capa de baeta, calção de pano escocês, chapéu de feltro, borzeguim de marroquim; as mulheres se envolviam em grande manto, cobrindo todo o corpo, inclusive o rosto, como mostra a figura apresentada a seguir.

166

TORRÃO FILHO, Amílcar. Paradigma do caos ou cidade da conversão? São Paulo na administração do Morgado de Mateus. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2007, p.190.

167

DIAS, Maria Odila da Silva Leite. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX - Ana Gertrudes de Jesus. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.66.

168

Ibidem, p.67.

169

LIVRARIA CHARDRON. História do trajo em Portugal. Encyclopedia pela imagem. Porto: Livraria Chardron, 1928, p.46.

170

MACHADO, Alcântara. Vida e Morte do bandeirante. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006, p.93.

Figura 22 - Homem de capote e chapéu largo, no início do século XIX, desenhado por Labrousse, gravura de St. Sauveur. Senhoras usando manto ou mantilha em

Portugal, desenhadas por José Teixeira Barreto.171

Em São Paulo, entre os anos de 1765 e 1776, as pessoas mais abastadas exibiam peças luxuosas, diferentemente da população mais pobre e dos escravos, que usavam panos de algodão grosso na roupa do dia a dia. Para essa gente as condições eram mínimas, sendo que muitas mulheres eram verdadeiros chefes de família, viúvas, mães solteiras ou à espera de maridos embrenhados nas matas juntamente com o exército do Capitão-General Morgado de Mateus. Como o caso de Dezideria Camilla172, em 1767, viúva de João Pinto, moradora da Rua Direita; morava com seus filhos e vivia de pedir esmolas, sem nenhum cabedal. Ou Rosa Maria de Jesus, viúva pobre e moradora da Rua Direita, com quatro filhos, também sem nenhum cabedal.

A vida dessas mulheres pobres era muito difícil. Como elas teriam condições de comprar um vestido no valor determinado pela Câmara de 3$000? Em Quotidiano

e poder, Maria Odila da Silva Dias Leite retrata bem a situação dessas mulheres no

dia a dia, lutando pela sobrevivência da família e vivendo de troca de mercadorias nas ruas do centro.173 Essas mulheres pobres precisavam ir à luta com seus ofícios,

171

LIVRARIA CHARDRON. História do trajo em Portugal. Encyclopedia pela imagem. Porto: Livraria Chardron, 1928, p.37, 39.

172

Maço de População 03002-004, de 1767. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

173

DIAS, Maria Odila da Silva Leite. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX - Ana Gertrudes de Jesus. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.53.

atuando como quitandeira ou lavadeira, por exemplo, para buscar seu sustento; somente essas eram vistas perambulando pela cidade.

Auguste de Saint-Hilaire, em sua passagem por São Paulo entre os anos de 1819 e 1820, observou que as mulheres pouco apareciam. Durante sua estadia na cidade não havia conversado com nenhuma senhora, nem mesmo quando chegavam visitas para o jantar a mulher não era vista acompanhando o marido. Enquanto as mulheres casadas da sociedade paulista ficavam no recato de seus lares, Auguste de Saint-Hilaire notou que havia muitas mulheres que vendiam seus encantos pelas ruas. Ele nunca vira um número “tão grande de prostitutas”, de todas as raças, as calçadas das ruas de São Paulo fervilhavam com sua presença.174 Elas usavam um chapéu de feltro jogado para trás, enquanto os homens exibiam chapéu trazido para frente. Mas tanto homens como mulheres usavam capas de lã, de gola alta, que lhes cobriam o rosto. As pardas175 livres que ganhavam a vida com a prostituição obtinham roupas melhores, mas não eram roupas de luxo. Isso no século XIX iria mudar, na Europa as cortesãs passariam a ditar tendências para a sociedade. A moda dos teatros se espalhou pelas camadas mais altas da burguesia, acarretando uma corrida frenética para ter vestidos iguais aos das cortesãs.

As mulheres da elite se dedicavam a trabalhos no interior de suas casas, cosendo ou bordando.176 Essas mulheres se vestiam de sarja de Málaga e sua mantilha era de pano fino com larga renda italiana bordada. Vestiam-se com luxo somente para ir à igreja; em casa usavam uma saia e camisa.177 Um homem abastado se vestia com sobrecasaca comprida de tecido encorpado e calça de saragoça ou ganga amarela ou azul.

174

SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem à província de São Paulo. Vol. 18. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976, p.137.

175

SCARANO, Julita. Roupas de escravos e de forros. Resgate. Campinas, vol. 3, n. 4, 1992, p.53.

176

SAINT-HILAIRE, op. cit., p.136.

177

BUENO, Francisco de Assis Vieira. A cidade de São Paulo. Recordações evocadas de memória. Notícias históricas. Vol. 2. São Paulo: Biblioteca da Academia Paulista de Letras, 1976, p.16.

Figura 23 - Vestimentas do século XVIII - 1776.178

Na figura apresentada, Carlos Julião retrata a mulher e o homem vestidos da seguinte maneira: a mulher está com um grande casaco azul com enfeites dourados e botões também azuis no punho, saia estampada com ramos, sapatos com fivela, meias brancas bordadas, cabelos presos em coque e chapéu de aba larga preto com um laço na frente e enfeites dourados em volta. O homem está enrolado também em um grande casaco azul com enfeites dourados e vermelhos e botões dourados no punho, meias na cor branca, sapato baixo com fivela e chapéu preto com enfeites dourados.

178

BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. Riscos illuminados de figurinhos de brancos

e negros dos uzos do Rio de Janeiro e Serro do Frio. Aquarelas por Carlos Julião. Rio de Janeiro,

Figura 24 - Trajes no século XVIII - 1776.179

A mulher traz por cima da vestimenta um grande casaco rosa enfeitado de galões dourados que a cobre completamente, deixando aparecer a barra da saia estampada, sapatos de salto alto com fivela e meias na cor branca; na cabeça exibe um chapéu de veludo negro com enfeites dourados e os cabelos presos em coque dentro de uma rede. O homem, embuçado em um grande casaco roxo enfeitado com galões prateados, calça sapato baixo com fivela prateada e usa chapéu de veludo negro com galões prateados. A ponta da espada aparece por baixo do casaco. Nessa aquarela tanto o homem como a mulher estão envoltos em grandes casacos que mais parecem capas, peça muito comum na época.

O uso de capas de lã ou de baeta também era comum no dia a dia dos moradores de São Paulo, sendo que muitas pessoas de ambos os sexos se escondiam atrás dessas roupas. Foi o que percebeu o governador que substitui o Morgado de Mateus, Capitão-General Martim Lopes Lobo de Saldanha, que governou a capitania entre 1775 e 1782. Em 23 de setembro de 1775, andando pelo quadrilátero da cidade de São Paulo, ficou extremamente indignado ao ver como as

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BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. Riscos illuminados de figurinhos de brancos

e negros dos uzos do Rio de Janeiro e Serro do Frio. Aquarelas por Carlos Julião. Rio de Janeiro,

mulheres da cidade se vestiam, rebuçadas180, ou seja, com o rosto escondido. Diante disso, redigiu muito nervoso ordenando que as mulheres andassem com o rosto descoberto até o peito, porque as capas de baeta181 eram usadas para cobrir o corpo, mas também para cobrir os pecados tanto de homens como de mulheres, como a prática do adultério ou seus crimes:

Illmº E Exmº Senhor: - Achei nesta cidade o inculto uso de andarem as mulheres rebuçadas em dous covados de Baeta preta assim como se cortavão nas lojas, e com chapeos que se vestiam desda maneira porque poderia estar levando uma vida dupla dezabados na cabeça; e desde modo com as caras todas tapadas, tanto nas ruas como nas Igrejas, se precipitavão muitas a entrarem até de dia em cazas de homens, onde nam entrarião, se lhes nam desse ouzadio barbaro rebuço, de que também me constou uzavão alguns criminozos para se encobrirem ás justiças, e alguns facinorozos para commetterem delictos, como algumas vezes tinha acontecido nesta Capitania. Pelo que em vinte de septembro mandei publicar o Bando que vay no maço notado com a letra - G -, que logo no mesmo dia se principiou a