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SERTÃO DO TIBAGI: A VESTIMENTA QUE DOMESTICA E CIVILIZA

CAPÍTULO II – A IMPORTÂNCIA DA INDUMENTÁRIA EM SÃO PAULO: O

2.2 SERTÃO DO TIBAGI: A VESTIMENTA QUE DOMESTICA E CIVILIZA

Muitos índios andavam nus no sertão do Tibagi (Caingangues), levando o Reino a enviar uma ordem ao Morgado de Mateus para oferecer recompensa para quem pudesse “civilizar e domesticar”199

os índios. A recompensa para os que capturassem os índios, seriam de grandes prêmios, como: Senhores de terra, Fidalgos e hábitos de Cristo.200 Pois Sua Majestade, queria que os índios reconhecessem a “superioridade e a obediência”201

, obrigando-os a se vestirem e parecerem “gente”, para que deixassem o mato e pudessem ir para a povoação.

Jean de Léry, em seu relato de viagem no século XVI, por volta de 1558, quando em passagem pelo Brasil, diz que os índios Tupinambás, tanto homens e mulheres como crianças, andavam nus desde o ventre de suas mães. Mas os franceses perceberam que os índios gostavam de se adornar, mesmo quando iam para a guerra, e em troca de conseguir pau-brasil, papagaios, algodão e bugios (macacos) ofereciam-lhes roupas:

Eis em suma o que sei com referência à índole, vestuário e ornatos dos nossos tupinambás.

Além disso, como trouxemos em nossos navios grande quantidade de fazendas vermelhas, verdes, amarelas etc. e mandamos fazer casacos e calções sarapintados para trocá-los por víveres, bugios, papagaios, pau-brasil, algodão, pimenta e outras coisas do país que carregam em geral os nossos navios, vestem eles às vezes calças de marujo, outros somente

198

PRIORE, Mary Del; AMANTINO, Márcia (Orgs.). História do corpo no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p.205.

199

Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 33, 1901, p.49.

200

Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 33, 1901, p.50.

201

Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 73, 1952, p.93.

casacos que lhes chegam às nádegas. Em geral, depois de se contemplar um pouco e passear com a vestimenta, o que não deixava de ser cômico, despiam-se e largavam os trajes em casa até que lhes desse de novo na veneta vesti-los. O mesmo faziam com os chapéus e as camisas.202

Os índios usavam as roupas mesmo que por pouco tempo e vestiam somente quando queriam. Quanto às mulheres, essas não foi possível vestir, pois não aceitavam as roupas oferecidas pelos franceses, como vestidos de chita e camisas. As índias achavam que as peças atrapalhavam o banho, devido à dificuldade em vesti-las e tirá-las.

O Morgado de Mateus, no dia 31 de maio de 1771, decretou uma ordem mandando preparar o escaler de Santos e vestir seus remadores. As vestimentas levadas aos índios seriam as seguintes:

- Seis calções largos de panos ou riscos encarnados; - Forro e aviamentos;

- Pano de linho para seis camizas a 3 varas cada huma;

- Barretes encarnados feitos a modo de turbantes, com suas meyas luas de velludo, de outra cor na testa, nas quaes se lhes devem estargir as Armas Reaes;

- Velludo para meias luas dos turbantes; - Linhas para cozer as camizas - meadas; - Feitio das camizas a 120 reis - 720 reis;

- Feitio das mais obras q’ pertenacer do escaller e índios Com a Rubrica de S. EXª.203

Glória Kok, em O sertão itinerante, mostra iconografia dos índios Caingangues, no sertão do Tibagi, feita em expedição do Coronel Afonso Botelho de Sampaio e Souza em dezembro de 1771. Trata-se de um conjunto de 37 aquarelas204, atribuídas a Joaquim José de Miranda. As pinturas foram feitas com o intuito de ilustrar os acontecimentos da expedição ao Marquês de Pombal e, ao mesmo tempo, mostrar um índio mais civilizado, com seu corpo coberto. Observa-se

202

LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. Tradução integral e notas de Sérgio Milliet. São Paulo: Biblioteca do Exército, 1961, p.97.

203

Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 33, 1901, p.7- 8.

204

KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004, p.155.

que ambos os documentos – o decreto supracitado e a iconografia – datam de 1771, sendo que a ordem foi dada pelo Capitão-General Morgado de Mateus no mês de maio, e as aquarelas foram criadas em dezembro.

Nota-se nessas pranchas uma relação euro-indígena205 às vezes conflituosa, outras pacífica. As figuras 35, 36, 37 e 38, por exemplo, mostram cenas de conflito, onde os índios atacam a expedição militar comandada pelo Tenente-Coronel Afonso Botelho de Sampaio e Sousa, ajudante de ordens do governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão.206 Nas demais aquarelas os índios aparecem nus ou usando as véstias e os gibões dos soldados, que tiravam suas peças e ofereciam aos índios. Aparentemente era uma relação pacífica, ao olhar de Joaquim José de Miranda, o autor das aquarelas. Nas pinturas aparecem algumas mulheres indígenas usando vestido de chita, tecido bastante utilizado na Europa nesse período.

A seguir, a expedição retratada nas aquarelas, sendo que cada cena mostra- nos o comportamento dos índios quando da chegada da expedição do Tenente- Coronel Afonso Botelho.

Figura 31 - Cena 1 e cena 2 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.207

205

MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p.20.

206

KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004, p.154.

207

Na cena 1, “O índio todo nu (mesmo sem a folha, que se oferece à vista no meio do corpo, que se lhe pôs pintado por decência) com arco e flechas”; na cena 2, “Um índio com a camisa, e bordão, como se vê, e poucos apareciam com esta pobre vestimenta”. Em ambas as cenas os índios são retratados com uma folha cobrindo a genitália, o primeiro com arco e flecha, seu cabelo tem um corte quadrado parecido com o corte chinês. O segundo índio aparece com uma camisa de algodão que cobre seu peito, e está segurando um cajado em uma das mãos. Ambos têm uma representação europeizada, com aparência saudável e corpo musculoso.

Figura 32 - Cena 3 e cena 4 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.208

Na cena 3, vê-se “Uma índia no seu traje ordinário”. Simplesmente essa índia usa somente uma saia de algodão, a parte superior está nua, permitindo inferir que seria um caso de resistência à ideia de se cobrir inteira, pois, como já escreveu Jean de Léry, as roupas eram complicadas de colocar e retirar na hora do banho. Na cena 4, “A mesma já vestida de vestidos que lhe fizeram ficando muito contente e

208

KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

satisfeita”. Essas vestes são uma saia e uma blusa, ambas estampadas com ramos e folhas, confeccionadas em chita, tecido de algodão. Ela aparece com os pés descalços, mas usa um colar e pulseiras. Suas roupas seguem os padrões da civilização europeia.

Figura 33 - Cena 5 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.209

Na cena 5, “Uma índia com seu pobre vestido que usam, sentada para que veja como estão concertadas”, a índia sentada está usando uma saia branca, supostamente de algodão cru. Os pés estão cruzados, assim como as mãos, aparentemente cobrindo um dos seios. Ela observa a outra índia, vestida com uma saia vermelha de baeta, com vários adornos no pescoço e nos braços e um espelho na mão, presentes oferecidos pelos oficiais da expedição comandada pelo Tenente- Coronel Afonso Botelho de Sampaio e Sousa.

209

KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

Figura 34 - Cena 6 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.210

Na cena 6, “A mesma índia, que em lugar de tanga se lhe deu uma baeta vermelha, chitas, contas, brincos, vidrilhos, e um espelho em que ela se mira, dizendo aos seus, que está mui guapa. Um índio com cinco filhos tirando pinhão do lago: chega a vê-lo o Tenente Cascais com os cinco cavaleiros, que foram descobrir o campo”. Os soldados em cima de cavalos vestem calça branca, vermelha ou azul. O cavaleiro à frente é o Tenente de Cascais, está vestido de vermelho, que é a cor dos Tenentes e Capitães-Generais.211 Os outros oficiais estão com capa de baeta azul e chapéu tricórnio.

210

KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

211

ROCHE, Daniel. Cultura das aparências: uma história da indumentária (séculos XVII-XVIII). São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007, p.251.

Figura 35 - Cena 7 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.212

Na cena 7, “O mesmo tenente Cascais tirando o seu barrete vermelho da cabeça, oferecendo-o ao índio; este receoso de o tomar. Os cavaleiros com os filhos, e a índia metendo-se ao mato olhando para trás a ver o que se passava com o marido, e filhos.” Todos os índios estão nus, homens e crianças, exceto um que está entrando no mato, vestido com um tecido de algodão cru. O Tenente de Cascais oferece seu gorro como forma de presentear o índio. De acordo com Glória Kok213, Dom Luís de Sousa Botelho Mourão passara instrução para lisonjear os caciques, oferecendo aguardente, a mais fina do Reino, no intuito de facilitar a expedição no Sertão do Tibagi214.

212

KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

213

Ibidem, p.153.

214

Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. São Paulo, vol. 72, 1952, p.195.

Figura 36 - Cena 8 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.215

Na cena 8, “Apeia-se o tenente, põe o barrete na cabeça do índio, que está pasmado, e os mais cavaleiros com os filhos”. O índio aceita o presente, que o próprio Tenente coloca sobre sua cabeça. Os oficiais estão com os outros índios, filhos do índio com o barrete, segundo o autor da aquarela. Enquanto a índia que está escondida na mata só observa toda a cena.

Figura 37 - Cena 9 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.216

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

216

Na cena 9, “Despe o tenente a chimarra vermelha, veste-a ao índio, e os mais camaradas vestem os filhos, despindo-se eles mesmos dos seus próprios vestidos”. O tenente tira o seu casaco vermelho para cobrir o índio, enquanto ele fica de calça azul e camisa branca. Os oficiais oferecem suas camisas para os índios e os mesmos oficiais vestem os índios, cobrindo-lhes o corpo.

Figura 38 - Cena 10 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.217

Na cena 10, “Vestidos os filhos, e o índio seu pai, a mãe vendo do mato o que se passa, dá o tenente um facão ao índio, o qual o estima muito”. Todos estão vestidos, o índio mais velho com a casaca vermelha do Tenente, que também dá seu facão para ele. E os filhos do índio estão vestidos com parte das roupas dos oficiais.

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

Figura 39 - Cena 11 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.218

Na cena 11, “Está praticando o tenente com o índio, e mostrando para onde se acha o tenente-coronel: ele promete vir com mais companheiros, e se despede”. Depois de presentear os índios para ganhar a confiança deles, o Tenente-Coronel vai embora, mas todos estão vestidos, como cristãos.

Figura 40 - Cena 12 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.219

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

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Na cena 12, “Vai saindo a mulher do mato, e o marido com os filhos vestidos apontando para onde vão os cavaleiros”. Filhos e pai se aproximam já vestidos, o Cacique exibindo vermelho, cor somente usada pelos oficiais mais graduados. Ele indica o caminho para os cavaleiros da expedição.

Figura 41 - Cena 13 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.220

Na cena 13, “Aparecendo o Tenente Cascais, e mais cavaleiros defronte do arranchamento onde estava o tenente-coronel, e chegando os que andavam a caça”. O Tenente-Coronel está vestido com casaca azul, véstia amarela e chapéu tricórnio, enquanto os outros oficiais usam capa de baeta azul ou também casaca azul.

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

Figura 42 - Cena 14 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.221

Na cena 14, “Vem os índios guiados pelo que havia sido encontrado, e vestido o dia antes, e o tenente-coronel com a mais gente no arranchamento”. No canto superior da aquarela aparece o Cacique, vestido de vermelho, roupa oferecida pelo Tenente-Coronel Afonso Botelho; alguns dos índios guiados por ele estão vestidos, mas a maioria se encontra nua. Eles vêm de arco e flecha.

Figura 43 - Cena 15 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.222

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

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Na cena 15, “Chegando os índios perto do arranchamento muito receosos de chegar, mandou o tenente-coronel recebê-los, por dous camaradas dos que no dia antecedente os tinham encontrado”. Chegando os índios de arco e flecha, dois oficiais de casaca azul e chapéu tricórnio foram recebê-los. De acordo com Glória Kok, Afonso Botelho escreveu uma carta em que dizia que ele e seus soldados ficaram com muita compaixão ao ver os índios nus, chegando mansos no acampamento. Então teriam tratado os gentios com muito carinho.

Figura 44 - Cena 16 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.223

Na cena 16, “Chegaram os índios ao abarracamento: o tenente-coronel abraça o dianteiro, os mais camaradas fazem o mesmo, e os festejam muito”. O Tenente-Coronel, vestido com seu uniforme e com sua véstia amarela, recebe o índio amistosamente, junto a seus oficiais.

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

Figura 45 - Cena 17 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.224

Na cena 17, “O tenente-coronel vestindo a sua própria véstia a um índio, e os mais camaradas despindo as suas camisas, e mais fatos para vestir outros”. O Tenente-Coronel tira sua véstia amarela e presenteia novamente o índio com a peça; o mesmo fazem os outros oficiais com suas roupas.

Figura 46 - Cena 18 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.225

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

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Na cena 18, “Os índios vestidos com a roupa, que de si pode tirar a partida: vão dous correndo chamar os outros, que ficaram no mato”.

Figura 47 - Cena 19 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.226

Na cena 19, “Vêm chegando mais índios ao arranchamento conduzidos pelos dous, que já vestidos os foram chamar”. Aparecem mais índios, e os oficiais providenciam mais vestimentas para os que estão nus. Os soldados estão devidamente uniformizados.

Figura 48 - Cena 20 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.227

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

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Na cena 20, “Chegam os novos índios ao arranchamento, tiram os camaradas da sua roupa quanta puderam até ficar alguns sem camisa, e só cobertos com os ponches, e os vestem”. Os soldados estão se despindo para vestir os índios, com camisas brancas, enquanto os que aparecem no canto inferior só observam.

Figura 49 - Cena 21 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.228

Na cena 21, “Despedindo-se os índios pedem ao tenente-coronel vá ao seu arranchamento, que ficava distante duas léguas, e lhe estão mostrando o caminho, e lhe promete de lá ir”. O índio se despede e ensina a localização de outras aldeias à tropa do Tenente-Coronel Afonso Botelho; eles partem vestidos com as roupas dos soldados.

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

Figura 50 - Cena 22 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.229

Na cena 22, “Parte o tenente-coronel ao arranchamento dos índios, que tanto que o viram, e eles alvoroçados o esperam”. Os cavaleiros de longe avistaram um grande alvoroço e perceberam que eram os índios vestindo as roupas oferecidas pelos oficiais. Ao se vestir, não conseguiam colocar a camisa corretamente, colavam de trás para frente, o que dificultava muito o uso. Segundo Glória Kok, em pesquisa feita nos documentos de Afonso Botelho de Sampaio, “A descoberta dos campos de Guarapuava”, afirma:

Depois de aparecerem os cavalos, sendo perto de uma hora, montámos [...], desejosos de fazer mais experiência nos ânimos dos mesmos gentios, e para cumprir a promessa, que lhes fiz de lá ir, segui o caminho que haviam tomado, encontrando varios lagos de pinhão, providencia de que uzam para o anual sustento, e uma ranxaria queimada, e tendo caminhado mais de légua e meia, bem molhados da trovada, se avistou de um alto a sua ranxaria, e a poucos passos nos sentiram saindo alguns ao terreiro, como inquietos, vimol-os vestir a roupa, que lhes haviam dado, vestindo um a camisa com o detrás para diante.230

229

KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

229

Ibidem.

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Figura 51 - Cena 23 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.231

Na cena 23, “Chegando o tenente-coronel aos ranchos dos índios, saem dous a recebê-los, os mais admirados”.

Figura 52 - Cena 24 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.232

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

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Na cena 24, “O tenente-coronel, e mais camaradas apeados tratando com os índios, e entrando nos seus arranchamentos onde se tinham retirado mulheres, e filhos pequenos”. Segundo pesquisa de Glória Kok nos documentos de Afonso Botelho, a aquarela representa os índios convidando os oficiais a entrar em seus ranchos, para que ficassem livres da chuva, e oferecendo o pinhão que estavam assando no fogo.

Figura 53 - Cena 25 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.233

Na cena 25, “Dando os índios ao tenente-coronel das suas armas um bordão, um arco, e flechas, e o mesmo aos mais camaradas, e despedindo-se”. Os índios oferecem armas como arco e flecha aos oficiais do Tenente-Coronel. Há uma troca de presentes entre índios e brancos, cada um oferece o que tem, sendo que os brancos oferecem lenços vermelhos e ligas de pernas, e os índios, seus arcos e flechas. Todos ficam satisfeitos, como escrito no seguinte documento, extraído do livro de Glória Kok:

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2004.

Estando nós montados trouxeram-nos um grande tição de fogo, que levássemos: entendemos ser grande fineza pelo muito que lhe custar tirar, e quando estávamos a partir veio um oferecer um bastão dos referidos, um arco e uma flexa: aceitei e dei um lenço vermelho e as ligas das pernas, que é o que lhe podia dar; com o que ficou muito satisfeito.

Todos os índios offeceram aos camaradas sua flexa, e vendo o gosto com que as aceitávamos, prometeram fazer muitas e trazel-as: pozemol-as diante de nós direitas ao ar com as pernnas para cima e marchámos: do que eles fizeram grande galhofa.234

Figura 54 - Cena 26 - Aquarelas de Joaquim José de Miranda (1771), coleção Beatriz e Mario Pimenta Camargo, São Paulo, Brasil.235

Na cena 26, “Marchando o tenente-coronel, e os companheiros com arcos, e flechas dos índios, e estes mostrando algûas coisa que lhes deixou”. Os cavaleiros estão indo embora, enquanto os índios mostram os presentes oferecidos pelos oficias.

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KOK, Glória. O sertão itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII. São