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Críticas ao modelo do tratamento concedido ao adolescente em conflito com a

4.4 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI Nº 8.069/90)

4.4.2 Críticas ao modelo do tratamento concedido ao adolescente em conflito com a

Medidas Socioeducativas (Lei nº 12.594/12)

O Estatuto da Criança e do Adolescente, na década de 90, trouxe o sentimento de que, no cenário da Constituição de 1988, estabeleceria um novo instrumento de transformação

398 Costa reporta-se aos princípios estatutários que condicionam a medida de internação: “o princípio da brevidade enquanto limite cronológico; o princípio da excepcionalidade, enquanto limite lógico no processo decisório acerca de sua aplicação; e o princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, enquanto limite ontológico, a ser considerado na decisão e na implementação da medida”. (COSTA, Antônio Carlos Gomes. É possível mudar: a criança, o adolescente e a família na política social do município. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 401).

399 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. 2. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 222.

para os menores no Brasil. Após sua vigência, percebeu que, apenas, o ECA não era suficiente, em especial para tratar a questão do adolescente em conflito com a lei e do sistema socioeducativo, para alcançar os resultados esperados.400

Percebia-se um espaço discricionário deixado pelo legislador no Estatuto que era preenchido pela interpretação tutelar, considerando a falta de regras regulatórias da execução de medidas socioeducativas. Para suprir essa lacuna, havia necessidade de regulamentação normativa para esse fim.

Após intenso debate entre os defensores, de um lado, que o Brasil adotou o modelo de responsabilização pela prática do ato infracional, como um Direito Penal Juvenil, em face da Convenção das Nações Unidas e do Estatuto, e, de outro lado, os adeptos da “autonomia” do direito da criança,401 resultou no consenso sobre a necessidade de se editar regras para regulamentar o processo de execução das medidas socioeducativas402.

Dessa discussão científica surgiu a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que trata da criação, manutenção e operacionalização do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), em reação às críticas da lacuna legislativa contida no ECA. A Lei nº 12.594/12 constitui-se “no conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas” (art. 1º, § 1º).

O Sinase regulamenta os procedimentos destinados ao acompanhamento do cumprimento das medidas legais (protetivas e socioeducativas) fixadas na decisão judicial, que se destinam à responsabilização do adolescente a quem atribui a prática de ato infracional (art. 1º).

Nesse contexto, a Lei nº 12.594/12 estabeleceu as orientações principiológicas e os regramentos, fixou os critérios para avaliação, destinada ao integral cumprimento das medidas aplicadas na decisão judicial, bem como para adequação do programa e do projeto socioeducativo individualizado.403 A lei, ainda, tratou de integrar os Sistemas de Atendimento dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, assim como dos planos, das políticas e dos programas de atendimento ao adolescente praticante de ato infracional.

400 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. cap. 5.5, p. 21-37.

401 “Por fim, cumpre dizer que a ‘autonomia’ do Direito da Criança, sustentada por alguns operadores do Direito da Infância para afastar a ideia de um Direito Penal Juvenil, acaba produzindo e contribuindo para reeditar, de forma travestida, o festival de eufemismos e de desrespeito ao direito de cidadania que marcou o Código de Menores, fazendo a operação do Estatuto da Criança e do Adolescente com a lógica da Doutrina da Situação Irregular, fazendo das medidas socioeducativas instrumentos de política ‘de bem-estar de menores’, de triste experiência nestes brasis”. (Ibid., cap. 5.5, p. 19-37).

402

Ibid., cap. 5.5, p. 21-37.

A Lei nº 12.594/12 remete-se ao art. 112 do ECA, para se referir às medidas legais que possam ser determinadas ao adolescente em conflito com a lei. Como já se observou no item 4.4.1, a sentença judicial pode determinar a aplicação das medidas socioeducativas disciplinadas nos arts. 117 a 125 cumulativamente ou não com as medidas protetivas previstas no art. 101, incisos I a VI, do respectivo Estatuto.

De início, trata da responsabilização do adolescente pela prática de sua conduta infracional, incentivando, sempre que possível, a reparação do dano (art. 1º, § 2º, I). Esse seria o primeiro objetivo, traçando a perspectiva restaurativa da reparação do dano como sendo a via de responsabilização para o adolescente-infrator, como sanção socioeducativa.

O segundo e terceiro objetivos da lei diz respeito à integração social do adolescente e à garantia de seus direitos individuais e sociais, pelo cumprimento de seu plano individual de atendimento, bem como a desaprovação da conduta infracional, efetivando o dispositivo sentencial, observando como parâmetro máximo, as medidas de privação de liberdade ou de restrição de direitos (art. 1º, § 2º, II e III).

O adolescente desfruta da condução de sujeito, e, como tal, tem responsabilidade, o que implica pensar na culpabilidade atribuída ao inimputável sujeito de medida socioeducativa. Para tanto, deve ser elaborado o plano individual de atendimento socioeducativo, para contemplar poderá contemplar as práticas restaurativas, na fase de execução.

A Lei nº 12.594/12 prevê o programa de atendimento, como sendo a organização e o funcionamento, por unidade, das condições necessárias para o cumprimento das medidas socioeducativas (art. 1º, § 3º).

Assim, o programa de atendimento traçará o perfil organizacional e funcional de cada entidade de atendimento que acompanhará o cumprimento das medidas legais. A entidade é a pessoa jurídica de direito público ou privado que criará e manterá a unidade. Esta, por sua vez, deve contar com estrutura física e pessoal, com setores adequados às novas funções protetivas e socioeducativas, estabelecidas nessa norma do Sinase, em especial, para cumprir os fins das leis regenciais (Constituição e ECA)404.

Para tanto, enuncia os princípios basilares do processo de execução, a saber (art. 35): i) legalidade, por não poder aplicar ao adolescente medida mais gravosa de que ao adulto; ii) excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, com prevalência dos meios autocompositivos de conflitos; iii) prioridade a práticas ou as medidas restaurativas e,

sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas; iv) proporcionalidade em relação à ofensa cometida; v) brevidade da medida em reação ao ato cometido, em especial ao que disciplina o art. 122 do ECA; vi) individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; vii) mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; viii) não discriminação do adolescente, em especial em razão da etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertenciamento a qualquer minoria ou status; e ix) fortalecimentos dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo. Some-se a esse conjunto de valores, os previstos no Estatuto e da Constituição Federal405, consolidando-se num sistema de garantias de modelo de responsabilidade juvenil.

Assim, no âmbito da justiça juvenil, é possível dizer que a opção pela medida socioeducativa aplicável ao adolescente, deve ser alinhada pelo juiz após o exame de todo o conjunto principiológico, na busca dos objetivos da medida e dos elementos de individualização, constantes nos termos do art. 112, § 1º, do Estatuto. Este seria o dispositivo que mais se aproxima do art. 59 do Código Penal, por se tratar da individualização da medida, a ser assegurada na sentença, mas não se confunde com a individualização da pena prevista no Diploma Penal.

Na operação da individualização da medida socioeducativa, além dos elementos constantes no art. 112, § 1º, serão considerados os limites previstos no art. 122, do ECA, por ocasião da aplicação da medida de internação, bem como todo o conjunto normativo da Lei nº 12.594/12, sobretudo os objetivos da medida e seus princípios. A medida socioeducativa busca sua finalidade pedagógica, embora se perceba sua carga retributiva.406

A utilização da avaliação interdisciplinar é facultativa, deve ceder frente à condição da pessoa em desenvolvimento, devendo escolher a medida socioeducativa mais adequada para o adolescente, em decisão judicial devidamente fundamentada. Saraiva fundamenta a importância do princípio da celeridade, nos termos da Convenção, uma vez que o tempo no processo não se confunde com o tempo da vida, e a vida de um jovem produz transformações em pouco tempo, seja para melhor ou para pior, devendo, para tanto, sempre acompanhar a

405 Martha Toledo resume os princípios constitucionais especiais do sistema de responsabilização juvenil, como: Princípio da Reserva Legal; Princípio da Culpabilidade; Princípio da inimputabilidade penal; Princípio da excepcionalidade na privação de liberdade; Princípio da brevidade na privação de liberdade; Princípio do Contraditório; Princípio da Ampla Defesa. Nesse contexto, diz Saraiva “que se identifica a ideia de um Direito Penal Juvenil, em um universo de valores que desconstrói o paradigma da incapacidade para reconhecer o adolescente em sua condição de sujeito de direitos, com responsabilidade penal juvenil.” (SARAIVA, 2013, cap. 5.5, p. 20-37).

avaliação interdisciplinar e atualizá-la, por ocasião do julgamento de primeira ou segunda instância.407

Superada a aplicação da medida legal pelo Judiciário, verifica-se que a principal mudança da nova lei (Sinase) foi a municipalização do acompanhamento do cumprimento das medidas de prestação de serviços à comunidade e de liberdade assistida. Os Estados se responsabilizam, fora a atividade jurisdicional, com acompanhamento do cumprimento das medidas privativas de liberdade (semiliberdade e internação).

Como resultado, a nova Lei do Sinase repassou a responsabilidade para o município, notadamente pela previsão de substituição da medida socioeducativa de privação de liberdade (“meio fechado”) pela medida de “meio aberto” (prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida), ante o insucesso daquela408.

Essa alteração na responsabilidade foi necessária, em virtude de os Estados não terem serviços disponíveis em todos os municípios. Disso resultou na saída legislativa de municipalização do serviço, bem como na imposição a todos os munícipios de implantarem a unidade de atendimento em “meio aberto” (prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida).