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O Projeto de Lei nº 7.006/2006472, em trâmite na Câmara dos Deputados, na Ccjc, propõe alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e nos Juizados Especiais

472 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 7.006, de 2006b. Propõe alterações no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoes Web/fichadetramitacao?idProposicao=323785>. Acesso em: 04 jan. 2016.

Criminais (Lei nº 9.099/95), para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais.

O Projeto se encontra paralisado e conta com a última movimentação, datada de 04/06/2014, quando o atual relator, o Deputado Federal Lincoln Portela (PR-MG), emitiu voto473, no sentido de que não vislumbra, no referido projeto, ofensa a princípio constitucional, notadamente às cláusulas pétreas acerca do Direito Penal e Processual Penal. O relator conclui o voto, reconhecendo a constitucionalidade, juridicidade e adequação da técnica legislativa, e, no mérito, manifestou-se pela sua aprovação.

Em análise ao Projeto, o art. 1º inicia considerando o uso facultativo e complementar dos procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, nos casos de contravenções penais ou de crimes.

Pallamolla reporta-se ao termo “facultativo” como algo problemático, haja vista o dispositivo não se referir a quais tipos de crime ou contravenções penais possa ser passível de aplicação do modelo restaurativo. Afirma a autora, ao não fazer referência, surgiu o risco de que se encaminhe ao espaço restaurativo apenas os casos de bagatela. A autora justifica seu pensamento no campo empírico, ao afirmar que, existindo regras claras acerca de quais hipóteses sejam passíveis de encaminhamento, a tendência é o envio de casos de menor porte, reduzindo o seu campo de atuação.474

Contudo, diferentemente do que afirma a autora supracitada, o dispositivo não traz qualquer limitação a respeito da gravidade da infração penal. Assim, a base interpretativa não deve se circunscrever a aplicação aos delitos de menor gravidade afetos à exclusividade dos Juizados Especiais Criminais.

Como definição, o Projeto considera procedimento restaurativo as práticas e atos conduzidos por facilitadores, compreendendo os encontros entre ofendido e ofensor, e, quando adequado, poder contar com a participação de outras pessoas ou membros da comunidade afetados pela infração penal (crime ou contravenção), que atuarão coletiva e ativamente na resolução da lide, num espaço estruturado, denominado de núcleo de Justiça Restaurativa (art. 2º).

Para tanto, o Projeto compreende como atos do procedimento restaurativo as consultas às partes a respeito do interesse em participar da prática (voluntariamente), entrevistas

473 BRASIL. Câmara dos Deputados. Parecer do Relator nº 2, Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Projeto de Lei nº 7.006, de 2006a. Parecer do Relator, Dep. Lincoln Portela (PR-MG). Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=618109>. Acesso em: 04 jan. 2016.

individuais e prévias ao encontro restaurativo com o objetivo de oferecer uma resposta adequada ao conflito (art. 7º). Esses atos ocorrem tanto nas técnicas de MVO como nos círculos restaurativos. Aliás, há de acrescer mais um ato, a sessão posterior para averiguar o cumprimento do acordo, seja na mediação (pós-mediação) seja no círculo (pós-círculo).

A remessa dos casos ao núcleo restaurativo pode se dar pelo juiz, com a anuência do Ministério Público, enviando peças de informação, termos circunstanciados de ocorrências (TCO’s), inquéritos policiais ou autos de ação penal, quando a hipótese preencher os requisitos do procedimento restaurativo (art. 4º).

O espaço, onde funcionará o núcleo, deve ser apropriado e contar com estrutura adequada, dispondo de recursos materiais e humanos suficientes para o seu bom funcionamento (art. 6º). Os facilitadores que irão atuar nesse local e conduzir as práticas devem ser previamente capacitados, por um corpo técnico qualificado.

Com a Meta nº 8/2006475, do CNJ, a tendência é a instalação ou qualificação de uma unidade restaurativa dentro do Cejusc, nos termos da redação da meta. O “Centro” já foi criado com esse fim, para ser um espaço de multiportas de resolução de conflitos dentro do Judiciário, conforme a Resolução nº 125/2010, do CNJ. Não há mais necessidade da instalação de núcleo restaurativo independente, salvo se algum Tribunal de Justiça entenda que essa é a melhor forma.

A técnica prevista para o núcleo, segundo o Projeto, seria a mediação pautada nos princípios restaurativos (art. 8º). Atualmente, os tribunais que já implantaram as práticas restaurativas, em especial, a Vara da Infância e Juventude, utilizam a técnica do círculo restaurativo. Nessa particular, o Projeto precisa desse ajuste, tendo em vista de acrescer como técnica os círculos, até porque, atualmente, consiste na prática mais difundida no Judiciário brasileiro e já ter demonstrada sua eficiência como estratégia restaurativa viável e exitosa, conforme tratado no item 4.4.3. Assim, poder-se-ia constar no projeto de lei, tanto a MVO quanto os círculos restaurativos.

A gestão do núcleo restaurativo será composta por “uma coordenação administrativa, uma coordenação técnico-interdisciplinar e uma equipe de facilitadores que deverão atuar de forma cooperativa e integrada” (art. 6º).

A coordenação administrativa será a gestora do núcleo restaurativo, e irá apoiar a realização das atividades desenvolvidas pela coordenação técnico-interdisciplinar. Esta, por seu turno, orientar-se-á por uma metodologia interdisciplinar, sendo integrada “por

475 Meta n° 8/2016 do CNJ: Implementar projeto com equipe capacitada para oferecer práticas restaurativas, implantando ou qualificando pelo menos uma unidade para esse fim, até 31.12.2016.

profissionais da área de psicologia e serviço social, que promoverão a seleção, a capacitação e a avaliação dos facilitadores, além da supervisão dos procedimentos restaurativos” (art. 6º, § 2º).

Os facilitadores serão recrutados, preferencialmente, por profissionais das áreas da psicologia e do serviço social (art. 6º, § 3º). Essa delimitação no Projeto parece desnecessária, e, a despeito dos profissionais dessas duas áreas serem importantes, percebe-se, também, a necessidade dos bacharéis em direito, de pedagogos, administradores e dos voluntários, de diversas áreas, que possuem o perfil, desde que capacitados para integrar a equipe multidisciplinar.

No núcleo, ocorreram as práticas restaurativas, e, pela atual nomenclatura do CNJ, será em Unidade dentro do Cejusc. Do encontro, pode surgir o acordo, o qual estabelecerá as obrigações assumidas pelas partes, com o escopo de suprir as necessidades individuais e coletivas das pessoas envolvidas e afetadas pelo crime ou pela contravenção, com auxílio de facilitadores (arts. 3º e 558).

Assim, ao obter os esclarecimentos dos pontos obscuros, e identificar os sentimentos das partes, por vezes, encobertos pelo discurso posicional, o facilitador deve estabelecer cada ponto combinado, considerando item por item,476 a fim de encerrar o procedimento com a solução mais adequada, considerada pelos participantes. Para tanto, o Projeto prevê que o acordo será reduzido a termo:

Art. 559. [...] fazendo dele constar as responsabilidades assumidas e os programas restaurativos, tais como reparação, restituição e prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes, especialmente a reintegração da vítima e do autor do fato.

Importante destacar que, quando há o fechamento do procedimento pelo acordo, a resposta avençada além de ser mais sólida com mais chance de ser cumprida, é sempre considerada mais justa pelas partes, por óbvio, pela participação na sua construção. O acordo deverá ser homologado pelo magistrado, salvo se houver cláusulas humilhantes, degradantes ou violadoras de direitos humanos. O art. 562, parágrafo único, ainda estabelece que o juiz poderá deixar de homologar o acordo, se ele não observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ou deixar de atender às necessidades individuais ou coletivas dos envolvidos no conflito criminal.

476 BACELLAR, Roberto Portugal. Técnicas de mediação para magistrados. In: PELUSO, Min. Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Coords.). Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 191-192.

Segundo o Projeto, ainda, os princípios restaurativos são “a voluntariedade, a dignidade humana, a imparcialidade, a razoabilidade, a proporcionalidade, a cooperação, a informalidade, a confidencialidade, a interdisciplinaridade, a responsabilidade, o mútuo respeito e a boa-fé” (art. 9º).

Para a homologação, o juiz analisará ainda a legalidade dos itens combinados, não tendo qualquer acesso ao processo de construção do acordo, nem as discussões havidas durante as práticas. Ademais, é oportuno ressaltar o encontro restaurativo que deve sempre se pautar pelo sigilo e pela confidencialidade.

Até a homologação do acordo, o Projeto prevê a possibilidade de desistência das partes do processo restaurativo. Para o caso de desistência ou descumprimento do acordo, o magistrado “julgará insubsistente o procedimento restaurativo e o acordo dele resultante, retornando o processo ao seu curso original, na forma da lei processual” (art. 560).

O Projeto prevê, ainda, a possibilidade do facilitador suspender, de forma imediata, o procedimento restaurativo quando observada a impossibilidade de seu prosseguimento (art. 561). Nessa via, é papel do facilitador velar pelos propósitos restaurativos; e, quando verificar que a prática não está surtindo efeito e os fins estão sendo desviados, ele deve suspender o procedimento e devolvê-lo para segui-lo no procedimento tradicional.

O Projeto propõe alterações em alguns dispositivos do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei dos Juizados Especiais Criminais, visando à institucionalização normativa de procedimentos de Justiça Restaurativa no ordenamento jurídico brasileiro, conforme se verá na sequência.

No Código Penal, será introduzida modificação no art. 107, inciso X, para disciplinar uma nova forma de absolvição, por meio da extinção da punibilidade, quando o acordo restaurativo for cumprido. No mesmo dispositivo, ainda, será acrescido o inciso VII, estabelecendo nova modalidade de interrupção da prescrição, a saber: da homologação do acordo até o seu efetivo cumprimento.

A proposta para o CPP reside nas seguintes modificações:

Art. 10. [...].

§ 4º A autoridade policial poderá sugerir, no relatório do inquérito, o encaminhamento das partes ao procedimento restaurativo.

Art. 24. [...].

§ 3º Poderá o juiz, com a anuência do Ministério Público, encaminhar os autos de inquérito policial a núcleos de justiça restaurativa, quando vítima e infrator manifestarem, voluntariamente, a intenção de se submeterem ao procedimento restaurativo.

§ 4º Poderá o Ministério Público deixar de propor ação penal enquanto estiver em curso procedimento restaurativo.

Art. 93 A. O curso da ação penal poderá ser também suspenso quando recomendável o uso de práticas restaurativas.

No CPP, ainda serão introduzidos no Capítulo VIII, sete novos artigos (arts. 556 a 562), que irão disciplinar o procedimento restaurativo e os requisitos para a sua indicação, na forma acima já tratada, começando com a análise de algumas circunstâncias judiciais, passando pela remessa do caso pelo juiz, com anuência do Ministério Público, ao núcleo, assim como a regulamentação do atendimento pelos facilitadores, a elaboração do acordo e sua homologação.

Em relação à Lei nº 9.099/95, o Projeto altera os seguintes dispositivos, passando à seguinte redação:

Art. 62. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando-se, sempre que possível, a conciliação, a transação e o uso de práticas restaurativas.

Art. 69. [...]

§ 2º A autoridade policial poderá sugerir, no termo circunstanciado, o encaminhamento dos autos para procedimento restaurativo.

Art. 76. [...]

§ 7º Em qualquer fase do procedimento de que trata esta Lei o Ministério Público poderá oficiar pelo encaminhamento das partes ao núcleo de justiça restaurativa.

Nessa configuração, para os Juizados Especiais Criminais, o Projeto acrescenta, no dispositivo que orienta os princípios do microssistema, o uso das práticas restaurativas ao lado da conciliação e da transação penal, como um dos seus institutos a ser remetido os casos.

No Brasil, a implantação desse Projeto será sob o crivo do Poder Judiciário, com a ampliação do leque de mais um serviço público para incluir a Justiça Restaurativa, como opção para às partes e mais uma técnica de solução de conflito. A Justiça Restaurativa contará com os profissionais de todas as instâncias judiciais do âmbito criminal; são eles: os magistrados (juízes de direito e desembargadores), os facilitadores, promotores de justiça, defensores públicos, advogados, serventuários, membros da rede de atendimento judicial e voluntários capacitados e sensibilizados para a transformação da cultura do litígio em cultura de paz.

Embora haja espaços normativos para a aplicação da Justiça Restaurativa no contexto brasileiro, com maior razão diante da Meta nº 8/2016, do CNJ, necessita-se incluí-la no ordenamento jurídico nacional, a fim de fixar o procedimento, padrões e diretrizes legais. Sem embargo do contido na Resolução nº 2002/12, da ONU, é de grande relevância a adaptação e a contextualização da aplicação da Justiça Restaurativa à realidade e peculiaridade nacional.

O Projeto de Lei nº 7006/2006, apesar de necessitar de alguns ajustes, caminha na direção para estruturar o sistema de Justiça Restaurativa perante as instâncias judiciais, regulamentando o procedimento restaurativo, inclusive com alterações propostas no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei dos Juizados Especiais Criminais.

Investir, nesse modelo, implica muito mais uma mudança de cultura e percepção do que uma mudança legislativa. Esse caminho evidencia-se em um importante passo para sedimentar uma nova competência de lidar com conflitos penais, tornando-o acessível a toda a sociedade essa nova forma de pacificação social.