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3.4 SUJEITOS AFETADOS PELA INFRAÇÃO

3.5.3 Outras práticas restaurativas

Entre outras práticas restaurativas, pode-se citar o “Apoio à vítima”, as “Conferências de Família”, “Comitês de paz” e “Conselhos de cidadania”. Aliás, outros modelos devem surgir com as necessidades dos casos ou poderão ser adaptados e alterados aos modelos existentes, de acordo com o problema a ser tratado.

Pode-se dizer que o “Apoio à vítima” consiste num serviço ou programa destinado a amparar a parte que suportou o ônus do crime. A vítima, em sua grande maioria, após a ação sofrida, precisa ser tratada e cuidada, principalmente, para não vitimizar outras pessoas com seu trauma. O ofendido precisa continuar sua vida, sentindo-se seguro. A vingança vem do trauma não curado, portanto, é importante quebrar o ciclo.

288 PRANIS, 2010, p. 39-55. 289 PALLAMOLLA, 2009, p. 120.

290 “Significa totalidade. Considerar o todo levando em consideração as partes e suas inter-relações.” (MARCELO. Holístico. Dicionário inFormal, 05 mar. 2007. Disponível em: <http://www.dicionario informal.com.br/holístico/> Acesso em: 25 nov. 2015).

A Justiça Restaurativa oferece a possibilidade, mesmo sem a presença do ofensor, de atenção às necessidades das vítimas (vítima direta e comunidade), demonstrando que há interesse público com a situação de vitimização e de buscar alternativas para minorar, o máximo possível, os danos decorrentes da infração.291

Os programas e serviços de apoio à vítima funcionam, em regra, visando, apenas, a auxiliar o sistema de justiça criminal.292 Na Justiça Restaurativa, tais serviços são de grande relevância por ter, como preocupação precípua, a vítima, seja direta ou indireta.

As “Conferências de Família” foram adotadas oficialmente, pela primeira vez, pela Nova Zelândia para a justiça juvenil. Essa técnica apresenta-se com dois modelos básicos: i) court-referred, as ocorrências não vão para o sistema de justiça, sempre que possível (Nova Zelândia); ii) police-based, o encontro é intermediado pela família ou pela escola (Austrália e grande parte dos EUA). Essa técnica, inicialmente, utilizada apenas para os jovens, foi estendida para a justiça adulta, na modalidade de diversificação (diversion), método alternativo à justiça criminal para casos de crimes menos densos.293

Participam dessa prática, a vítima e o ofensor, seus familiares e pessoas que lhe dão suporte, uma rede de apoio e de cuidado. Na Nova Zelândia, admite-se a prática mesmo que o menor não esteja presente. Não há essa exigência para sua realização. O procedimento utilizado é similar ao da MVO com escutas individuais pelos facilitadores, antes de reunir a vítima e o ofensor. Quando reunidos, os envolvidos manifestam seus pontos de vista, falam sobre o impacto do fato e decidem o que deve ser realizado para reparar o dano. Os resultados dos acordos podem incluir um pedido de desculpas, trabalho comunitário, reparação ou participação em programa destinado a jovens. As pesquisas demonstram o sucesso dessa prática, pelo índice de infratores que cumprem os combinados alcançados nas conferências,294 manifestando mais eficiência e eficácia do que o sistema tradicional.

Os “Comitês de Paz” são utilizados nas comunidades com duas preocupações: (i) a pacificação para resolver conflitos particulares; (ii) a construção de paz para trabalhar conflitos que atingem toda a comunidade. Assemelham-se a alguns tipos de círculos (de sentença e de cura), mas deles se diferenciam por tratar também questões de segurança na comunidade, em complemento à atividade governamental, por essa não ser suficiente. Os comitês de pacificação ainda trabalham com os conflitos antes de identificados como crimes pelas instâncias judiciais, e os comitês de construção da paz que enfatizam outras questões

291 ACHUTTI, 2014, p. 41. 292 Ibid., p. 42.

293 PALLAMOLLA, 2009, p. 117. 294 Ibid., p. 117-119.

mais amplas da comunidade. Busca-se um modo deliberativo para esses tipos de problemas dentro da comunidade, visando resolver os conflitos internos a longo prazo de forma efetiva.295

Os “Conselhos de cidadania”, em regra, são encontros com condenados de justiça por pequenos delitos, cujo objetivo é negociar uma forma de reparar o dano, advindo do crime. Esse modelo é criticado por ter o viés restaurativo comprometido, devido às partes não terem voz ativa na deliberação do caso, em face da decisão final ser de competência do conselho e não dos envolvidos.296

295 ACHUTTI, 2014, p. 66-67. 296 Ibid., p. 67-68.

4 JUSTIÇA TRADICIONAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA

Em debates mais recente, reabriu-se a discussão se a Justiça Restaurativa estaria em completa oposição à justiça tradicional ou não, assim como se é possível a convivência dois modelos dentro do mesmo sistema de justiça.

No Brasil, com a recente adesão do Poder Judiciário brasileiro, no segmento da Justiça Estadual, ao modelo restaurativo, pela Meta nº 8/2016297 do CNJ, a discussão jurídica, atualmente, não reside mais em saber se se deve ou não orientar na direção da Justiça Restaurativa em matéria criminal, e, mais em saber qual seria a relação adequada entre esse modelo e a justiça tradicional, qual o momento e a forma de encaminhar os casos penais para as práticas restaurativas. Cabe identificar, ainda, quais técnicas restaurativas se desejam aplicar ao Poder Judiciário e em quais fases processuais e infrações, isso é possível.

Nessa configuração, serão abordadas as diferenças, as aproximações, a atuação conjunta e as hipóteses de incidência da justiça tradicional e da Justiça Restaurativa. Serão consideradas, ainda, neste capítulo, com maiores detalhes, a importância e a contribuição da Justiça Restaurativa na Vara da Infância e Juventude e nos Juizados Especiais Criminais, na medida em que a incidência desse modelo, nesses dois segmentos resta pacífica, bem como encontram-se, nessas unidades judiciais, as experiências-piloto desenvolvidas dentro do Poder Judiciário brasileiro. Por último, será demonstrada a possibilidade, ou não, da aplicação da Justiça Restaurativa em outras hipóteses, a saber: na violência doméstica, na criminalidade grave e na execução penal.