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Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesse:

2.2 ACESSO À JUSTIÇA CRIMINAL

2.2.2 Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesse:

Numa breve contextualização histórica, pode-se dizer que, das promessas da Constituição Federal, a única a sair do papel foi a reforma do Judiciário brasileiro, sistematizada na Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Na sequência, os chefes dos três Poderes realizaram o Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano, e, foi implantado o CNJ com atribuições de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e de controle ético-disciplinar de seus membros.92

Cumprindo a missão de formular um planejamento estratégico do sistema judicial nasceu o Movimento pela Conciliação93 no sistema judicial brasileiro, com o slogan “Conciliar é Legal”, deflagrado com a “Semana Nacional da Conciliação”. Desse movimento, surge o Comitê Gestor94 que apresentou uma carta95 à sociedade brasileira, realçando a importância da conciliação para a resolução de conflitos.

92 MORAES, Germana de Oliveira; LORENZONI, Eduardo Kurtz. A bandeira da paz da Justiça Brasileira (Nascimento, berço e vida durante a gestão inicial do CNJ). In: PELUSO, Min. Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Coords.). Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 74.

93 Na data de 23.08.2006, o movimento pela conciliação foi lançado oficialmente pela Min. Ellen Gracie, então Presidente do CNJ e do STF. (Ibid., p. 78).

94 Comitê Gestor composto pelos seguintes membros: André Granja – JFAL, Denise Krüger – JEPR, Douglas Alencar – CNJ, Eduardo Lorenzoni – CNJ, Zilah Petersen – ENM, Germana Moraes – CNJ, Kasuo Watanabe – CEBEPEJ, Joaquim Falcão – CNJ, Luciano Chaves – JTRN, Marco Aurélio Buzzi – TJSC, Mariella Nogueria – JESP, Nancy Andrighi – STJ, Paulo Lôbo – CNJ, Ruy Rosado – UFRGS, Sandra Chalu – TRF 2ª Região, Vilian Bolmann – JFSC, Roberto Bacellar – TJPR, André Gomma de Azevedo – TJBA, Eduardo Gallo – TJSC, Paulo Zacarias – Fonaje, Marília Lobão – TJDF, Geneviève Grossi – TRF 1ª Região, Walter Nunes – AJUFE. (MORAES; LORENZONI, 2011, p. 78).

A continuidade administrativa desse movimento resultou na opção política do CNJ, manifestada na edição da Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, em alterar de forma significativa a cultura jurídica no país, instalando, difundindo e transformando os Tribunais para se pautar no consenso e na pacificação.96

Para tanto, o Judiciário precisa trabalhar melhor os conflitos. Pode-se dizer que os dissensos são atributos inerentes à natureza humana, para isso não se pretende acabar com os litígios, mas firmar uma política que solucione, de modo simples e eficiente, essas colisões. Isto porque, tanto o Judiciário necessita de uma Justiça mais rápida, acessível e efetiva quanto a sociedade merece.97

Nessa perspectiva, a Resolução nº 125/2010 incentiva a utilização de métodos consensuais de solução de conflitos, pela conciliação, mediação e Justiça Restaurativa, ou seja, é o que Cappelletti e Garth chamaram de “terceira onda renovatória” do processo, ao traçar o movimento de acesso à justiça, já tratado no item anterior. Essa “onda” seria responsável pela simplificação dos procedimentos do direito processual e do direito material e, no geral, de institutos e mecanismos, pessoas e procedimentos, utilizados para processar e até prevenir conflitos.98

Os métodos consensuais de solução de conflitos sempre foram colocados numa perspectiva “alternativa” de sua utilização fora do Poder Judiciário. Contudo, a Resolução nº 125/2010 normatiza os referidos métodos à disposição desse Poder, para a concretização do 95 Trechos da Carta: “É chegada a hora do Poder Judiciário expandir de forma inovadora, sistemática e permanente os serviços que já presta à cidadania. Ao lado da adjudicação, onde o equacionamento das causas é feito por meio da decisão do juiz, cumpre agora expandir outros mecanismos de resolução de conflitos, como a conciliação, que inclui a mediação. São mecanismos onde as partes, mais do que o juiz, constroem o acordo que pacifica. [...] Três são as contribuições principais da Justiça de Conciliação ao processo de paz social. Primeiro, contribui para implantar uma cultura do diálogo entre os cidadãos e as instituições, e das instituições entre si, para a prática de uma cultura do saber ouvir e do saber ceder, para disseminar uma cultura de cooperação onde ambas as possam ganhar. Segundo, contribui para a maior efetividade da justiça, já que as decisões atingidas por comum acordo são mais sólidas e têm mais chance de serem obedecidas e implementadas. Finalmente em terceiro lugar, possibilita uma justiça mais ágil e mais barata, desafogando o trabalho dos juízes para que possam se dedicar aos casos mais complexos. A função precípua do Judiciário é promover a paz social, ou seja, combater a cultura da violência. E, para esta função, convocamos de forma cooperativa e voluntária os profissionais da justiça e a sociedade brasileira. O Conselho Nacional de Justiça assume suas responsabilidades e se engaja forte e decisivamente na implementação da Justiça da Conciliação. A todos pedimos apoio. A todos pedimos o risco da mudança e da inovação. A todos pedimos a irrestrita solidariedade com a eficiência da democracia. Que mais do que um ideal, a democracia como paz social seja a realidade da sociedade brasileira. Uma tarefa coletiva, complexa de médio e longo prazos, mas altamente compensatória. Conciliar é diálogo, conciliar é legal, conciliar é paz.” (MORAES; LORENZONI, loc. cit.). 96 PACHÁ, Andréa Maciel. Movimento pela conciliação: o foco na sociedade. In: PELUSO, Min. Antonio

Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Coords.). Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 91.

97 PACHÁ, loc. cit.

princípio constitucional do acesso à justiça, visando a uma complementaridade a atividade judicial, cuja tarefa precípua é o poder decisório.99

A Constituição Federal não assegura um acesso meramente formal à Justiça, mas o acesso qualificado, a uma ordem jurídica justa. Nesse sentido, busca-se aumentar as opções disponíveis para a solução dos conflitos pelo Poder Judiciário.100

Para implantar essa nova política, a Resolução nº 125/2010 previu, em seu art. 7º, a instalação do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), composto por magistrados e servidores, para planejar, implementar, manter e aperfeiçoar ações destinadas ao cumprimento de política pública e suas metas, cuja função é de política judiciária, atuando na interlocução com outros tribunais, entidades públicas e privadas, e demais instâncias judiciais e instituições de ensino.

Cumpre, ainda, ao “Núcleo” instalar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) que concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação ou qualquer outra técnica de método de solução de conflito (art. 7, IV, da Resolução nº 125/2010). Para tanto, deve incentivar ou promover capacitação, treinamento e atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores, mediadores nos métodos consensuais de conflitos, realizando cursos, oficinas, palestras de sensibilização da utilização de tais técnicas. Deve, inclusive, manter o cadastro atualizado dos conciliadores e mediadores (art. 7º, § 4º, da Resolução nº 125/2010), bem como regulamentar a remuneração específica.

O “Núcleo” deverá estimular os programas de justiça comunitária, desde que não se confundam com os seus “Centros” (art. 7º, § 2º, da Resolução nº 125/2010). Nesse sentido, vários núcleos de justiça comunitária estão sendo implantados ou qualificados em várias regiões do país, com o fim de coesão social, solidariedade, promoção da paz, por meio de atividades de informação jurídica, mediação comunitária e animação de redes sociais. Com isso, estima-se pela contribuição de forma significativa, para a inclusão de milhões de brasileiros que ainda se encontram à margem do sistema de justiça.101

O “Núcleo” ainda poderá centralizar e implementar, no âmbito criminal, programas de mediação penal ou qualquer outro processo restaurativo, desde que obedeça aos princípios básicos e processos restaurativos disciplinados na Resolução nº 2.002/12, de 24 de julho

99 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. A Resolução n° 125 do Conselho Nacional de Justiça: origem, objetivos, parâmetros e diretrizes para a implantação concreta. In: PELUSO, Min. Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Coords.). Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 231.

100 Ibid., p. 252.

101 FAVRETO, Rogério. Da experiência a política pública. In: FOLEY, Gláucia Falsarella (Org.). Justiça

Comunitária: uma experiência. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2010. p. 11.

de 2002, do Conselho Econômico e Social (Ecosoc) da ONU (art. 7º, § 3º, da Resolução nº 125/2010).

Os “Centros” constituem unidades do Poder Judiciário, destinadas a promover as sessões de conciliação e mediação, no âmbito de determinado território definido pela organização judiciária do Estado, e o atendimento e orientação aos portadores de dúvidas e problemas jurídicos (art. 8º, da Resolução nº 125/2010).

Para a criação dos “Centros” foram utilizados parâmetros de gerenciamento do processo e setores de conciliação e mediação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Fórum de Múltiplas Portas do direito norte-americano.102

Os “Centros” devem absorver, além das demandas da conciliação e da mediação, os casos encaminhados do âmbito criminal do Judiciário, seja da justiça criminal de adultos seja da justiça juvenil. Esses centros devem desenvolver uma função social: por apostar numa solução mais participativa; com maior acesso a direitos básicos e à construção das bases interpretativas do direito, notadamente para garantir os direitos sociais; com fortalecimento na dimensão de respeito aos direitos humanos, premissas respaldadas pelo modelo restaurativo.