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Violência Doméstica (Lei nº 11.340/06)

4.5 OUTRAS HIPÓTESES CRIMINAIS ACERCA DA POSSIBILIDADE DE

4.5.1 Violência Doméstica (Lei nº 11.340/06)

A partir da Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha421, os delitos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher foram retirados da competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos do art. 41 daquela lei, independentemente do crime se enquadrar ou não no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

Nesse sentido, não é mais admissível a aplicação dos institutos consensuais previstos na Lei nº 9.099/95, composição de danos civis, transação penal e suspensão condicional do processo aos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher, por força do art. 41 da Lei nº 11.340/06. A constitucionalidade dessa lei foi questionada, resultando no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF),422 na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 19 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4424, que proferiu decisão pela constitucionalidade da Lei Maria da Penha e pela dispensa da representação da vítima

421 “Em 1983, a farmacêutica e bioquímica cearense Maria da Penha Maia estava dormindo, quando levou um tiro nas costas que a deixara tetraplégica pelo resto da vida. O autor do disparo foi o próprio marido, o professor universitário colombiano Marco Antonio Herredia Viveros, condenado pela barbárie somente 20 anos mais tarde. A punição só foi aplicada depois que a vítima entrou com uma ação contra o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância com relação à violência contra a mulher na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), caracterizando o primeiro relato do gênero feito ao órgão na América Latina.” Dessa denúncia, nasceu a Lei Maria da Penha. (ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Cinco anos da Lei Maria da Penha: das cinzas, surge o símbolo da luta contra a violência doméstica. Revista de Direitos Humanos, Brasília, p. 14, jan. 2012).

422 “Em 9 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n° 19 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 4424. A ADC 19 foi ajuizada pela Presidência da República e pedia que fosse confirmada a legalidade de alguns dispositivos da Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006). Por unanimidade, os ministros acompanharam o voto do relator e concluíram pela procedência do pedido a fim de declarar a constitucionais os artigos 1°, 33 e 41 da Lei. Já a ADI 4424 ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) questionando a constitucionalidade dos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006). Por maioria de votos, vencido o presidente, Ministro Cezar Peluso, a ação foi julgada procedente. Em resumo, decidiu-se que não se aplica a Lei n° 9.099/1995, dos Juizados Especiais, aos crimes da Lei Maria da Penha e que nos crimes de lesão corporal praticado contra a mulher no ambiente doméstico, mesmo de caráter leve, atua-se mediante ação penal pública incondicionada [...].” (DECISÕES STF ADC 19 e ADI 4424 (constitucionalidade da Lei Maria da Penha e dispensa da representação da vítima). Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte, 25 ago. 2015. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/decisao-stf-adc-19-e-adi- 4424-09022012/>. Acesso em: 18 dez. 2015).

para os casos de lesão leve ou culposa. Nessa última hipótese, o STF entendeu pela dispensa da representação, como condição de procedibilidade, para garantir, de forma incondicional, os instrumentos de proteção aos interesses e bens jurídicos da mulher.

O legislador fez a opção de intensificar os mecanismos repressivo-retributivos no combate à violência doméstica, inclusive com a possibilidade da decretação da prisão preventiva. O critério utilizado foi o da qualidade da vítima e das circunstâncias em que o delito é cometido como indicador para equiparar a infração de maior gravidade.423

Nessa configuração, a aplicação da Justiça Restaurativa, no âmbito da violência doméstica, tem sido alvo de intenso debate e de prática refutada, sob três principais argumentos mapeados por Marques e Lázaro: i) aspecto normativo: há uma censura pública a respeito desses comportamentos e as normas típicas não são aceitas consensualmente. A mediação não tem força para impor tais normas; ii) estrutura intrínseca do processo de mediação: a mediação não conta com uma autoridade forte na condução, o que pode gerar um desequilíbrio para as partes de poder entre vítima e agressor. Pode-se utilizá-la como estratégias de defesa, arrependimento e promessas de retratação, pedido de desculpa, entre outros; iii) duração do processo de mediação: exaure-se no cumprimento do acordo, sem controle da conduta posterior do ofensor e do bem-estar da vítima.424

No ambiente doméstico e familiar, não raro o companheiro ou marido apela para a violência física (lesões) e/ou psicológica (ameaças e humilhações), a fim de manter uma relação de dominação crescente, em que o rompimento do diálogo acaba por levar a uma espiral degenerada de comunicação.

Contudo, apesar da difusão da Lei Maria da Penha, é difícil retirar a mulher ofendida da esfera de influência do agressor, ainda que se tenha realizado a ocorrência na polícia. A prática demonstra que, passado o momento inicial da violência física, a tendência é a vítima não ter mais interesse no prosseguimento da persecução penal, ou ao menos, esquivar-se quando intimada para colaborar com as investigações ou com o processo. Fato frequente, constata-se no não comparecimento da ofendida na audiência de ratificação da representação, disciplinada no art. 16 da Lei nº 11.340/2006, antes da decisão do STF.

Por esses motivos, é refutada a aplicação da Justiça Restaurativa para os casos de violência doméstica ou familiar. A relação de intimidade continuada entre as partes pode implicar uma revitimização, podendo resultar em desdobramentos piores para a situação, na hipótese de um encontro malsucedido. Isso ocorre, porque a humilhação,

423 LEITE, 2013, p. 232.

a raiva e o temor impedem que a vítima assimila de forma racional e frutífera, a experiência delitiva vivida.

Na Áustria e na Finlândia, apesar dos argumentos expostos caminharem em sentido contrário, aderiram a prática da mediação e aplicam-na aos casos de violência doméstica. Tal aplicação é matéria controversa e produz amplo debate e investigação para esse fim. Marques e Lázaro sintetizaram algumas conclusões425. Primeiro, nas situações “clássicas” de violência doméstica, traduzidas na superioridade de poder exercida pelo homem por meio da violência, verifica-se que essa relação de poder não pode ser atacada invocando a cooperação, assim como não será possível a vítima se empoderar numa intervenção de curta duração.

A mediação pode agravar a violência. Segundo, pode ainda verificar a conveniência da mediação com base na conduta da vítima e nos recursos que dispõe para sair da opressão e libertar-se da violência. Os mesmos autores concluem pela indicação da mediação, quando a violência consiste em um episódio isolado ou não recorrente, não estando enraizado o desequilíbrio de poder, bem como nos casos em que a vítima demonstra mudança, apta a assumir uma postura de ruptura com o passado.

O que não pode acontecer é apostar na mediação como prática adequada a alterar o padrão de comportamento violento instalado, com vítimas bloqueadas. Por essas razões, não se recomenda as estratégias restaurativas à violência doméstica, inclusive não há espaço de aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.

Contudo, mesmo no Brasil, há possibilidade de se aplicar a Justiça Restaurativa, mediante uma de suas técnicas, para resolver as questões subjacentes aos conflitos, tais como: guarda, alimentos e visitas dos filhos menores. Além da violência, não raro, há questões envolvendo direito de menores, como pano de fundo, do conflito dos pais. A própria lei em comento disciplina a possibilidade de aplicação pelo juiz dos direitos relativos aos menores, quando da intervenção judicial no crime. Para essas hipóteses, pode-se encaminhar o processo para a Justiça Restaurativa a fim de resolver as questões do conflito acerca dos menores, quando for o caso, deixando para a justiça tradicional a resolução da questão principal, a qual tramitará paralelamente.