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Críticas ao Regulamento Orgânico e o ensino particular

DÉCADA DE 60: O REGULAMENTO ORGÂNICO

3. Críticas ao Regulamento Orgânico e o ensino particular

Entretanto , as críticas ao Regulamento Orgânico não tardaram . Em 1863, o Presidente Antonio Coelho de Sá e Albuquerque afirmou ser o referido Regulamento “defeituoso“ mas , mesmo assim , deveria ser obedecido . Considerou , também , que o Liceu havia melhorado , mantida, porém a questão ensino prático ou preparatório acadêmico.

A melhora a que se referia o então presidente dizia respeito mais ao número de alunos matriculados do que à qualidade do ensino ministrado , sua seqüência , ou mesmo a possibilidade de habilitação para o ingresso nas Academias.

Provincial da Bahia deixou de ministrar aulas de Contabilidade , que passaram a ser oferecidas particularmente , por iniciativa e interesse da Associação Comercial , conforme consta do Relatório do Diretor Geral de Estudos João Antunes d’ Azevedo Chaves , datado de 1864 .

Dessas Falas e Relatórios , denota-se uma das contradições existentes entre o discurso oficial neles presentes , que indica a necessidade de estudos mais ligados à vida prática e a execução das políticas públicas efetivadas no Liceu Provincial , suprimindo-se uma disciplina como Contabilidade que, de tão necessária à atividade comercial , passou a ser oferecida particularmente.

Ainda no mesmo Relatório de 1864 , podemos tomar conhecimento do fato de que , após terem sido decorridos quatro anos da edição do Regulamento Orgânico , que entre outras coisas proibiu a continuidade das aulas avulsas, as matrículas no Liceu Provincial da Bahia continuavam sendo isoladas , com 371 alunos matriculados , distribuídos em 10 (dez) matérias isoladas, não podendo ser considerado , ainda , como um curso, visto que não havia qualquer interligação entre as aulas oferecidas. Na verdade, as próprias referências existentes na documentação da época dizem respeito a aulas secundárias , indicando a inexistência de um conjunto articulado de disciplinas que pudesse ser considerado como curso secundário.

Na Fala de 1863, o presidente Antonio Coelho de Sá e Albuquerque lamenta , mas afirma não existirem recursos suficientes para a instrução pública. Desse modo , por entender ser apropriado o encaminhamento, a fim de que fosse feita a propagação da instrução pública, solicitou auxílio aos cidadãos beneméritos das diversas localidades, aos quais denominava de “homens bons” , chamando a atenção para a necessidade da contribuição de

particulares, destacando a importância dos estudos secundários como base para o ensino superior.

Com tal postura, o presidente descarta a possibilidade de a província assumir integralmente as obrigações com a instrução , transferindo responsabilidades para a iniciativa particular , tanto dando sustentação para que a província promovesse o ensino, como possibilitando a abertura de suas próprias escolas

Assim sendo , proliferaram as escolas particulares com seus cursos sistematizados , possibilitando aos alunos prestarem os exames preparatórios de ingresso nas faculdades . Na Fala e Relatório da Instrução Publica de 1864, os mapas nos dão as indicações dessa situação . Os números de matriculados no Liceu Provincial, além da demonstração da baixa freqüência e da matrícula por aulas , apontando para a ausência de qualquer estruturação de um curso secundário, indicam também, a diferenciação quanto às escolas particulares. .

N0.alunos perderam ano retiraram-se observações

Latim 64 12 1 Faleceu 1 estudante

Francês 86 16 - e

Inglês 48 8 1 um foi expulso

Retórica 3 - 1 Filosofia 25 4 - Geometria/ Trigonometria 44 6 1 Aritmética e Álgebra 61 15 1 Geografia 14 5 - Desenho 25 6 - Divisão elem. 1 1 - TOTAL 371 73 6

Fonte: Relatório de 1864 do Diretor Geral de Estudos - João Antunes de Azevedo Chaves

O mapa das aulas do Liceu durante o referido ano continua indicando que a desestruturação permanecia , o que é devidamente demonstrado pelas matrículas por aulas, quando , por exemplo, constatamos 86 matriculas em Francês para 44 em Trigonometria e Álgebra. Por esse motivo , mesmo o pequeno número de matrículas indicado na totalização não expressa o real , pois pode haver duplicidade de matrículas nas diversas aulas, isto é, caso um mesmo aluno tivesse efetuado matricula em várias aulas , o total de matriculados seria diferente.

Mesmo assim , enquanto o Relatório de 1864 indicava o número de 371 alunos no Liceu Provincial para o ano de 1863 , os colégios particulares registravam um número de matriculados na ordem de 1336 alunos assim distribuídos:

Mapa demonstrativo dos alunos matriculados em escolas particulares 1863

Ginásio Baiano 498 Colégio 2 de Dezembro 286 Externato 2 de Julho 128 Colégio São João 386 Aula do Prof. Firmino P.D.Gameleira 29 Colégio 7 de Setembro 9

_______________________________________________________ Total 1336

Fonte: Relatório de 1864 do Diretor Geral de Estudos - João Antunes de Azevedo Chaves

Os dados expressos nos quadros são de grande significação , pois nos fornecem elementos para a afirmação que fazemos ao longo de toda a pesquisa de que a política pública para o ensino secundário , ao não solucionar os principais problemas do ensino secundário público , acaba por facilitar a proliferação - em número e importância - , das escolas particulares. Nos dados acima apresentados é visível a procura por essas escolas que possibilitavam o credenciamento para o ingresso no ensino superior. Assim, nas escolas particulares que forneceram dados – pois nem todas enviavam tais informações – o número de matriculados chega a ser quase quatro vezes maior que o do Liceu Provincial , somente para o ano de 1864

sendo que nem sempre, como ocorre na Fala de 1865, tem-se informação clara sobre o ensino particular . Nesse ano de 1865, somente quatro colégios particulares enviaram seus dados para a Direção Geral. Mesmo assim, o número de matriculados supera , em muito ,o dos matriculados no Liceu. Foram 337 alunos no Liceu para 860 naqueles colégios .

Os mapas demonstrativos constantes dos relatórios de Instrução do período dão a indicação exata da fuga crescente para o ensino particular em detrimento do ensino público que, apesar dos diversos protestos tanto de diretores de estudo como dos próprios presidentes , não é alvo de vontade política que indique modificação desse quadro. Ao contrário , encontramos , sim, posições de outras autoridades que advogam, claramente, a substituição do ensino secundário público oficial , por aquele oferecido pela iniciativa privada.

No Relatório de 1866 , novamente como Diretor Geral de Estudos , João José Barboza d’Oliveira , além de apresentar mapas sobre a freqüência e lamentar a situação em que se encontrava a Instrução pública , faz uma longa análise sobre como o Estado deveria assumir a educação. Discordava , como já o fizera no início da década, da posição que pleiteava o fechamento do Liceu Provincial da Bahia , considerando que tal posição entregaria a Instrução secundária à “ industria particular “.

Alguns ou instigados pelo desejo da economia , ou por notarem o enfraquecimento do nosso estudo clássico , outros fundando-se em mais fragil base , quando não admittem a intervenção publica nesse ensino, unicamente por que a constituição so ordenou gratuito o das primeiras lettras , quererião vêr suppresso o Lyceo, e o estudo letterario entregue á industria particular”. (Relatório- Diretor Geral - 1866)

Continuando sua argumentação, indica, entretanto, ser importante a existência da concorrência entre o ensino público e particular. E comenta:

A mor parte dos estadistas e escriptores competentes sensatamente observão que , sendo d'ahi que sahem os homens publicos de todas as ordens , empregados , militares , magistrados , financeiros , ao estado ultamente convem mater, .ter certo esse ensino , sem o qual definhara o serviço publico com perda de todos, quer por que a industria particular não podesse comportar as despezas que elle requer, quer por que , n’esse mesmo alludido interesse commum , importa , pelos lyceos do Estado , sustentando a concurrencia, aguçar a emulação , estimular o melhoramento, o progresso na sciencia ou nos methodos. (Relatório Diretor Geral – 1866)

Mais adiante , no mesmo Relatório , afirma: “ A extinção do nosso Lyceo não

tera , pois , o meo humilde assenso”. No entanto , reconhece a necessidade

de investimentos tanto em relação a pessoal e salários , como no que diz respeito a mobiliário e compêndios.

Porém , como já observamos anteriormente , o Diretor Geral de Estudos demonstra indignação com o não cumprimento da legislação em vigor para a Instrução, o Regulamento Orgânico.

Não me seduz o numero , que ora conta de alumnos , e que lhe coube , desde que por uma reação que não pode ser legitimada , voltou-se ahí a tradicção antiga , continuando as matriculas , os estudos sem nenhuma filiação logica , sem nenhum systema pedagogico , sem o qual , cuido eu, não há exemplo de caza publica ou particular , propondo-se seriamente a fornecer o complexo dos estudos , que preparão as artes ou profissões liberais. (Relatório- Diretor Geral - 1866)

Para concluir , relaciona a situação do Liceu Provincial da Bahia com as escolas particulares e os exames preparatórios de ingresso às Academias, levantando dúvidas quanto á possibilidade de acesso dos alunos do ensino público às Academias. E acrescenta: caso tal situação venha a acontecer, corre-se o risco de um enfraquecimento do ensino superior , por conta da deficiência dos ensinamentos das aulas secundárias .

As preocupações levantadas nas análises feitas pelo Diretor Geral de Estudos João José Barbosa de Oliveira não são elementos novos na caracterização das condições da Instrução Pública, no século XIX . Na segunda metade desse século , com a tentativa de sistematização do ensino público a partir do Regulamento Orgânico , ainda presenciamos as mesmas situações descritas anteriormente , indicando desorganização e dispersão , a impedirem que os estudos secundários se transformem em cursos propriamente ditos. Assim, o Regulamento Orgânico que, no início da década de 60, buscou organizar o ensino , não conseguiu seu intento e, praticamente transcorrida uma década , a transformação que aquela Lei se propunha a fazer não conseguiu sair do papel para a prática do Liceu.