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Críticas e Justificações

No documento Mónica de Melo Freitas (páginas 80-85)

Parte I. Enquadramento e Problemática

Capítulo 4. Problemática e Quadro de Análise

4.3. Críticas e Justificações

Como apontam Bartley (2007) e King e Pearce (2010), as controvérsias desencadeadas pelas críticas públicas ao capitalismo vêm deixando de ser vistos como um entrave à economia de mercado para serem encaradas como um estímulo à inovação nas economias capitalistas. Parte importante desse processo passa pela negociação e estabelecimento de consensos provisórios em torno da responsabilidade atribuída às empresas e por elas assumida de contribuírem para a justiça e a sustentabilidade económica, social e ambiental. Tais consensos tendem a ser conseguidos quando os atores são capazes de articular os valores éticos (Garriga e Melé 2004) e as motivações para a RSE com os valores e as motivações específicas das atividades empresariais capitalistas (Almeida 2010), em lógicas de ação e justificação socialmente aceites e tidas como justas, em termos de generalidade e de bem comum (Boltanski e Thévenot 2006).

A teoria da justificação proposta por estes últimos autores da Sociologia pragmática parece-nos os uma via adequada para analisar o nosso objeto de estudo. Ao contrário dos autores da Economia, que defendem que os atores agem racionalmente conforme as suas orientações e os seus interesses particulares de maximização, os

autores da Sociologia pragmática defendem que tanto os valores, como os interesses particulares investidos numa determinada ação, e traduzidos sob forma de e metas e motivações, passam por um processo de negociação prévia, com vista serem legitimados (Boltanski e Thévenot 2006, 16; Cefaii 2009, 14). O ator consegue legitimar-se e legitimar a lógica de ação pretendida, quando consegue reunir os consensos e formalizar os acordos necessários em torno desta, utilizando como artefacto os argumentos, os objetos e os sistemas de prova assentes nos regimes de justificação. As cités, ou os regimes de justificação, trazem à tona noções de bem comum e regimes de prova aceites por todos como legítimos. Estes por sua vez, surgem indissociados dos princípios da Humanidade Comum e da Hierarquização dos Seres, e das tensões valorativas entre eles.

O princípio da Humanidade Comum atribui uma igual dignidade a todas as pessoas, enquanto o princípio da Hierarquização dos Seres, estipula que o ordenamento das pessoas decorre de acordo com o seu grau de grandeza, entendida esta como a medida de valoração moral de determinado ator e da sua ação. Enquanto na Sociologia estruturalista, são as estruturas sociais que estabelecem a relação entre estes princípios, na Sociologia pragmática, os atores negoceiam entre si os valores e os dispositivos da ação que melhor se ajustam à persecução dos interesses individuais e coletivos. Quer num caso como noutro caso, o conjunto de valores acionados é limitado e estabelecido tendo como base o código social partilhado pelos atores envolvidos (Boltanski 2001, 14).

Segundo Burns e Machado (2014, 3) os agentes tendem a fundamentar a ação que desenvolvem segundo regras sociais consolidadas, com vista minimizarem as incertezas e se tornarem parte de um coletivo. No caso específico da solidariedade de tipo orgânico, esta poderia engendrar-se como uma moral única sociologicamente pertinente (Génard 1992, 8).

Boltanski e Thévenot (2006) e Boltanski e Chiapello (2009) propuseram teoricamente um conjunto de cités, regimes de justificação construídos tendo em conta os desígnios do bem coletivo e da auto-realização individual. Sintetizando segundo Boltanski (2001, 17), os atores apoiam-se nos valores contemplados nas cités designadas como de inspiração, doméstica, cívica, de renome, industrial, mercantil e de projeto, para reunirem os consensos necessários para legitimarem e coordenarem as suas ações.

Na cité de inspiração, a grandeza dos atores é aferida pela posição do santo que atinge um estado de graça, ou do artista que recebe a inspiração. Revela-se no corpo puro, preparado pelo ascetismo, cujas manifestações (santidade, criatividade, sentido artístico, autenticidade...) constituem a forma privilegiada de expressão. Neste sentido, os atores envolvidos neste regime tendem a justificar os princípios altruístas que adotam, tendo como base argumentos de natureza divina ou transcendental (Boltanski e Thèvénot 2006; 161, 164).

Na cité doméstica, a grandeza dos atores é avaliada segundo a posição hierárquica que os atores ocupam numa cadeia de dependências pessoais. Numa fórmula de subordinação estabelecida segundo um modelo doméstico, o laço político entre os seres é concebido como uma generalização do laço da geração, conjugando a tradição e a proximidade. Posto isto, a adoção de valores e dispositivos de atuação acabam por derivar do cumprimento das obrigações morais que os atores acreditam ter para com os outros, tendo como base relações sobretudo de dependência (Boltanski e Thèvénot 2006, 165-177).

Na cité de renome, a grandeza dos atores é avaliada com base na opinião dos outros, isto é, do número de pessoas que lhes concedem o seu valor e a sua estima. Visto deste ângulo, é compreensível que invoquem as razões que se prendem ao ganho de imagem e reputação para justificarem os valores e os dispositivos adoptados (Boltanski e Thévénot 2006, 179-184).

Na cité cívica, a grandeza dos atores define-se enquanto representantes de um coletivo do qual exprimem a vontade geral. Os atores invocam o cumprimento dos deveres de natureza cívica consagrados em documentos como a Carta Universal dos Direitos do Homem, para legitimar os valores e os dispositivos de ação (Boltanski e Thévenot 2006, 185-192).

Na cité mercantil, a grandeza dos atores é avaliada segundo o princípio de mercado; os atores apoiam-se nos valores e nos dispositivos da concorrência e da competitividade para alcançarem a legitimação social dos valores e dos dispositivos de ação (Boltanski e Thévenot 2006, 197-203).

Na cité industrial, os atores invocam valores que se prendem com a maximização da eficiência e da eficácia, tendo como dispositivos de suporte, os modelos de gestão e o uso tecnologias para legitimarem os valores e os dispositivos de

Na cité de projeto, a grandeza dos atores é avaliada segundo princípios de inovação e colaboração, ligados à manutenção dos atores em redes de parcerias e no fortalecimento dos laços de cooperação entre eles por via da realização de projetos (Boltanski e Thévenot 2006, 21-23).

Sendo a RSE uma construção social que visa conciliar, no seio das empresas e das organizações, valores e motivações de perseguição do lucro com os da produção voluntária de bens coletivos, e assentando em formas colaborativas de coordenação da ação coletiva em redes de stakeholders e/ou clusters, a teoria da justificação proposta pela Sociologia pragmática oferece-nos um quadro problemático e analítico especialmente adequado ao seu estudo sociológico.

No documento Mónica de Melo Freitas (páginas 80-85)