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Valores e Motivações

No documento Mónica de Melo Freitas (páginas 77-80)

Parte I. Enquadramento e Problemática

Capítulo 4. Problemática e Quadro de Análise

4.2. Valores e Motivações

O papel dos gestores face à RSE é um dos temas mais abordados na literatura. Os estudos analisados sublinharam que os gestores atuam conforme a sua orientação ética individual, para além dos interesses comerciais (Almeida 2010,78; Bankowski e Bryant 1988; Blowfield e Murray 2008, 110; Lee 2008); e que essa orientação ética define os interesses estratégicos adotados na organização e nas relações que esta estabelece com os stakeholders. Como tal, a gestão de stakeholders é um processo de negociação ou conciliação entre as reivindicações destes e os objetivos dos gestores (Carroll 1991, 5).

Alguns valores facilitam mais que outros o alinhamento entre os interesses individuais, os interesses estratégicos e as demandas societais no interior dos programas implementados (Carroll 1991, 45), bem como o equilíbrio entre as motivações idealistas e as motivações estratégicas das organizações (Almeida 2010, 26). Nas motivações idealistas, o ator alcança a sua realização promovendo o bem estar social e cumprindo aquilo que entende como sendo a sua obrigação moral (Lee 2008), enquanto na estratégica, a realização pessoal deriva do cumprimento dos objetivos estratégicos ou instrumentais definidos pelas organizações (Lee 2008; Santos 2011, 493). Segundo Almeida (2010, 26)

[as] práticas empresariais socialmente responsáveis podem ter origem em motivações estratégicas ou idealistas… Enquanto as segundas se relacionam

com a consciência ética e os valores individuais de cada decisor organizacional, as primeiras referem-se, por exemplo, à melhoria da imagem corporativa, à necessidade de integração e aceitação na comunidade local ou à compensação de danos sociais ou ambientais provocados pela ação empresarial.

Tanto num caso como noutro, as motivações podem ser de origem interna ou externa. As motivações internas diferenciam-se das externas tendo em conta a natureza do impulso que é dado à ação. Ou seja, enquanto as motivações internas são induzidas pelas próprias organizações, as motivações externas são ditadas pelo exterior (sociedade, mercado, etc.) (Almeida 2010, 25).

As motivações são socialmente construídas e tendem a ter em conta os fatores exógenos que permeiam o ambiente organizacional. Assim, as decisões de gestão com implicações nesta área têm origem em motivações complexas que sobrepõem os valores pessoais e as razões estratégicas, bem como os desejos de integração e de legitimação sistémica da ação. Nestes termos,

[o] sentido de pertença é uma motivação subjacente que altera a aceitação passiva de um destino comum para o trabalho ativo para objetivos comuns. Se a solidariedade pode ser aproveitada para objetivos como a promoção da saúde e o desenvolvimento social, isto pode ser uma força motivadora ponderosa (UNESCO-IBC 2010, 23).

Apesar das limitações ditadas pelo contexto externo, o ator exerce um papel ativo e deciso na definição das opções estratégicas, não se encontrando numa posição de sujeito passivo, que reage aos impulsos internos do foro estratégico da organização ou externos, da sociedade em geral (Almeida 2010, 26).

Tendo em conta as expetativas a que as organizações se encontram sujeitas, as motivações podem ser compreendidas como preventivas, quando procuram “atuar como um bom cidadão corporativo, sintonizadas com as preocupações sociais dos

stakeholders em evolução, e mitigando ou antecipando os efeitos adversos existentes

das atividades dos negócios”; ativas, quando buscam“mitigar o dano resultante das atividades da cadeia de valor de uma firma - é essencialmente um desafio operacional" (Porter e Kramer 2006, 7); e estratégicas, quando “se movem para além da cidadania e da mitigação dos impactes danosos na cadeia de valor para elevar um pequeno número cujos benefícios sociais são amplos e distintivos” (Porter e Kramer 2006, 3, 6, 9).

De acordo com a literatura consultada, os valores e as motivações para a RSE revestem-se de especial importância no estudo dos moldes de concertação social acionados no interior dos clusters em geral e no setor da saúde em particular. Sobretudo, porque permite perceber o que leva os atores a preferirem os interesses coletivos em detrimento dos interesses individuais (Uzzi 1997, 47).

Para concretizar o estudo proposto, optamos por privilegiar a análise dos valores dos gestores de acordo com a tipologia sugerida por Garriga e Melé (2004). Esta tipologia assenta na articulação entre os interesses estratégicos das firmas, as demandas societais e os desígnios de realização pessoal dos gestores nas opções tomadas pelas organizações. De acordo com esta teoria, a companhia tem a obrigação moral de responder aos anseios emanados da sociedade, porque esta constitui parte integrante da comunidade onde se encontra inserida. Nesta perspectiva, a empresa deve tentar conjugar “(...) as noções de autonomia e de dependência em relação aos ambientes em que se insere” (Kirschner 2006, 4).

Garriga e Melé (2004) identificaram quatro grandes tipos de teorias da RSE: teorias instrumentais, teorias políticas, teorias éticas e teorias integrativas. As teorias da RSE tipificadas incorporam as diferentes dimensões de valores (instrumentais, políticos e éticos) envolvidos na discussão teórica sobre a RSE, tanto quanto ao comportamento ético das organizações como aos interesses estratégicos de obtenção de ganho de eficiência e de maximização de vantagem competitiva, prestando-se assim à análise das orientações de valor e das motivações dos gestores.

As teorias instrumentais defendem que as ações levadas a cabo pelas organizações com vista a melhorarem o seu desempenho organizacional, derivam do investimento social que promove fatores de competitividade (p. ex., em formação de capital humano), bem como do investimento realizado na salvaguarda dos recursos naturais indispensáveis à atividade produtiva das empresas, e/ou que reverta em ganho de imagem e reputação a partir do marketing de causas (Garriga e Melé 2004, 53). As teorias políticas acentuam os deveres das empresas quanto à satisfação das expetativas sociais, devido à posição que ocupam nas sociedades e ao poder de que dispõem, e como tal, as ações resultantes ou preventivas de reivindicações sociais (Garriga e Melé 2004, 55). As teorias éticas acentuam a responsabilidade das empresas na criação de externalidades sociais positivas, mesmo que disto não resultem benefícios para as próprias organizações, partindo da premissa de que as empresas, como qualquer outro

ator social individual ou coletivo, têm a obrigação de contribuir para o bem comum enquanto parte da sociedade (Garriga e Melé 2004, 60). Finalmente, as teorias integrativas acentuam o dever que cabe às organizações de integrar os interesses dos diferentes stakeholders nas estratégias organizacionais. Enquadram-se aqui a gestão de

stakeholders, através da qual algumas organizações transformam as demandas sociais

em responsabilidades organizacionais, através do estabelecimento de redes de diálogo; a gestão de problemas sociais; e o princípio de responsabilidade pública que invoca a contribuição das empresas para as políticas públicas (Garriga e Melé 2004, 57).

As teorias apresentadas atribuem às empresas e à figura do gestor um papel chave de transformação social. Os gestores exercem o papel decisivo na implementação da RSE, em primeiro lugar, porque têm a facilidade de alinharem os interesses individuais com os interesses/ demandas societais (Carroll 1991, 10, Scherer e Palazzo 2011, 904) e, em segundo lugar, porque dispõem da facilidade de equilibrar no interior das decisões tomadas, as motivações idealistas e as motivações estratégicas (Almeida 2010, 26).

No documento Mónica de Melo Freitas (páginas 77-80)