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Redes de Stakeholders e Clusters

No documento Mónica de Melo Freitas (páginas 73-77)

Parte I. Enquadramento e Problemática

Capítulo 4. Problemática e Quadro de Análise

4.1. Redes de Stakeholders e Clusters

De acordo com a literatura, o termo “stakeholders” representa todos aqueles que se encontram numa posição de afetar ou de serem afetados pela atividade produtiva desenvolvida por uma determinada organização (Carroll 1991, 9). A gestão dos

stakeholders torna-se crucial à medida que as organizações necessitem de obter a

permissão das comunidades locais e de outros setores sociais para continuarem a operar, para além dos Estados (Porter e Kramer 2006, 4-5). A lógica da gestão dos stakeholders começou a ser desenvolvida devido à pressão que sociedade passou a exercer sobre os critérios e os procedimentos adotados pelas empresas, por um lado, e a consequente alteração da função das empresas nas sociedades, por outro. “Ao setor privado é agora reconhecido um papel chave na produção do desenvolvimento sustentável, através dos seus impactes sobre o desenvolvimento da sustentabilidade ambiental, social e económico” (Zadeck et al. 2003, 1).

As exigências da sociedade deixaram de estar circunscritas à obrigatoriedade legal, passando a ser de as empresas adotarem novos critérios e procedimentos éticos , porque o mero cumprimento da lei demonstrou não ser capaz de conter os impactes negativos produzidos pela atividade empresarial. Em reação a essas exigências, as empresas procuraram ajustar-se às demandas apresentadas pelos seus stakeholders, de forma a potenciarem a criação de externalidades positivas para o meio ambiente, a sociedade em geral, a economia local, além de ganhos de competitividade para si próprias (Garriga e Melé 2004, 52; Porter e Kramer 2006, 3; Santos 2010, 13). Isso implica a criação e a gestão continuada de redes de stakeholders para troca de informação e auscultação nos processos de tomada de decisão, na linha de pensamento de Castells (2002) que aponta as redes como os instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada na inovação para uma cultura de desconstrução e reconstrução contínuas, e para uma política destinada ao processamento instantâneo de novos valores.

Encarado sob o ângulo da RSE, o conceito de cluster é aplicado à articulação estável de empresas, organizações da administração pública e stakeholders ou seus representantes em redes colaborativas de base territorial, em torno de projetos comuns

de desenvolvimento sustentável económico, social e ambiental, que, do ponto de vista dos desempenhos empresariais,

expandem a capacidade de aprendizagem das empresas a partir de fontes diversificadas e ricas; aumentam as competências para traduzir essas aprendizagens em melhores desempenhos de negócios; ganham o apoio de uma rede crescente de fornecedores de serviços que habilitam as firmas a gerir mais eficazmente as suas relações e a sua reputação; e beneficiam de uma abordagem às políticas públicas que molda os mercados de modos que beneficiam as práticas responsáveis (Zadeck et al. 2003, 24).

O sentido associado aos clusters de RSE extravasa as fronteiras da mera produção de vantagens competitivas para as organizações, que cultivam um elo entre si por estarem inseridas num mesmo território e segmento ou fileira de negócios (Swift e Zadeck 2002, 22). Nos clusters de RSE, tende a predominar a preocupação com o desempenho das organizações e a capacidade que estas dispõem para gerar bem-estar social, ambiental, além das oportunidades de desenvolvimento económico para o território onde se inserem. A par disto, este tipo de estrutura potencia a produção de capital social através do estabelecimento de laços de confiança entre os actores, bem como a imagem reputacional dos atores e do próprio território. Em consonância com Zadeck et al. (2003, 7), João Ferrão (2012, 24) defende assim a consolidação de uma base territorial de negociação, regida pelos valores da sustentabilidade, equidade, justiça e altruísmo, segundo os parâmetros ditados pela democracia deliberativa e envolvendo a participação efetiva dos cidadãos e das organizações nos processos de decisão.

A proximidade geográfica é destacada por vários autores como um fator potenciador para a constituição de clusters de colaboração estratégica continuada (Colgan e Baker, 2003, 357, Fernandes e Lima 2006, 22, Ferrão 2012, 24, Porter 1996, 214). Contudo, há autores como Ismael (2008, 4) que argumentam que as características culturais contribuem mais para a consolidação de redes produtivas abertas e extra nacionais do que a proximidade geográfica propriamente dita. Apesar das divergências, os autores convergem em que os clusters potenciam a redução dos custos de transação, bem como o equilíbrio entre a prosecução dos interesses individuais e colectivos, possibilitando às empresas inovarem mais e melhor com menos custos organizacionais e sociais associados. Além disto, os clusters possibilitam às organizações alcançarem

financeiras, das universidades e dos centros de investigação científica, elevando com isto a sua capacidade de inovação. Através deste meio, as organizações e os seus territórios alcançam ganhos de imagem e reputação, tornando-se alvo de atração junto de profissionais talentosos, investigadores de prestígio e consumidores sofisticados.

Como dissemos, com vista atender às novas demandas sociais, as empresas têm procurado articular-se entre si e também com os próprios consumidores e outras entidades estratégicas, a fim de obterem a mais baixo custo as informações e os recursos necessários para conseguirem fornecer produtos e serviços com valor acrescentado em espaços de tempo relativamente curtos (Porter 1996, 214). Tanto as redes de

stakeholders como os clusters territoriais de RSE facilitam a incorporação de princípios

éticos inerentes ao bem comum, e a adoção de práticas gestionárias coerentes com a política do diálogo e com a participação democrática dos stakeholders no processo de decisão organizacional. A introdução dos valores éticos contribui para o equilíbrio entre a persecução dos interesses individuais dos gestores e dos stakeholders de um modo geral, tornando possível a “[p]ersonalização das responsabilidades sociais ou societais, através da delineação dos grupos ou das pessoas específicas que as empresas deveriam considerar na sua orientação para a RSE" (Carroll 1991, 9). A coordenação na prossecução dos objetivos sociais, ambientais e económicos só ocorre na medida em que sejam representadas as expetativas societais que são assim traduzidas, e fornecidas às empresas pelos diferentes stakeholders (De Bakker, Groenwegen e Den Hond 2005, 285), numa plataforma coletiva de negociação de valores e de práticas, geradoras de impactes positivos para as empresas, os stakeholders, o meio ambiente e o sistema económico no seu todo (Blowfield e Murray 2008, 272).

As redes de relacionamentos construídas pelos clusters, potenciam a consolidação quer de laços “fracos” (arm´s length ties), quer de laços “fortes” de confiança (embedded ties) (Uzzi 1997, 36-37). Os laços fortes geram maior confiança entre os atores e reduzem os custos de transação, mas as redes compostas essencialmente por estes laços podem reduzir a competitividade e sofrer da “fraqueza dos laços fortes”: o fechamento e a redundância da informação, reduzindo as oportunidades de mercado, e acarretando custos elevados de manutenção dos laços. Reciprocamente, a “força dos laços fracos” reside na sua maior capacidade para estabelecer pontes através de pontos diversificados da estrutura social, criando redes mais abertas e com mais ampla e diversificada circulação de informação (Granovetter

1983). Assim, dada a complementaridade funcional destes dois tipos de laços sociais, as redes economicamente mais eficientes tendem a ser mistas, incorporando uma composição equilibrada entre ambos os tipos de laços (Uzzi 1997, 49). Portanto, os

clusters mais competitivos tenderão a ser os que estabelecem um equilíbrio entre os

dois tipos de laços no seu interior.

Contudo, as redes de stakeholders e os clusters deparam-se com vários entraves durante o processo de consolidação. De entre os entraves encontrados, destacamos a ausência de uma visão ética comum entre os membros, a inconsistência dos laços de confiança estabelecidos e o excesso de influência de alguns membros sobre os outros. Além dos entraves do tipo interrelacional, existem outros de natureza mais sistémica, fruto do fraco conhecimento que se tem acerca do funcionamento dos clusters. Segundo Swift e Zadeck (2002, 1-2), poucos estudos tentarem compreender o que se passa dentro dos clusters, ou seja, procuraram caracterizar os seus membros, os tipos de acordos (formais ou informais) de cooperação estabelecidos entre eles, os tipos de recursos transacionados (institucional, científico ou técnico-operacional) e as formas de comunicação preferidas (reuniões presenciais, chamadas telefónicas, emails, entre outros), além dos tipos de programas desenvolvidos ao abrigo da cooperação (programas de filantropia, voluntariado, saúde preventiva, entre outros).

De uma forma sucinta, a literatura aponta para a possibilidade de se compreender as estruturas em clusters a partir da identificação dos stakeholders envolvidos (Swift e Zadeck 2002, 33), da caracterização dos tipos de laços estabelecidos entre os atores, (Granovetter 1983, 212; Uzzi 1997, 36, 37), e da identificação das iniciativas promovidas ao abrigo da cooperação (Porter e Kramer 2006, 5). Para Granovetter (2003, 78) nem as instituições formais nem a moral generalizada são suficientes para gerar confiança; é indispensável também o controlo social recíproco de vários atores de uma rede para explicar a manutenção de ambientes económicos estáveis, ainda que contingentes, como os mercados, as empresas e as demais instituições económicas. Assim, as redes sociais que se formam dentro dos clusters permitem também sustentar a ordem e a estabilidade, quando a moral generalizada e as instituições são insuficientes para o conseguir.

De um modo geral, além dos valores éticos, a discussão sobre a formação de redes estáveis de organizações e stakeholders centra-se essencialmente em três eixos: na

produção, e nos tipos de ações desenvolvidas (p. ex. a mitigação dos danos causados pela atividade produtiva). No domínio da responsabilidade social, é esperado que os

clusters consigam produzir resultados em termos da maximização dos resultados do

investimento filantrópico e da criação de atributos socialmente responsáveis para as organizações e respectivos produtos (Garriga e Melé 2004, 55); dos instrumentos de mensuração dos impactes gerados pelos programas de responsabilidade social e de

reporting institucional, e dos instrumentos de diálogo com os diferentes stakeholders e

(De Bakker, Groenwegen e Den Hond 2005, 304); da integração das demandas sociais dos stakeholders nas estratégias das organizações (Porter e Kramer 2006, 7), particularmente os das comunidades mais vulneráveis (Swift e Zadeck 2002, 22); e da antecipação e prevenção dos efeitos adversos resultantes da atividade empresarial (Porter e Kramer 2006, 7).

No documento Mónica de Melo Freitas (páginas 73-77)