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Crescer, para quê? Inseguranças e incertezas agravadas

OUTRAS DIMENSÕES DA SOCIABILIDADE: FAMÍLIA E TRABALHO

3.4. Crescer, para quê? Inseguranças e incertezas agravadas

O processo por meio do qual o jovem opta pela vida de trabalhador ou pela vida do crime ainda não possui um claro retrato na história das famílias de trabalhadores pobres no Brasil. O certo é que não se pode atribuir exclusivamente à falta de oportunidades de emprego a adesão crescente dos jovens das classes populares aos valores da subcultura criminosa. Contudo, é preciso chamar a atenção para o fato de que as reais dificuldades de inserção no mercado de trabalho somadas aos apelos da sociedade de consumo, ao desmantelamento das redes pessoais de controle e de socialização, à ineficiência das atuais agências nessas funções – notadamente a escola –, à crise de valores mesclada a essa situação criam um cenário favorável a entrada no mundo da delinqüência.

O que não significa que todos os jovens das classes populares, submetidos às mesmas condições sociais, se enveredam para o mundo do crime ou o vêem como única saída. Ao contrário, uma grande parcela mantém um discurso de oposição aos que o fazem e insiste que o “certo” é buscar uma normalidade de vida pautada no binômio escola-trabalho, acreditando que daí advém a chance de melhoria de suas condições. Mas, os que conseguem freqüentar a escola e até mesmo cursos profissionalizantes acabam por, mais tarde, enfrentar a inadequação de sua formação à realidade do mercado de trabalho. Além disso, no caso dos rapazes, quando ainda menores, deparam- se com a legislação trabalhista que proíbe, nestes casos, despedir aquele que

vai servir as forças armadas, o que leva os possíveis empregadores a não contratar jovens menores de 18 anos. Também, é preciso lembrar que, até hoje, no Brasil não existe um consenso sobre a necessidade de se criar uma legislação específica que garanta e regule o trabalho juvenil15. Ajunta-se a esse quadro de dificuldades, o preconceito e as barreiras sociais enfrentados junto aos potenciais patrões, por estes associarem os jovens a imagens negativas, como a do local onde moram e a da pobreza16.

Desse modo, não se estranha que na percepção de muitos dos jovens entrevistados a vida adulta pareça não oferecer uma perspectiva atraente, na medida em que não poderia assegurar possibilidades de auto-realização, de criatividade e expressividade, possibilidades estas que, mal ou bem, eles aproveitam no curso de sua juventude. A “moratória” adquire assim menos um sentido de “suspensão” e “espera” para poder realizar melhor as coisas no futuro, quando forem adultos, e mais o sentido de uma possibilidade de vivência e experimentações diferenciadas no presente.

Mas não deixa de pairar no ar certa apreensão quanto ao futuro, fruto da incerteza quanto às chances de inserção nas estruturas sociais e produtivas e devido ao agravamento da situação de dificuldade de vida para a população jovem brasileira, em geral – em especial os jovens pertencentes aos setores populares. Isto incide diretamente no aumento dessa sensação de insegurança e de incertezas quanto ao futuro17.

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Já que as noções de juventude e adolescência ainda estão bastante imbricadas, a reivindicação juvenil do direito ao trabalho e de uma legislação específica que o regule acaba esbarrando no que afirma o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), contradizendo-o, pois o mesmo proíbe o trabalho para quem tem menos de 14 anos e regulamenta, de forma severa, o trabalho para quem tem menos de 18 anos (Tommasi, 2006).

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Como diz Alba Zaluar, “os membros das classes populares [...] deixam de tornarem-se trabalhadores porque sua própria condição de pobre ameaça e amedronta os que lhes poderiam fornecer emprego. Em outras palavras, eles são perigosos antes de efetivamente o serem, ao optar pela vida criminosa. E a própria consciência que têm dessa barreira torna-se um fator a mais na sua inclinação para o crime. É um círculo vicioso que opera como um obstáculo efetivo à obtenção de emprego e como um mecanismo psicológico poderoso na construção de sua identidade” (Zaluar, 1994: 17).

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Pesquisas nacionais mostram que atualmente a questão do trabalho é uma das maiores preocupações dos jovens brasileiros e que, de fato, entre eles, o desemprego é três vezes superior ao do conjunto da população. Na pesquisa “Perfil da Juventude Brasileira”, realizada no âmbito do Projeto Juventude do Instituto Cidadania, o trabalho é também indicado em primeiro lugar entre os direitos mais importantes de cidadania, assim como entre os direitos que os jovens deveriam ter (Abramo & Branco, 2005). Ainda que tenha ocorrido, ao longo dos anos, aumento das médias de escolarização dos jovens, não houve aumento proporcional na

Por último, cabe assinalar que, em um contexto nacional que tende a reproduzir a desigualdade social, os jovens das camadas populares têm pouca chance de acesso a experiências e situações que possibilitem a ampliação do universo sociocultural de origem. Sem dinheiro, que poderia ser fruto do seu próprio trabalho ou dos ganhos de outros integrantes da família, boa parte desses jovens se vê impedidos de ocupar o tempo livre com o mínimo de qualidade e regularidade, freqüentando festas, shows, cinemas e outros eventos culturais. Até mesmo sair do próprio local de moradia para ter acesso ao que a cidade pode oferecer demanda um mínimo de condições financeiras. Os que enveredam para a “vida do crime”, de onde conseguem alguma renda, também encontram inúmeras barreiras para saírem do universo social de origem. São facilmente reconhecidos nos meios mais abastados como um “outro”, pelos traços evidentes de seu meio de socialização, o qual não os facilita acessar aos capitais simbólicos, culturais e sociais imprescindíveis aos que aspiram se aproximar daqueles que ocupam posições superiores na hierarquia social.

oferta de empregos. Postos de trabalho que tradicionalmente eram ocupados por jovens sem experiência profissional são hoje ocupados por adultos com experiência prévia. A busca, quase sempre frustrada, por trabalho e os obstáculos a serem transpostos pelos jovens – conseqüências do chamado “desemprego estrutural” gerado no interior dos processos de transformação produtiva e de mudança social, pelos quais passam as sociedades contemporâneas –, por mais que sejam uma “marca geracional”, estão concentrados em determinados segmentos da população: os mais pobres, os negros, os moradores de favelas e periferias urbanas, entre outros. Este fato se revela também na pesquisa “Juventude Brasileira e Democracia – participação, esferas e políticas públicas”, realizada por uma rede de parcerias institucionais coordenadas pelo Ibase e Pólis (Souto & Soares, coords., 2005).

CAPÍTULO 4