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De integrante de gangue à homem de Deus: a história de Jeferson, Eduardo e Carliomar

TRAJETÓRIAS REVERSÍVEIS: ALTERNATIVAS AO “MUNDO DO CRIME”

6.2. De integrante de gangue à homem de Deus: a história de Jeferson, Eduardo e Carliomar

“Suborno”, “Mandraque”, e “Sapão” eram os “vulgos”, ou seja, as alcunhas de Jeferson (23 anos), Eduardo (22 anos) e Carliomar (22 anos) quando estavam na “bandidagem”. Não nasceram, mas vivem desde criança na Ceilândia – os dois primeiros no Setor P-sul e o último na Guariroba, áreas vizinhas e das mais antigas da cidade. As trajetórias de Suborno, Mandraque e Sapão se parecem em muitos aspectos. Os três fazem referência a uma fase decisiva da vida, por volta dos 14 anos, como um marco inicial no envolvimento com a delinqüência. Nesta fase começaram a participar de gangues de pichadores, o que era considerado uma brincadeira, uma “curtição”, na falta de opção de lazer e divertimento. A pichação fazia parte da busca de “animação”, sendo uma atividade na qual os jovens experimentavam grande excitação produzida pela exposição ao risco e pela incerteza quanto ao que poderia ocorrer nos instantes seguintes.

Paulatinamente, eles e os outros integrantes dessas gangues foram abandonando a pichação e envolvendo-se cada vez com práticas delinqüentes.

A diversão lúdica passou a ser considerada “paia”, cedendo lugar ao consumo e tráfico de drogas, furtos, assaltos e roubos, como relatam.

Eu era da GDF (Grafiteiros do Distrito Federal), os primeiros pichadores de Brasília. [...] Então era uma gangue que começou com uma gangue de pichadores. [...] Começou com dez, aí depois foi aumentando. Quando a GDF fez um ano de gangue já tinha trinta componentes [...]. Era um grupo bem organizado, tinha um líder que era o M. O M. está fugido porque ele tinha uns três homicídios e um latrocínio. Depois teve um outro líder que era o O, que era o parceiro dele na época. Ele também matou um cara e teve que ir embora [...]. Isso tudo era uma gangue que no começo era só de pichação e que acabou virando gangue de roubo, assalto, ladrões de carro, viciados em drogas, tendo armas [...]. Então com o tempo, o que começou como uma brincadeira de moleque, virou um grupo que só tinha bandido, que só tinha cara ruim, do mal – cara que tinha um homicídio, dois homicídios, três homicídios [...] Começou tudo numa brincadeira, pichação. Quando foi ver já tava todo mundo se envolvendo em coisa errada, tava todo mundo perdido, perdido mesmo [...] na vida de cachorro louco. Com o tempo foi morrendo a maioria dos componentes do grupo. Uma metade a polícia matou, outros foram outros bandidos que mataram [...]. Hoje em dia, muitos dos caras que pichavam estão com a idade mais avançada e são traficantes com armamento pesado. Eles comandam todo o tráfico da parte de baixo da Ceilândia Norte, são eles que comandam a rapaziada nova [...].

(Suborno).

Eu comecei a pichar com a galera do colégio. Nos colégios, você sabe, têm sempre uns grupos que querem se destacar dos outros. Aí a gente formou a AUM (Anjos Unidos do Mal). No começo era só curtição mesmo, era o desafio de pichar os lugares mais difíceis [...]. A gente achava o máximo aquela adrenalina. Aí a AUM foi crescendo [...]. E aí foi aquele lance de fumar cigarro, depois baseado, depois dava porrada nas outras galeras pra se impor. Aí o que aconteceu com o tempo é que aquele pessoal da AUM começou a se destacar [...]. Os comerciantes daqui nos odiavam, porque a gente roubava os mercados, padarias, postos de gasolina [...]. Os caras iam até em centro de macumba pra conseguir armamento. E chegava lá faziam oferendas, riscavam o corpo, faziam altas paradas. Já tinha a ver com o início do inferno. Era muito estranho [...]. O D., que hoje está na Papuda, era o meu companheiro de ‘ripá’. A gente falava: tal dia é renda. Então a gente ia trabalhar. Era esse o nosso trabalho [...]. As vezes não precisava nem de arma: estava passando uma pessoa na rua, “me dá o dinheiro”, só fazia pressão em cima e o cara já tinha que dar [...]. Os primeiros da AUM, o finado M., o finado N., o finado B., o finado S., pode ver, já é tudo finado. Já morreram.

(Mandraque). A DCA (Destemidos Contra Atacam) começou com cinco pessoas. Desses cinco, tem três mortos [...]. No começo era gangue só de pichação, depois virou gangue de bandidos [...]. Aqui tem uma pá de moleque que era da DCA e que acabaram morrendo em conflito com outras gangues porque cada uma queria ser maior que a outra [...]. Eu entrei de bobeira, coisa de moleque, porque achava gostoso pichar com a galera [...]. Aquele lance de pichar era pra se divertir, era animação, o lance era o perigo, a adrenalina. Aí a gente começou a se envolver em outras paradas [...]. Tipo assim, tava sem dinheiro, queria ir pra um baile, queria comprar uma roupa, queria comprar droga, queria beber, metia um posto de gasolina, assaltava uma padaria, os comerciantes locais, tanto

faz, onde tivesse [...]. Saia para o Plano pra roubar carro, pra Taguatinga [...]. Depenava os carros pra vender as partes [...].

(Sapão)

Assim, a adesão a grupos de pichadores é considerada por Suborno, Mandraque e Sapão como o ponto de partida de uma trajetória que será cada vez mais marcada por atividades delinqüentes. Roubos e assaltos passam a ser feitos para a aquisição de bens valorizados socialmente, como “roupas de marca”, item principal na hierarquia de consumo na medida em que se configurava para eles como um meio importante de “ter destaque” entre outros jovens e as jovens.

Minha mãe não tinha condição de me dar aquelas roupas que eu queria: Nike, Adidas... A maioria dos pais aqui na periferia não podem fazer essas coisas pelos filhos [...] Aí eu chegava em casa: “mãe, eu quero um tênis Nike”. E minha mãe: “eu não tenho condições de comprar”. Quando você é moleque você fica revoltado [...], você não quer sair com tênis barato, ralé, como o povo fala [...], fica com vergonha dos amigos. Aí parte pra ripa.

(Suborno) Tem menina que só gosta do cara vestido de roupa de shopping, dá status. A gente começa a ter aquela necessidade de andar com aquela roupa cara, com roupa nova pras meninas ver [...]. Se acha todo gostosão. Como não tem dinheiro, não trabalha, a mãe não pode dar aquilo, a única maneira que acha é roubar.

(Mandraque)

Os meninos encarnam quando a pessoa não anda de marca. Ficam zoando. Aí a gente fica com aquilo na cabeça: “tenho que arrumar um dinheiro, tenho que ter aquele tênis Nike, aquele boné tal” [...]. Os pais não têm dinheiro pra comprar e aí começa aquela coisa de ripa.

(Sapão)

Outro bem extremamente valorizado era a arma de fogo que, aos poucos, foi tomando lugar crucial em suas vidas, pois lhes assegurava proteção e, principalmente, “respeito” e “moral”.

Tendo arma o cara acha que é mais respeitado, que ele é mais considerado. O cara se sente o maioral quando tem poder de fogo [...]. Mulher gosta de meninos que tem arma. As meninas influem muito [...]. Eu também andava armado por causa dos atritos, eu tinha muitas rivalidades.

(Suborno) Quanto mais andava armado, mais se sentia considerado, mais se sentia respeitado. Com armas melhores, se sentia mais respeitado ainda [...]. A gente botava a arma na cintura pra se defender das guerras, pra fazer assalto, se

sentia forte [...]. Você tendo arma você acha que vai amedrontar mais as pessoas. A arma facilita tudo, o cara vê que você tem atitude. É diabólico [...].

(Mandraque) Eu me achava superior com uma arma. O cara acha que com a arma tem mais moral, tem mais poder [...]. Numa discussão, não precisa nem de um tapa, já tem tiro [...]. Com a arma, o dedo coça, uma bala leva apenas alguns segundos pra atingir.

(Sapão).

As ruas da Ceilândia eram o palco principal de atuação de Suborno, Mandraque e Sapão. Passavam o dia transitando, de um local para outro, em busca de “animação”, “emoção”, “adrenalina”. Roubavam, assaltavam, consumiam drogas e envolveram-se na “guerra” de gangues da Ceilândia: uma “guerra sem sentido”, afirmam incisivamente. As “guerras” entre diferentes quadras e setores impunham – e ainda impõem, enfatizam –, principalmente aos jovens, restrições ao trânsito livre pela cidade. Geralmente têm como causa desavenças pessoais ou coletivas decorrentes do empréstimo de armas, do tráfico de drogas e da “pressão”4. Nas “guerras”, dizem, não morre ninguém que é totalmente inocente: geralmente as vítimas são jovens envolvidos com a “bandidagem”.

Na visão de Suborno, Mandraque e Sapão, “não ter cabeça” é uma das explicações para a entrada na “bandidagem”.

O cara tá ali na esquina aí passa um chegado e fala: “aí, vamo fumar um ali embaixo”? O cara vai, o cara não tem cabeça pra dizer eu não vou. Se ele tivesse cabeça, ele falava assim: “não meu irmão, eu não mexo com essa parada”. Ele vai pelos embalos, ele não tem cabeça pra dizer não. O pior é a falta informação. Ninguém fala pra ele que não tem que usar droga, que não tem que fazer isso ou aquilo. A televisão faz o quê? Bota propaganda ali, mostra como usa [...]. Então acaba sendo fácil entrar na malandragem porque tá tudo aí, né, a droga, a violência, e o cara não tem cabeça pra dizer não, vai convivendo com aquilo, vai entrando sem querer naquele buraco. Aí vai roubar, vai assaltar, vai vender droga. Vira um marginal.

(Suborno). Eu achava que eu tinha esperteza porque eu tinha uma certa malícia, que hoje pra mim, eu digo que é vacilo. Eu não tinha era cabeça, não raciocinava [...]. Me achava o mais rato no meio, o mais safo. Me achava um fodão, como os caras falam lá no meio, porque conseguia roubar mercado ou cair pra dentro de

4

“Pressão” é uma categoria muito usada pelos jovens do sexo masculino moradores da periferia de Brasília. Diz respeito à vaidade, virilidade e ethos guerreiro e relaciona-se com a exacerbação da violência. Por motivo de “pressão” – mulheres, encontros em lugares badalados ou até mesmo um olhar – cria-se um conflito em potencial.

uma casa pra levar uma coisa e sair da polícia, ser rápido. Isso dava status no meio [...]. O cara não pensa no que é uma cadeia de verdade. Enquanto tá de menor, passa pela DCA e fica tirando sarro: “aí! Tô guardado aqui” e os cara: “tu viu, Mandraque caiu, o cara é muito doido”. Isso é ignorância. O cara não pensa que o inferno dele pode tá começando.

(Mandraque). O cara não raciocina, tem vento na cabeça, quer dizer, não tem cabeça [...]. O pai tenta abrir o olho, a mãe tenta abrir o olho e o cara não para pra pensar naquilo. É um Maria-vai-com-as-outras porque os colegas se envolve, ele acha que também tem que se envolver. O cara não pensa que pode morrer, que pode cair numa Papuda, não pensa no sofrimento da família.

(Sapão).

Os três jovens tiveram a experiência de várias passagens pela Delegacia da Criança e do Adolescente – DCA. Os motivos foram: porte de arma, assalto, roubo e briga. Somente Suborno esteve internado no CAJE (Centro de Atendimento Juvenil Especializado), uma instituição vinculada à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal.

Tava no auge mesmo da fama e aí fui preso no CAGE. Quando eu caí pela primeira vez fui pra DCA, aí na DCA eu passei uma noite só. Da outra vez foram dez, da outra quinze (dias) [...]. Era uma época que eu tava tão perdido... Os caras vinham na minha cola, foram na trilha e perguntando pra um, perguntando pra outro, conseguiram me pegar [...]. Tiveram confirmação pelas vítimas [...].Passei só 45 dias no CAGE, graças a Deus. Aquilo ali não recupera ninguém, os caras sai pior do que entra. É uma escola do crime. Acham que a pessoa vai mudar, mas quando sai faz muito pior, ela volta a aprontar.

(Suborno).

O sentimento de encurralamento era partilhado pelos três jovens. Dizem que sonhavam com um futuro melhor, mas a cadeia, a invalidez ou a morte eram tomadas como destino certo, único horizonte nos seus “campos de possibilidades” (Velho, 1994). Para eles o mundo da bandidagem é uma espécie de prisão, uma vez nele entrando, não é fácil deixá-lo.

Eu pensava: a minha vida já é assim, não tem jeito de mudar. Quanto mais pensava em regenerar, mais envolvido ficava. Parecia que não tinha saída, que eu só podia viver de malandragem. O pior é que quanto mais parece que você tá se dando bem, mais você tá se dando é mal.

(Suborno). Quando o cara é viciado, tá com arma direto assaltando, aprontando por aí, o cara não quer largar aquela vida pra ficar dentro de casa bebendo suco. Ele não quer se regenerar, pra quê? Pros caras chamar ele de prego? “Esse cara era bandido, hoje é ele prego!”. Ele quer manter a personalidade dele. Sempre ser melhor que todos. Ele quer que os outros olhem assim: “vigi, não mexe com

esse cara não que esse bicho te mata”. Quer dizer, ele quer ser superior a todos, o melhor, o famoso. Ele nunca quer perder aquela força dele. O homem é muito cabeça dura, muito ignorante, ele quer tá acima de tudo, sendo que quem está acima de tudo é Deus.

(Mandraque).

Sair dessa vida é difícil. Entra, começa a roubá e fica viciado naquilo [...]. O cara fica viciado porque acha mais fácil roubá que trabalhar. Fica passando pela mente: “que que eu sei fazer? Onde eu vou arrumá trabalho? Trabalhar pra quê, pra ganhá uma mixaria”? [...]. Então você entra e pra voltar é difícil, fica sentindo que é quase impossível [...]. A tentação é mais forte que você.

(Sapão).

O medo da morte, de cair na mão de rivais, é apontado por Suborno, Mandraque e Sapão como a principal razão que os levaram a desejar fortemente abandonar o mundo do crime. Os três foram “jurados” de morte e experimentaram grandes angústias diante da possibilidade de perderem a vida.

Comecei a ser ameaçado de morte. Tava jurado de morte pela gangue do F. Era uma guerra que tinha entre duas quadras aqui no P-Sul. Um dia os caras ficaram me esperando na esquina. Quase morri, graças a Deus não fui acertado. Os caras chegaram sapecando, dando tiro, e eu corri tanto, tanto que cheguei em casa cuspindo sangue. Correndo, correndo, correndo assim, sabe? [...]. Eu tinha muito atrito, tinha muitos inimigos por causa das parada errada que eu tava metido. Aí eu falei: “não vou sair mais de casa não, vou dá um tempo. Não quero morrer não”. Aí comecei a pensar naquela vida que eu tava levando, que eu tinha que parar com aquilo.

(Suborno). Os caras passaram de carro dando logo uma esbarrada. Era pra começar a detonar. Era uma noite gelada, não senti nada, só o soco comendo. Fui surpreendido, coisa premeditada mesmo. Não dá pra esquecer porque foi coisa pesada. Eu sabia que o lance ia acontecer uma hora ou outra porque eu tava jurado [...]. Teve um dia também que a gente foi assaltar um mercado e os caras revidaram. Os caras sacaram que a gente já tava passando por lá e entraram rasgando. Saímos correndo por trás dos postes. Aí eu tive que me afastar um pouco [...]. Já tinha um certo receio desse dia e aí eu fiquei sabendo que os comerciantes iam fazer um grupo de extermínio. Tava subindo pra cabeça a raiva dos caras. Eles tavam tendo que fechar o comércio porque foi juntando cada vez mais gente no nosso meio achando interessante o estilo de fazer a coisa. Fiquei com muito medo. Comecei a me sentir na mira de vários canos. Comecei a pensar: “por que que eu tenho que viver assim nessa agonia”? Como se você vivesse no inferno.Tinha também a droga que tava comendo o meu cérebro.

(Mandraque). Na bandidagem o cara acha que tem um destaque maior, todo mundo fala dele, que o cara é isso e aquilo outro. Ele fica se achando o máximo. O cara tem fama, mas ele não passa de um marginal [...]. Quando você vê isso, o fulano de tal é o mais fodão da área, quando você vê isso, você pode ficar sabendo que a morte dele está próxima. Porque ele ta criando um ódio tão grande no meio, tem um destaque tão grande que ganha um monte de inimigos e uma hora vai aparecer alguém pra matar ele [...]. Eu comecei a ficar famoso,

pensava que era forte, mas eu tava metido num buraco, sabe por que? Porque, sem saber, eu tava criando inveja, os outros bandidos tavam de olho em mim, tavam querendo me matar, eu tava jurado de morte [...]. Então eu pensava que era forte, mas eu era um idiota. [...] Uma vez fui com um chegado roubá um bar lá em cima e de repente apareceu outros bandidos que tentaram acertar a gente. Os caras tavam com umas armas muito doidas, de dar medo. Começaram a atirar pra matar e a gente só conseguiu sair dessa porque a polícia passou na hora e a gente escapou. Eu cheguei em casa apavorado, tremendo assim, com lágrimas de medo nos olhos. [...] Depois desse dia minha vida nunca mais foi a mesma, comecei a pensar no rumo que eu devia ir. Uma coisa eu sabia: que eu não queria morrer.

(Sapão).

As freqüentes ameaças de morte por parte de “inimigos” levaram os três jovens a “dar um tempo” da rua. Passaram a evitar as saídas para além dos arredores de casa e a exposição pública em companhia dos companheiros de “bandidagem”. Continuaram freqüentando a escola, mas não se sentiam em segurança no interior do recinto escolar. As súbitas entradas nesse recinto, por motivo de rixa ou vingança, de gangues e galeras era uma constante ameaça. A violência das ruas invadia a escola5.

Este período de reclusão voluntária é descrito como uma fase em que sofreram forte pressão por parte da galera para retomarem suas atividades: “a gente sai da rua, mas ela continua te tentando [...]. Os colegas ficam no seu pé cobrando, fazendo tudo pra você voltar pra ativa. Fica parecendo que ficam o tempo todo vigiando a gente”, diz Suborno. Contam que muitos “chegados” começaram a se afastar e,

assim como os seus inimigos, também a ameaçá-los e persegui-los. O afastamento das atividades delinqüentes teria diminuído a confiabilidade por parte dos companheiros de “bandidagem”, que interpretaram suas decisões de distanciarem-se da rua como covardia ou falta de “atitude”.

5

A escola, não apenas em Brasília, mas também pelo Brasil afora e em outras partes do mundo, configura-se num dos lugares mais marcados pela subcultura das ruas (Guimarães: 1998; Lepoutre: 1997). No interior dos estabelecimentos escolares existe uma gama de práticas e de relações sociais, bem distintas e à margem das atividades propriamente educativas dirigidas pelos profissionais de ensino, que ocupa uma parte não negligenciável da vida escolar. Essas práticas e relações sociais, autônomas e independentes da instituição de ensino — em geral desviantes em relação às normas estabelecidas e até mesmo delinqüentes e clandestinas — não diferem em nada das práticas observáveis no contexto da rua. A sociabilidade que quase sempre escapa ao olhar e ao controle da instituição de ensino encontra seu lugar nos espaços e tempos “intersticiais” e recreativos, como pátios, corredores, escadas, banheiros, proximidade dos muros, entradas e saídas da escola. Nesses espaços, os jovens traficam e consomem drogas, compram e vendem armas, desafiam gangues e galeras rivais, brigam e exibem todos os signos que revelam da “atitude” e da “moral” que buscam manter diante de seus pares.