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2.4 ARTES PLÁSTICAS COMO OBJETO JORNALÍSTICO

2.4.1 Criação artística

Dentre as diversas expressões artísticas existentes, as artes plásticas30 – entendidas como atividades relacionadas à criação de obras de arte produzidas no domínio de habilidades materiais, motoras e instrumentais – estão entre as mais antigas e significativas da humanidade. Suas formas variam conforme época e lugares de existência; assim como de acordo com diferentes configurações culturais e sociais; mas se pode citar a pintura, a escultura, o desenho, a gravura e a colagem como suas principais manifestações.

Nas sociedades primitivas pré-históricas, sem organização política, acredita-se que a arte era entendida como mágica – tinha papel importante em rituais. Já nas civilizações subsequentes, que sustentavam uma hierarquia, as artes plásticas aparecem ao serviço dos ricos com a função de embelezar palácios, templos e glorificar conquistas. A partir do século XVI, as criações artísticas voltam-se à religião, à Igreja e à fé, adquirindo valor espiritual. Com o desenvolvimento do comércio, entretanto, elas ressignificam-se novamente e se direcionam para o realismo, para a representação do luxo e dos nobres. Mas, não muitas décadas depois, no século XX, os artistas de vanguarda rompem paradigmas focando-se no radicalismo estético. Por fim, a arte dos anos 2000 vive um período experimental, influenciada pelo avanço das tecnologias e pela multiplicação de estilos e produtores (FARTHING, 2010).

Consequentemente, assim como para a humanidade, as artes plásticas tiveram importância imensurável na prática do jornalismo cultural: provas disso são os espaços dedicados à pintura e escultura, por exemplo, em revistas como The Spectator e Klaxon; nos suplementos culturais como o Suplemento Literário do Estadão e o Suplemento Dominical do Jornal do Commercio; e ainda em publicações como a revista BRAVO! – todos esses citados no resgate histórico presente no subcapítulo 2.1 deste trabalho.

Porém, entre as muitas metamorfoses sofridas pelo jornalismo cultural nos últimos cinquenta anos, apresenta-se a hipótese (que será retomada na análise) de que as artes

30 Importante esclarecer que as artes plásticas encontram-se, atualmente, inseridas em um conceito mais amplo, o

das artes visuais. Essas, por sua vez, incluem também as manifestações artísticas originadas a partir de transformações tecnológicas como o design, a fotografia e o cinema. Entretanto, neste trabalho, o foco está justamente em identificar a presença da criação artística de caráter mais tradicional nas pautas do jornalismo cultural brasileiro.

plásticas tenham perdido seu lugar de prestígio na atividade, também em detrimento a expressões tecnológicas como a fotografia e o cinema, tendo sido afastadas das pautas da imprensa de massa no século XXI – houve um distanciamento dos produtos. Para pensar essa situação, é interessante recorrer aos estudos de Pierre Bourdieu (1996) sobre alguns aspectos estruturais da criação artística.

O sociólogo francês aponta que, especialmente a partir do século XIX, havia a coexistência de três grupos que permitiram a estruturação de um campo artístico: os defensores de uma arte social, onde a expressão máxima seriam os conflitos da sociedade; os seguidores da arte burguesa, que direcionavam sua produção ao mercado e ao consumo; e, por fim os adeptos da arte pela arte, que priorizavam a criação artística com base em questões de linguagem e renovação da mesma – esses últimos, voltados para a estética, surgidos como reação à crescente padronização de obras, ao progressivo aumento do número de produtores e receptores, e à criação de mecanismos de consagração e propagação de bens simbólicos.

Esse universo relativamente autônomo (o que significa dizer também, é claro, relativamente dependente, em especial com relação ao campo econômico e ao campo político) dá lugar a uma economia às avessas, fundada, em sua lógica específica, na natureza mesma dos bens simbólicos, realidades de dupla face, mercadorias e significações, cujo valor propriamente simbólico e o valor mercantil permanecem relativamente independentes (BOURDIEU, 1996, p. 162).

Isto é, a configuração do campo artístico, baseado na dualidade arte x dinheiro, permite compreender que em determinado momento da história da humanidade houve uma diferenciação entre a cultura do cotidiano (arte burguesa, cultura de massa) e a arte pura, adversária, contrária até mesmo às esferas políticas, econômicas e sociais sustentadas pelas formas de organização em voga. Por consequência, a estruturação do campo artístico passou a funcionar como princípio elementar na maior parte dos julgamentos relativos ao que é arte, e o que não é; entre a arte intelectual, de vanguarda, e a arte burguesa, tradicional.

Além disso, os grupos que compõem o campo artístico, para Bourdieu (1996) estavam diretamente relacionados a questões de classe já que os artistas burgueses normalmente provinham de camadas médias da sociedade e os artistas puros eram mais abastados (e, portanto, não tinham urgência em ser reconhecidos e obter retorno financeiro com suas obras). Isso quer dizer que para focar-se em criações mais impactantes no universo artístico, era preciso ser abonado – condição que possibilitava a ação independente do mercado de bens culturais.

Desta forma, o sociólogo apresenta seu conceito de habitus: um conjunto das disposições inconscientes relativas à interiorização de complexas estruturas objetivas

presentes na sociedade, que moldam os hábitos dos diferentes sujeitos. Ou seja, condições sociais distintas formam sujeitos com distintas posições objetivas das classes sociais, o que significa dizer que a criação artística está atrelada ao seu espaço social – portanto as manifestações artísticas não são universais, elas respondem a determinações históricas, sociais e políticas.

Assim como, a recepção das obras também é condicionada, quando a dos produtos comerciais é (quase totalmente) independente do nível de instrução dos receptores, ao contrário das obras de arte puras que são compreensíveis (quase somente) aos consumidores que possuem competência e disposição, condições necessárias a sua apreciação. Para Bourdieu (1996), isso é indício da desigual distribuição de capital cultural dentro da sociedade – influenciado pelo nível de escolaridade e pelas relações familiares e próximas dos sujeitos.

A experiência da obra de arte como imediatamente dotada de sentido e de valor é um efeito do acordo entre as duas fases da mesma instituição histórica: o habitus cultivado e o campo artístico, que se fundam mutuamente: sendo dado que a obra de arte só existe enquanto tal, isto é, enquanto objeto simbólico dotado de sentido e de valor, se é apreendida por espectadores dotados da disposição e da competência estéticas que ela exige tacitamente, pode-se dizer que é o olho do esteta que constitui a obra de arte como tal, mas com a condição de lembrar imediatamente que não pode fazer senão na medida em que ele próprio é o produto de uma longa história coletiva, ou seja, da invenção progressiva do ‘conhecedor’, e individual, isto é, de uma frequentação prolongada da obra de arte (BOURDIEU, 1996, p.323, grifo do autor).

As reflexões de Pierre Bourdieu (1996) iluminam, portanto, duas importantes situações: a primeira é que o espectro do campo artístico é formado por artistas que produzem para seus pares, ou seja, para um público de mesma condição social, e por artistas que criam para um gosto médio com o intuito de atingir o maior número possível de pessoas; e a segunda é que as obras são permeadas pelo habitus: possuem uma condição histórica (que a inserem em um espaço/tempo), e outra conjuntural (que diz respeito ao gosto moldado socialmente).

Com isso em mente, faz-se ideal traçar de forma breve as características da arte contemporânea, a fim de situar a produção de artes plásticas em um espaço/tempo; e, posteriormente, analisar amplamente a conjuntura social atual, identificada aqui neste trabalho como pós-modernidade.