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Um dos críticos mais perspicazes da cultura contemporânea, Fredric Jameson (1934-) dedica seus estudos ao fenômeno da globalização e aos seus múltiplos aspectos. Norte- americano de Cleveland, Ohio, crítico literário por formação, é autor de diversos livros e artigos sobre o mundo contemporâneo e sobre estruturalismo.

Para Jameson, a atual configuração global não deve ser vista de forma fragmentada, pois as fronteiras entre economia, informação, política, sociedade, entre outras, já não fazem mais sentido. De maneira inovadora, traz para a discussão categorias de análise marxista da economia e da cultura, contribuindo para uma reflexão profunda relativa à produção cultural contemporânea (JAMESON, [1998] 2006).

Em sua obra mais conhecida, Postmodernism, or, The Cultural Logic of Late Capitalism (Pós-Modernismo, ou, A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio), de 1991, o autor abarca as grandes transformações culturais do século XX com foco em uma análise crítica das transformações do capitalismo. As artes são utilizadas para demonstrar as características de uma nova cultura, imersa no campo mercadológico (JAMESON, [1991] 1996).

Fredric Jameson é um dos críticos que contribui de forma original, relevante e abrangente para o entendimento das manifestações culturais contemporâneas. Sua análise histórico-conceitual articula categorias da sociedade capitalista e suas transformações, apresentando relações inevidentes entre a sociedade de consumo e o mundo da produção cultural.

3.4.1 O capital cultural

Primeiramente, é preciso esclarecer que Fredric Jameson vê a pós-modernidade como estrutura e o pós-modernismo como um estilo artístico – esse último possuidor de

tempo determinado. Entretanto, as duas nomenclaturas estão conectadas, já que possuem a mesma causa: a mutação de uma organização capitalista que há muito está em vigor. O autor acredita que quando um sistema econômico se modifica, ele obriga os indivíduos a se readaptarem, acarretando mudanças em todas as esferas da vida cotidiana. Por isso, seus estudos transitam livremente entre os segmentos das artes, das comunicações, da política, economia e sociedade.

A pós-modernidade, para Jameson ([1991] 1996), é um capitalismo globalizado que estará em vigor durante muito tempo. Entre os responsáveis pelo seu surgimento estão o mercado livre, as conexões globais, o capital financeiro, a busca desenfreada por novos tipos de lucro, as redes de comunicação e a tecnologia dos computadores. O que se modifica nesse novo estágio para o autor (que se apresenta a partir de 1960 nos países ocidentais) é que a lógica do capital passa a ser cultural.

Ou seja, o mundo se torna mais humano e a cultura passa a ser uma segunda natureza: isso porque ela se transforma em produto – e seu consumo ao longo da vida cotidiana é o processo mais característico da pós-modernidade. Todas os elementos da vida social, da economia à psique, passam a ser considerados culturais e se configura um novo espaço global, uma nova realidade, onde há uma busca pela ruptura, por eventos e pelo instante revelador – aquele que remodela o que está por vir (JAMESON, [1991] 1996).

Tal mudança geral da cultura não é resultado de uma nova ordem social mundial, mas sim reflexo da reestruturação do capitalismo tardio como sistema. Isto é, para Jameson, a pós-modernidade e seus diversos aspectos (hábitos mentais e sociais) são resultado da nova divisão global do trabalho. Utilizando-se dos conceitos de Ernest Mandel (1923-1995), o autor expõe as três fases do capitalismo: a primeira sendo o capitalismo de mercado42; a segunda chamada de capitalismo monopolista43; e a terceira, o capitalismo tardio. Esse último é caracterizado pela expansão das grandes corporações, a globalização dos mercados e do trabalho, o consumo de massa e o crescimento do fluxo de capital internacional. “Podemo-nos então referir a nosso próprio período como o da Terceira Idade da Máquina.” (JAMESON, [1991] 1996, p.62).

Quando fala em máquina, o estudioso ilumina uma das principais características da pós-modernidade: a presença incisiva da tecnologia. Hipnótica e fascinante, ela torna-se

42 Ernest Mendel chama de capitalismo de mercado o período entre 1700 e 1850, em que houve um crescimento

do capital industrial no contexto dos mercados domésticos. Já o capitalismo monopolista deu-se de 1850 a 1960, e caracterizou-se pelo desenvolvimento imperialista dos mercados internacionais e pela exploração de territórios coloniais (JAMESON, [1991] 1996).

central nesse estágio, porque permite que o indivíduo represente o seu conhecimento sobre a nova rede global. O sujeito não só a utiliza, mas a consome – consome a forma de comunicação com seu conteúdo. O resultado é que se vive uma nova temporalidade (ocasionada pelas tecnologias de comunicação e produção) em que o tempo é representado pela velocidade, e tudo que existe é submetido a mudanças constantes e aceleradas. Implanta- se uma ansiedade em relação ao destino, ao que virá, já que não mais existe a ilusão de controlar o futuro (JAMESON, [1998] 2006).

Por consequência, se instala uma crise de historicidade, um enfraquecimento do sentido de história: o sujeito tem dificuldade em organizar linearmente passado, presente e futuro (como fazia no modernismo) tanto no âmbito pessoal quanto no global. O presente, influenciado pela aceleração proporcionada pela tecnologia, fica isolado e propicia uma sensação de vivacidade, de euforia e intensidades.

Jameson utiliza-se de modelos artísticos para exemplificar: ao comparar obras de Van Gogh (1853-1890) com as de Andy Warhol (1928-1987) verifica que as do primeiro são sintoma de uma realidade passada, e isso se coloca como verdade última das pinturas: seus quadros remetem a acontecimentos históricos, trazem para o espectador elementos que o conectam a momentos que existiram anteriormente. Já as obras de Warhol mostram-se ligadas ao agora, pois não representam nada além do presente; e retratam um aspecto deste novo momento do capital: a mercantilização, o fetiche pelo material.

A obra de Andy Warhol, pós-moderna, sugere um novo tipo de superficialidade, uma espécie de ausência de subjetividade, um esmaecimento do afeto44. As categorias de tempo e espaço são ressignificadas: o tempo, presente em Van Gogh, deixa de existir; e o espaço ganha maior relevância, já que criado e modificado pela mão do homem. As instalações artísticas contemporâneas refletem fielmente esse novo momento, quando existem como algo passageiro, que valoriza muito mais a espacialidade do que a temporalidade (JAMESON, [1991] 1996).

Essa mudança da relação do homem com o tempo e o espaço também decorre da cultura da imagem que se apresenta na pós-modernidade – assim como já havia anunciado Guy Debord ([1988] 1997): as vidas passam a ser expostas, aptas a serem analisadas e comentadas; e há um bombardeiro de informações que soterra o indivíduo.

44 Na pós-modernidade há um estímulo incessante dos sentidos que ocasiona a perda do sentido real, das

emoções reais e sentimentos predominantes na modernidade. O resultado é uma tensão permanente entre o real e o imaginário dos indivíduos (JAMESON, [1991] 1996).

[...] em uma cultura como se tornou a nossa, tão esmagadoramente dominada pelo visual e pela imagem, a própria noção de experiência estética é ou insuficiente ou excessiva, pois, nesse sentido, a experiência estética está agora por toda a parte e satura a vida social e cotidiana em geral (JAMESON, [1998] 2006, p.167).

A experiência existencial e o consumo cultural se modificam, e a fotografia e o cinema ganham destaque em um tempo em que a imagem é a mercadoria. Desta forma, a “[...] pós-modernidade é a face cultural e superestrutural da globalização que é a infraestrutura, a realidade econômica” (JAMESON, 2013, 3:11).

3.4.2 A arte pós-moderna

As teorias do pós-moderno se assemelham às teorias do moderno, que expunham uma sociedade que já não vivia sob a manipulação de um capitalismo clássico, aquele baseado na produção industrial e na luta de classes. Entretanto, a pós-modernidade desconsidera a maioria das premissas modernistas. Na arte, não se refere mais a um estilo (marca de uma única personalidade), mas sim a uma estratégia de produção – uma espécie de receita. São eliminados temas, conteúdos da arte e os artistas mais recentes estão incorporados na cultura de massa ou cultura popular, por isso não falam de materiais, de fragmentos e de motivos, nem mesmo da própria cultura. Eles produzem para o agora, não para retratar o passado e nem mesmo para serem lembrados no futuro.

A arte moderna era uma arte de oposição. Uma ofensa ao bom gosto da época, ao senso comum, uma constante provocação aos valores e à conduta da sociedade do início do século XX. Hoje em dia, a mudança cultural foi tão grande que nem mesmo as obras criadas no modernismo chocam: quadros de Pablo Picasso (1881-1973), Jackson Pollock (1912-1956) ou Salvador Dali (1904-1989) não são estranhos ou repulsivos.

[...] isso significa que, mesmo que a arte contemporânea tenha os mesmos aspectos formais do antigo modernismo, ela ainda assim mudou fundamentalmente de posição dentro da nossa cultura. Em primeiro lugar, a produção de mercadorias, em particular de vestimentas, mobiliário, edifícios e outros artefatos, está agora intimamente ligada à mudança de estilo que deriva da experimentação artística (JAMESON, [1998] 2006, p.42).

Tal modificação resulta em uma característica fundamental da pós-modernidade: a inexistência da barreira entre a alta cultura e a chamada cultura de massa (comercial), motivo de desgosto para muitos modernistas e de exaltação para a nova geração. Essa é a responsável,

de acordo com Jameson ([1991] 1996), para o surgimento da configuração que, a partir de 1960, desconsidera o conjunto de velhos clássicos modernos e atribui a tudo um mesmo valor. Isto é, na pós-modernidade, todas as formas de arte e cultura existem simultaneamente e precisam buscar seu espaço. Uma obra de Vik Muniz45 produzida a partir do lixo, uma fotografia de Sebastião Salgado46 capturada no Amazonas, um filme de Jorge Furtado47 sobre o jornalismo brasileiro, ou uma música da Banda do Mar48 sobre o amor têm igual importância nesse novo paradigma – independente do seu produtor, do seu público alvo, da sua simplicidade ou complexidade. Nesse sentido, é essencial compreender a pós- modernidade “[...] como uma dominante cultural: uma concepção que dá margem à presença e à coexistência de uma série de características que, apesar de subordinadas umas às outras, são bem diferentes” (JAMESON, [1991] 1996, p.29).

Outro aspecto da pós-modernidade para Jameson é a morte do sujeito, ou seja, o fim do individualismo. Exemplificando através da arte, ele aponta os modernistas como sujeitos individuais, criadores de estéticas únicas e ainda desconhecidas. Já os pós-modernistas não são mais capazes de inventar novos estilos e mundos, justamente porque eles já foram inventados. Ou seja, “[...] em um mundo no qual a inovação estilística não é mais possível, tudo o que resta é imitar estilos mortos, falar através de mascaras e com as vozes dos estilos no museu imaginário” (JAMESON, [1998] 2006, p.25).

Desta forma, o autor introduz o conceito de pastiche – similar à ideia de paródia. Para ele, nesse novo estágio, há a imitação de estilos particulares e únicos e, por consequência, o discurso é realizado através de uma língua morta. A característica se apresenta claramente na moda retrô, que se evidência em passarelas, design de produtos, filmes, na vida em geral. É uma espécie de nostalgia que representa o passado histórico, já que o indivíduo não mais consegue enxergá-lo de outra forma.

Em conjunto com essa espécie de melancolia, surge um sentimento de alívio: a arte pós-moderna não tem a obrigação de criar um novo estilo, de narrar o passado ou o futuro.

45 Vicente José de Oliveira Muniz (1961-) é um artista plástico paulista que utiliza materiais inusitados para criar

obras, como lixo, restos de demolição e até componentes como o açúcar e o chocolate. VIK MUNIZ. Disponível em: <http://vikmuniz.net/pt/> Acesso em ago. 2015.

46 Sebastião Ribeiro Salgado Júnior (1944-) é um fotógrafo mineiro que retrata, em seu trabalho, a natureza

humana, as minorias raciais e características naturais do planeta. AMAZONAS IMAGES. Disponível em: <http://www.amazonasimages.com/>. Acesso em ago. 2015.

47 Jorge Alberto Furtado (1959-) é um cineasta gaúcho que dirigiu filmes como Ilha das Flores (1989), O

Homem que Copiava (2003), Saneamento Básico (2007), e O Mercado de Notícias (2014). CASA DE CINEMA

DE PORTO ALEGRE. Disponível em: <http://www.casacinepoa.com.br/a-casa/os-s%C3%B3cios-da-casa>. Acesso em ago. 2015.

48 A Banda do Mar é uma banda luso-brasileira criada em 2014, composta por Mallu Magalhães, Marcelo

Camelo e Fred Ferreira – autora do hit Mais Ninguém. BANDA DO MAR. Disponível em: <http://www.bandadomar.com.br/>. Acesso em ago. 2015.

Graças a movimentos como o pop art49 de Andy Warhol, houve um desbloqueio, uma libertação da produção que, no modernismo, encontrava-se endurecida. A distância que havia entre criadores (considerados gênios) e seus leitores paralisava a produção, que agora “[...] se torna novamente aberta para quem quiser se comprazer com ela” (JAMESON, [1991] 1996, p.321).

Como crítico da cultura pós-moderna, Jameson acredita que através das manifestações artísticas contemporâneas é possível ler de maneira mais clara esse atual momento global. Um novo estilo menos severo, menos rígido, emerge na arquitetura, nas artes plásticas, no cinema, na fotografia e na música. Os diversos tipos de arte se envolvem umas com as outras e perdem aquela separação prevalente no modernismo. E, ao contrário do que se pensava no século XX, o fim do movimento modernista não representou o término das artes, mas sim que, agora, todas as experimentações são válidas e passíveis de atenção – o mesmo acontece nos demais nichos da sociedade.

A pós-modernidade, para Fredric Jameson, é uma revolução cultural, uma ideologia cultural que articula o mundo de maneira funcionalmente útil. Ela é uma nova era do capitalismo, a face cultural da globalização, influenciada inquestionavelmente pela pluralidade formada a partir das tecnologias, da mídia e do mercado. Contudo, é preciso manter em mente que “[...] julgamentos ideológicos a respeito do pós-modernismo hoje implicam necessariamente um julgamento a respeito de nós mesmos, assim como dos artefatos em questão” (JAMESON, [1991] 1996, p.87). O que significa dizer que tentar desvendar a pós-modernidade é estar ciente de autoavaliar-se e analisar os aspectos que compõem a existência no presente.