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2.2 DIÁLOGOS BRASILEIROS: JORNALISMO E CULTURA

2.2.1 Da necessidade da prática verdadeira

Os professores Cida Golin e Everton Cardoso (in BOLAÑO; GOLIN; BRITTOS, 2010) esclarecem que, como mediador, o jornalismo cultural deve ser capaz de processar os discursos formais das ciências e das artes, torná-los acessíveis e transmiti-los a um grande público. Essa prática, que interpreta códigos artísticos na intenção de comunicá-los, o transforma em reflexo e agente propulsor da cultura, influencia diretamente a formação de público e posiciona a criação cultural em um espaço e tempo, o que lhe permite criar suporte.

Tal capacidade de colocar os fatos culturais em uma perspectiva histórica aproxima o universo poético do artista da realidade dos indivíduos. Ela permite ao leitor o estranhamento, o desligamento da automaticidade diária e abre novos canais de percepção e compreensão. “Na periódica revisão de temas artístico culturais, o jornalismo alicerça e constrói a memória

26 A Lei Rouanet é uma Lei Federal de Incentivo à Cultura (nº8.313) que institui políticas públicas de incentivo a

produção cultural nacional através de uma política de incentivos fiscais. Sua base é a promoção, proteção e valorização das expressões culturais nacionais. PORTAL BRASIL. Disponível em:

<http://www.brasil.gov.br/cultura/2009/11/lei-rouanet>. Acesso em abril 2015.

27 A Funarte – Fundação Nacional de Artes – é uma fundação do governo brasileiro ligada ao Ministério da

Cultura. Ela é responsável por desenvolver políticas públicas de incentivo às artes visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo. FUNARTE. Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/a-funarte/>. Acesso em abril 2015.

simbólica, confirmando sua condição de práxis na narrativa marcada pela cultura profissional e pelo contexto em que está inserida.” (GOLIN in AZZOLINO, 2009, p.27).

Obviamente, esse jornalismo mediador constrói uma relação de credibilidade com o leitor que, acalentado pela produção discursiva do segmento, firma uma espécie de parceria inconsciente: o jornalista assume o papel de selecionador, de julgador do bom e do ruim, de intelectual que distingue os produtos em um mercado recheado de ofertas. Ainda, funciona como uma espécie de regulador, quando tem a liberdade de colocar em pauta determinado assunto/obra – independente do seu encaixe na grade de programação.

Sendo assim “[...] o jornalismo cultural participa do mecanismo de criação de consenso sobre o que significa a cultura de uma época, consenso esse formado dentro do próprio sistema cultural” (GOLIN; CARDOSO in BOLAÑO; GOLIN; BRITTOS, 2010, p.195). Ou seja, a atividade tem efeitos que podem ser vistos desde na visibilidade da criação, na consagração de produtos ou agentes, e até no próprio processo produtivo artístico, o que torna o jornalismo em si uma prática cultural.

O desenvolvimento de qualquer sociedade e a sua própria interpretação, portanto, necessitam de jornalistas culturais. Aqui, é claro, fala-se de “[...] um jornalista cultural no sentido crítico da palavra, isto é, alguém capaz de colocar um fato cultural numa perspectiva histórica (e crítica) do campo cultural relacionado que está sendo tratado” (COELHO in LINDOSO, 2007, p. 25). Jorge B. Rivera (1995), afirma que as seções de jornalismo cultural exercem verdadeira influência sobre a configuração das ideias de uma época, afinal, o melhor jornalismo cultural é aquele que consegue refletir as problemáticas globais de um determinado período e interpretar a criatividade potencial do homem e da sociedade, utilizando uma bagagem de informação, um estilo e um enfoque adequados à matéria e ao público alvo.

O crítico de arte Arthur Dapieve (in CALDAS, 2002) no artigo Jornalismo Cultural, comenta:

Porque o que torna um filme, um disco – para usarmos termos singelos – ‘bom’ ou ‘ruim’ senão a comparação, ainda que inconsciente, com toda nossa memória cinematográfica ou musical, com a qual o item em pauta se relaciona em termos de ‘melhor’ ou ‘pior’? É esse cruzamento de informações que permite o aparecimento de um conceito, de uma avaliação e, em última instância, de uma opinião. Imagine que um cidadão que apenas uma vez na vida tivesse se encantado com algo visto no escurinho do cinema. Como ele poderia hierarquizar o que viu? Ou seja: ao menos idealmente o repórter cultural, com o qual a figura do crítico crescentemente se confunde, é repórter cultural porque viu mais filmes ou escutou mais discos do que a maior parte das pessoas. Sua base de dados é maior (p.96, grifo do autor).

Por isso, uma formação intelectual rigorosa e humanística é indispensável a qualquer um que queira atuar como jornalista cultural. Afinal, é preciso compreender as obras, ser capaz de revelar a complexidade das relações que as compõe e mostrar ao público que nelas existe um pensamento profundo sobre a condição humana. É necessário pesquisar, apurar, investigar, refletir, identificar e buscar o equilíbrio, conciliando isso tudo à sensibilidade (ANCHIETA in AZZOLINO, 2009).

Sensibilidade essa desenvolvida desde o início da formação profissional do jornalista que deve voltar seus esforços para a interpretação das relações que compõem o espectro global. É imprescindível ler e saber sobre cultura e artes, mas é também necessário atentar para diferentes formas de expressão, de manifestação, para diversos campos do conhecimento. Somente assim o jornalista cultural conseguirá compor uma bagagem mental e uma consciência crítica apta a entrar verdadeiramente em contato com a cultura e suas produções e relacioná-la com o todo.

Afinal, como salienta a professora Isabelle Anchieta (in AZZOLINO, 2009), a prática, além de informativa é poética, quando consegue atingir a integralidade das pessoas, que buscam na atividade um conhecimento reflexivo, sensível. Porque, de acordo com o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), a relação do ser humano com arte baseia-se, também, em amor. Um amor fixado no objeto que recorre ao jornalismo cultural em busca de razões que justifiquem o sentimento. Ele salienta:

É por isso que a análise científica, quando capaz de trazer à luz o que torna a obra de arte necessária, ou seja, a fórmula formadora, o princípio gerador, a razão de ser, fornece à experiência artística, e ao prazer que a acompanha, sua melhor justificação, seu mais rico alimento. Através dela, o amor sensível pela obra pode realizar-se em uma espécie de amor intellectualis rei, assimilação do objeto ao sujeito e imersão do sujeito no objeto (1996, p.15, grifo do autor).

É justamente nessa relação construída entre jornalista cultural, artista e público que se faz necessário sair da esfera do eu ideológico para perceber, com afeto, os outros. O jornalista, como leitor cultural, deve estabelecer um diálogo, narrar com prazer as trocas culturais, considerando aspectos osmóticos – perpassados em comutações sociais – e não somente reproduzindo significados lídertípicos – estabelecidos pelas estruturas de poder. Por meio disso, a intuição criativa e autoral se eleva e o jornalista adquire consciência e resistência perante a guerra simbólica, se tornando digno de representar a tensão social da constituição dos significados (MEDINA, 2007).

Por fim, entre a produção artística e cultural, o mercado econômico (e o jornalístico) e o público leitor, são muitos os desafios contemporâneos que os profissionais da área de

jornalismo cultural precisam enfrentar. O inegável é que a profissão é extremamente relevante, exige esforço, dedicação, leitura, sensibilidade e paixão – e assim como os próprios artistas, os jornalistas culturais devem viver de maneira profunda a sua arte, mantendo a tradição crítica e reflexiva sem excluir as novas perspectivas e os novos caminhos do segmento no mundo contemporâneo.