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5.4 INTERFERÊNCIAS PÓS-MODERNAS

5.4.4 Do coletivismo nas artes plásticas

Apesar de identificar essa individualidade motivada por algumas notícias encontradas no Digestivo Cultural e no Ilustríssima, é preciso salientar que a presença de textos que contêm o aspecto do coletivo foi notavelmente expressivo. No próprio site, a reportagem Iara Abreu expõe artes visuais com poesia, de autoria de Valdeck Almeida de Jesus – 2 de agosto –, articula-se em torno de uma mostra realizada através da parceria entre uma artista plástica e oitenta poetas que resultou na concepção de duzentos poemas ilustrados.

[...] Iara acredita em ações e na força de projetos coletivos, interdisciplinaridade de linguagem, artes híbridas, intercâmbios culturais, etc. Como frequenta grupos de poetas e saraus em Belo Horizonte, MG, convidou alguns amigos poetas a participarem da exposição cedendo um texto ou poemas que dialogassem com o tema ‘Aspectos Urbanos’ e as imagens. Os poetas não só aceitaram o convite, como gostaram da ideia e indicaram outros poetas e a primeira exposição acabou contando com a participação de trinta e cinco poetas e sessenta e quatro poemas ilustrados. [...] (JESUS, 2015, grifo do autor).

O sociólogo Michel Maffesoli explana essa característica de união através do conceito de tribos urbanas – indivíduos que se aproximam pois compartilham de mesmos valores, interesses, formando grupos. No caso da exposição citada acima, é indiscutível que se não houvesse a articulação conjunta de habilidades, assim como objetivos em comum entre os participantes, não haveria produto artístico: os poemas ilustrados necessitam, invariavelmente, de um poeta e um artista plástico para existirem. Em Maffesoli: “[...] eu não existo se não pelo outro” (in SCHULER; SILVA, 2006, p.34).

Tal hipótese da tribo urbana relaciona-se com a ideia do estar-junto, afinal, tais artistas reúnem-se não somente pela racionalidade, mas também pelos sentimentos que são despertados quando elaboram e finalizam obras de arte em associação. Na sociedade pós- moderna, para Maffesoli (2012), o sujeito vive vinculado a outros, seja por compartilhar da mesma cultura, comunicação, lazer, etc: o cimento social se constrói com base nesses contatos.

No Ilustríssima, o aspecto do coletivo apresenta-se com maior intensidade, já que está presente em quatro notícias e três críticas que discorrem sobre exposições realizadas por intermédio da conexão entre artistas, reunidos pelos mais diversos aspectos. Em Exposição | Edital Bolsa de São Paulo – 14 de junho – os expositores são os selecionados para o programa de apoio as artes visuais idealizado pela galeria de Maria Bononi e Lena Perez. Já em Exposição | Imaterialidade – 28 de junho – a união acontece devido ao trabalho dos 18 artistas referirem-se ao mesmo tema: o impalpável. Em Exposição | 30 ART/RAT – 5 de julho

–, por sua vez, a ideia é apresentar um evento em que os trabalhos dos artistas estejam divididos entre a produção efetuada antes e depois dos trinta anos de idade. E, por fim, em Exposição e Seminário | Álbum de Família – 23 de agosto – a escolha dos participantes foi determinada pela seleção da curadora Daniella Géo, que atua como elo de ligação:

Com cerca de 40 obras de artistas como Adriana Varejão, Bill Viola, Jonathas de Andrade e Rosângela Rennó, a mostra sob curadoria de Daniella Géo organiza série de palestras. Participam dos seminários os artistas da dupla Dias & Riedweg, a antropóloga Bárbara Copque e outros profissionais da área de saúde e psicologia. Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica - Rio | tel. (21) 2232-4213 | de ter. (25) a qui. (27) | grátis; senhas meia hora antes expo seg., qua. e sex., das 14h às 20h; ter., qui., sáb e feriados, das 10h às 17h | até 19/9 (ILUSTRÍSSIMA, 2015, n.31.553, p.2, grifo do autor).

Nas críticas, por conseguinte, as duas que tratam sobre exposições similares (uma a realizar-se em São Paulo e a outra no Rio de Janeiro) o critério de união diz respeito a um período de tempo e a um gênero: em Mulheres na Pinacoteca – 2 de agosto – e Pioneiras do Moderno – 16 de agosto – discutem-se as mostras que reuniram a produção feminina durante a modernidade na arte brasileira. Ambas, além de realçarem a questão do gênero, debruçam- se também sobre os aspectos estéticos do período (modernismo), apontando características responsáveis por aproximar os trabalhos.

MULHERES ARTISTAS: As Pioneiras (1880-1930)’, em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo até 6/9, traz à baila um debate quente sobre como abordar a exclusão das mulheres do universo profissional da arte, situação histórica bastante conhecida e que começou a ser tratada pela academia apenas em meados dos anos 1960, no calor de outras reivindicações feministas.

[...] O principal mérito de ‘Mulheres Artistas’ é jogar luz sobre as relações ambíguas entre arte moderna e academia no início do século 20, assunto, aliás, que transcende a questão de gênero. As curadoras fazem isso mostrando estudos acadêmicos das duas damas sagradas do modernismo brasileiro, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, junto de trabalhos de artistas desconhecidas, ou pouco conhecidas, como Julieta de França, Angelina Agostini, Abigail de Andrade e Georgina de Albuquerque. [...]‘Mulheres Artistas’ incomoda ao colocar em pauta a discussão sobre como os museus de arte devem abordar problemas sociológicos. Traz à tona o velho dilema curatorial sobre importância histórica versus qualidade artística. O ideal seria que não existissem exposições de "mulheres artistas" e que obras produzidas por mulheres de quaisquer gerações estivessem cada vez mais presentes em mostras de escopo mais amplo, sem a necessidade de se recorrer a cotas.

A mostra ainda se apoia na necessidade de denunciar a exclusão pelo gênero, e o faz a partir de conhecimento histórico sólido, embora nem sempre com obras fortes. No contexto do incipiente debate brasileiro sobre a inserção da mulher no sistema artístico, convenhamos, é um ganho. (ESPADA, 2015, n.31.532, p.2, grifo do autor). COM CURADORIA DE Hecilda Fadel, Marcelo Campos, Nataraj Trinta e Paulo Herkenhoff, ‘Tarsila e Mulheres Modernas no Rio’ fica em cartaz no Museu de Arte do Rio (MAR) até o dia 22/11. Reunindo mais de cem artistas, essa é uma das mostras mais intrigantes do ano, por vários motivos.

Além de obras importantes e algumas pouco vistas, a principal questão não é, para usar a palavra da moda, ‘empoderar’ as mulheres (a historiografia brasileira foi omissa com elas, transmitindo um caráter de lateralidade às suas produções), mas

significativamente apontar o desenvolvimento de uma prática moderna no país antes dos compromissos estéticos reconhecidos pela história.

São obras que apontam para um signo moderno, seja no uso inédito no país de técnicas ou de cores e formas, seja no jogo entre luz e sombra que reproduzia distorções no plano, num período em que o conservadorismo era dominante no sistema de arte, a ponto ver tais inovações como erros. Algumas alas criam, pelas divisões estabelecidas nas salas, um diálogo entre temas conexos, enquanto outras dedicam espaços mais substanciais a certas obras ou artistas. (SCOVINO, 2015, n.31.546, p.2, grifo do autor).

A união das obras dessas artistas, mesmo que produzidas durante a modernidade, diz respeito ao compartilhamento de um gosto comum do público. O apelo em relação ao gênero atrai tribos urbanas interessadas nessa discussão; assim como o recurso em relação ao período estético desperta curiosidade nos apreciadores de arte que se identificam com o mesmo. Ou seja: nas exposições, os locais tornam-se pontos de encontro de tribos que, a partir de paixões, emoções, afetos específicos, arquitetam o elo social. Parafraseando Maffesoli (1985) o que está em jogo são as emoções compartilhadas que constroem a atmosfera emocional – os sentimentos suscitados pelos textos acabam por levar os leitores às exposições, base para a ideia do estar-junto.

Finalmente, ainda no Ilustríssima, em Como se instalar em uma fresta – 26 de julho – a crítica de Marta Bógea refere-se a uma mostra de um coletivo de artistas chamado Casa 7 que possuiu diversos integrantes ao decorrer dos anos. O interessante nesse caso é observar, além da questão do coletivo, a carga imaginal que sugere Maffesoli (2012). Para o sociólogo, o imaginário funciona na pós-modernidade como defensor daquilo que não pode ser explicado pela razão, pois se relaciona com o instintivo, o emocional, é passível de ser sentido. O real só é compreensível devido ao irreal – que atribui um aspecto espiritual, imaterial ao material.

[...] Projetados com um detalhamento impecável, os painéis estão estruturados por um quadro metálico recuado e suspensos a 20 cm do chão por um único cabo contínuo, de modo a permitir ajuste de nível. Precisão alinhada com a curadoria de Eduardo Ortega, que apresenta o que há em comum e que nos permite reconhecer a existência da Casa 7 como grupo de jovens artistas que partilhava não só espaço. A edição apresenta a produção entre 1984 e 1985, época de consagração da Casa 7 e que correspondeu aos dois últimos anos de convivência no mesmo ateliê.

No Pivô, artistas de hoje muito diferentes entre si apresentam-se próximos, num momento de formação, de troca intensa de experiências. Sem identificação gráfica e na persistente repetição percorre-se a mostra como continuidade e contaminação legível também pela expografia – sempre os mesmos painéis, sempre de um lado um esmalte sintético sobre papel craft e de outro um óleo sobre tela. (BÓGEA, 2015, n.31.525, p.2).

A autora detalha peculiarmente as características físicas da exposição com o intuito de transportar o leitor para dentro daquele espaço. Através da imaginação, é possível percorrer a mostra e despertar a curiosidade. Mais do que isso, o texto permite inferir que no contato

direto com a exposição é evidente que o irreal desempenha papel fundamental ao sustentar a construção de uma atmosfera que é, ao mesmo tempo, realista e mágica.

Jean-François Lyotard ([1979] 1988), quando divulgou seus estudos sobre a condição pós-moderna, já expunha a necessidade de validação do emocional para justificar determinadas formas de conhecimento. O saber pós-moderno está permeado pela sensibilidade que, baseada nas ideias de saber-fazer, saber-viver, saber-escutar, etc, propicia ao indivíduo uma ampliação do entendimento das, entre tantas outras áreas, artes plásticas.

A propósito, no perfil de Márcia Fortes sobre Chris Burden e Ivens Machado – matéria intitulada Paralelas no infinito, Ilustríssima, 14 de junho – a relevância do imaginário para a arte produzida desde a década de 1970 pelos dois artistas é indubitável:

[...] Em ‘Consolador/Dildo’ (1979), Machado nos aflige com uma forma roliça revestida de grossos cacos de vidro, típicos dos muros de casas brasileiras. Nesse mesmo ano fez ‘Mapa Mudo’, escultura em concreto com o formato do mapa do Brasil cravejado de cacos de vidro, uma obra-prima que salta da forma para o mais contundente argumento político. Ao longo dos anos 80 e 90, construiu formas estranhas de concreto, pigmento, pedras, ferro. Machado dizia que construía o visível e que ‘o estranhamento que causam deve ser relativo à nossa própria estranheza’.

Já Burden canalizou o espírito Houdini de desafio mortal de suas primeiras obras para proezas técnicas em escalas imponentes.

Se primeiro ele expôs seu próprio físico, mais tarde colocou à prova outros corpos. ‘Samson’ (‘Sansão’, 1985) é uma obra meio escultural, meio performance constituída de um macaco mecânico entre duas grossas toras, ligado a uma catraca na entrada do espaço expositivo. Cada vez que o fluxo de pessoas impele a catraca, ela faz com que as toras empurrem as paredes, testando o limite da engenharia do prédio, potencialmente destruível pela engenhoca.

[...] Burden praticava a figuração direta, usando uniformes policiais, carros, guindastes, submarinos, arranha-céus e até barras de ouro. Exercitando um imaginário de TV americana, produziu esculturas que imprimem fortes imagens narrativas. Um escultor cinemático.

Já a obra de Machado fala mais ao instinto selvagem. Ele materializava a forma sem floreá-la excessivamente de significações. A forma em si parece falar, como se suasse algo que o espectador absorve. A escultura transpira.

Uma escultura sem título de 1988, de concreto e pigmento, pendente de um cabo de aço na parede, apresenta cor de língua e superfície áspera de cuja ponta brotam pedras pontiagudas. Remete ao pênis, ao saco escrotal. Uma obra que opera como síntese e como metáfora. [...] (FORTES, 2015, n.31.483, p.3, grifo do autor).

As artes plásticas pós-modernas, que já se encontravam em trajetória nas datas dos trabalhos citados acima, começavam a configurar-se como um discurso heterogêneo, baseado no seu próprio jogo de linguagem, legitimado pelo emocional. Para Lyotard ([1979] 1998) o saber pós-moderno desperta a sensibilidade. “[...] Ele mesmo não encontra sua razão de ser na homologia dos experts, mas na parologia dos inventores.” (p.17, grifo do autor).