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CAPÍTULO 3. DESAMPARO – UMA RESPOSTA

3.3 A criação

A pulsão – Trieb – obriga o indivíduo a sair de si mesmo com destino a criação. Ela dá ao sujeito a possibilidade do erro e da busca. Assim, a sublimação (um mecanismo de defesa do “eu”, através do qual certos impulsos são incorporados à personalidade e culminam em atitudes sociais positivas), surge como um dos destinos possíveis da pulsão. A partir desse caráter de errância e imprevisibilidade, próprio da feminilidade, ele reinventa novos destinos para si. Birman, em Gramáticas do Erotismo: a feminilidade e as suas formas de subjetivação em psicanálise, reflete sobre como o sujeito transforma a pulsão de morte em subjetivação:

A feminilidade seria, assim, o ponto de chegada de um movimento bastante complexo do pensamento freudiano que, da pulsão como força, passando pelo conceito mediador de pulsão de morte e angústia do real, realizaria finalmente um esboço do sujeito marcado pelo trauma do masoquismo erógeno, como engendradores fundamentais das formas de subjetivação.

O sujeito está sempre suscetível a recomeços devido a sua subjetividade incompleta e errante, conforme tece Birman:

Com isso, a feminilidade enquanto sublime ação indicaria as potencialidades humanas para a erogeneidade e para a experiência da criação, na qual se reconheceria implicitamente que a subjetividade seria, pois imperfeita, incompleta, inconclusa e infinita. Enquanto potência de devir e de vir-a-ser, o sujeito seria, enfim, sempre algo tosco e rude, marcado que seria pela pouco nobre carnalidade e fadado ao permanente e insistente recomeço de sua existência (BIRMAN, 2001, p. 242-243).

A condição humana não pode resistir e fugir à força das pulsões, é isso a marca de que somos humanos. Entretanto, o desafio de ultrapassar o sofrimento ocasionado pela feminilidade e pelo desamparo é colocado ao sujeito durante toda a sua vida. A sublimação transforma a pulsão de morte/destruição em uma outra pulsão (Tânatos versus Eros), onde o trabalho e a criação são possíveis. Não existe cura, fim, para o desamparo, mas formas do sujeito lidar com ele e inventar novos destinos para a sua existência. Em seu artigo, Feminilidades – caminhos da subjetivação, Ângela Maria Menezes de Almeida, reflete:

Os dois sexos compartilham uma mesma feminilidade com a qual vão ter, necessariamente, que se deparar em seu processo de subjetivação, e sua aceitação equivale à aceitação da castração. Nessa ótica, a feminilidade mostra-se, então, como uma potência produtiva que pode desencadear diferentes caminhos e infinitas possibilidades sublimatórias para os indivíduos. (ALMEIDA, 2012, p.41).

A feminilidade, como nos diz a ensaísta acima citada, é uma potência produtiva capaz de oferecer múltiplas possibilidades ao sujeito. Sendo assim, a feminilidade seria o solo da subjetividade e “ao indicar a perda dos emblemas fálicos, abriria para o sujeito, homem ou mulher, novas possibilidades de erotismo e sublimação, até então desconhecidas por ele e que permitiria o desfrute de uma experiência de criação” (ALMEIDA, 2012, p.42). Ao aceitá-la e reconhecer o desamparo como essencial à própria experiência de vida, ele é capaz de transpor o sofrimento, abrindo espaço para a construção de uma singularidade do ser.

Birman articulou a sublimação com os conceitos de feminilidade e criação:

Pode-se, pois, encarar a psicanálise como uma estilística da existência. Esta tem um registro ético e o outro de ordem estética. Nessa perspectiva, o sujeito deve atravessar na análise a experiência dolorosa do desamparo a ser impregnado em sua carne pela feminilidade (…) nessa via que o sujeito estará finalmente na condição de inventar novas verdades e outras versões sobre sua história (…) pela mediação de sublimações que ele poderá, então, construir e regular de maneira singularizada pelos registros ético e estético (BIRMAN, 1996, p. 30).

Através da sublimação e da experiência da criação, o sujeito pode atravessar o desamparo ocasionado pela feminilidade e “inventar novas verdades e outras versões sobre sua história”, ou seja, construir novos caminhos para sua vida.

No romance de Inês Pedrosa, observamos que Jacinta, muito dependente do outro emocionalmente, deposita nele sua fonte de alegria. Ela possui dificuldades para vencer o sofrimento, para redirecionar suas pulsões de morte, para sublimar. Jacinta trabalha como modista e encontra prazer em sua atividade, porém, seu trabalho não é suficiente para tornar o processo do desamparo menos doloroso. Apenas ao interagir com o outro e ter suas expectativas atendidas, ela encontra uma satisfação.

Entretanto, Jacinta faz uso da voz, da música, para vencer a solidão: “Enquanto meus filhos não vêm, eu canto”. A música, uma forma de criação, entra na vida da personagem como um meio de driblar a ausência de afeto do outro. A pulsão é levada a uma outra dimensão, de vida. Desde a infância, Jacinta já demonstra inclinação para a arte: “Eu queria

estudar piano, aprender a cantar, mas tive de esperar até ser mulher adulta para isso. Gostava de arte, música, desenho, letras. Sonhava com um mundo de harmonia” (PEDROSA, 2016, p. 22). E no hospital, delira que canta para um público: “Além de que gosto de cantar, e toda a gente precisa, nalgum momento, de uma canção” (IBIDEM, 2016, p. 27). A música lhe é um consolo.

Cabe lembrar que a arte como sublimação e enfrentamento do desamparo requer uma relação de alteridade, já que quem cria, cria uma obra para alguém (mesmo que anônimo). Vera Lúcia Dutra, em O conceito da sublimação à luz de uma perspectiva de feminilidade, disserta:

A sublimação envolve uma relação de alteridade, uma vez que implica um outro a quem a criação se endereçará para ser compartilhada e reconhecida. A troca do objeto ocorrida na sublimação está inscrita no fantasmático que se constitui como lugar de encontro com esse outro e que só se constitui porque a fusão pulsional é simultânea ao surgimento do inassimilável que torna possível a discriminação. Sendo assim, a troca do objeto da pulsão que ocorre na sublimação não pode se limitar a um deslocamento da fixação que recai sobre um objeto parcial da pulsão para seu substituto. Para que a sublimação se realize como criação, é necessária uma mudança da posição ocupada pelo sujeito em relação ao objeto da pulsão que possibilite tanto uma abertura para o inassimilável existente no objeto quanto o reconhecimento de seu estatuto de alteridade. Essa mudança implica a libertação do sujeito com relação a ideia de controle e posse do objeto, assim como sua contrapartida, a submissão a ele. (DUTRA, 2002, p.105)

O criador precisa, segundo Dutra, assim como um ator, ficar atento a seu público e, ao mesmo tempo, entregar-se e perder-se em sua obra. A sublimação, através da arte, exige um enfrentamento do desamparo e um reconhecimento de sua incompletude. Assim, na alteridade, há uma anulação da onipotência narcísica do desejo.

Interessante observar que a arte também serve de consolo às frustrações de Clarisse. A jornalista revela que encontra algo similar à felicidade ao ter contato com a literatura, cinema e dança, em sessões com os amigos vizinhos:

Passei mais de metade da minha vida atrás de ficções: queria mudar o mundo através do papel do jornal, e se possível, construir uma família feliz, com um cão e um jardim. Só encontrei algo parecido com essa felicidade nos primeiros anos com Vicente. E nas sessões de leitura, escrita, cinema e dança que faço com os meus velhos amigos, aqui em Arrifes. (PEDROSA, 2016, p. 150).

A personagem Vanessa não desenvolve um processo criativo durante sua vida, porém, sua única fonte de prazer era a música: “O que a salvava da vida desprezível a que se sentia destinada era a danceteria princesa. A música oferecia-lhe a fantasia que não encontrava em nenhum outro lugar (PEDROSA, 2016, p. 59). Jacinta, Clarisse, Vanessa e Raul, personagens marcados pelo desamparo e que encontram, em alguma forma de arte, um refúgio.

Podemos observar, na narrativa, como a criação artística desvia os personagens da solidão. No capítulo “Raul e a Redenção”, Raul fala sobre o processo pintura de suas telas: “Rabisco, desenho e pinto. Trabalho há dias, freneticamente, ao som de Don Giovanni, que toca em contínuo das colunas do computador. Esta ópera me ajuda a criar” (PEDROSA, 2016, p. 283). Clarisse também encontra no processo da escrita um alívio para a tristeza: “Clarisse precisava de desafios e o jornalismo dava-lhos; o fervilhar do mundo afastava-a da solidão” (PEDROSA, 2016, p. 153).

A arte é uma forma de o indivíduo obter satisfação e redirecionar suas pulsões de morte. Freud, em Mal-estar na civilização, afirma: “À frente das satisfações obtidas através da fantasia ergue-se a fruição das obras de arte que, por intermédio do artista, é tornada acessível inclusive àqueles que não são criadores” (FREUD, [1930] 1996, p. 53). A ideia, segundo ele, é reorientar os objetivos instintivos de forma a evitar os sofrimentos do mundo externo. O artista encontra uma satisfação e uma alegria ao criar, o que intensifica a produção do prazer. A música, a pintura e a escrita são, portanto, caminhos que o sujeito encontra para sair de um estado de desamparo e descobrir outras formas de prazer.

O ser humano busca prazer, e também eliminar tudo o que lhe traz descontentamento, como afirma Freud: “Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer.”(FREUD, [1930] 1996, p.49). Para isso, a arte surge como uma forma de substituição que busca fornecer ao indivíduo o prazer que ele tanto procura: “As satisfações substitutivas, tal como as oferecidas pela arte, são ilusões, em contraste com a realidade; nem por isso, contudo, se revelam menos eficazes psiquicamente, graças ao papel que a fantasia assumiu na vida mental” (FREUD, [1930] 1996, p.49).

Os personagens Clarisse e Raul buscam, a certa altura de suas vidas, dar corpo aos seus processos criativos – ele, através da pintura; ela, da escrita. Ao reorientar suas pulsões para algo que, de certa forma, evite a frustração, eles acabam por sublimar seus instintos. A criação surge, para o casal, como uma forma de extravasar seus impulsos. Artistas, cada um

ao seu modo, usam a criatividade como uma via fértil para escapar ao desamparo que tanto lhes sufocou:

Clarisse é criativa como eu; ela escreve, eu pinto. Sinto que nos completamos, que existimos no mesmo compasso. A minha mãe sempre disse que os criativos têm o poder de antever a realidade, e que esse poder tem de ser usado com muita delicadeza. Aquilo que criamos torna-se realidade, dizia ela. O problema é que eu sinto ter perdido esse poder. Refugiei-me na arquitetura, um processo criativo condicionado, dependente de outros, muito obediente a regras. Clarisse dizia que se fartou do jornalismo exatamente por isso: o peso da dependência da realidade e dos recortes específicos da realidade determinados pelos chefes ou pelas necessidades financeiras, que agora servem para justificar tudo. Meti na cabeça que não conseguiria voltar a pintar. Clarisse me ajudou a resgatar esse poder. Nunca desenhei e pintei tanto, e com uma tão grande simplicidade de processos e materiais. (…) Sigo agora a sugestão de Clarisse, e tenho obtido um relativo sucesso: os meus quadros vão-se vendendo nas galerias de Lagar. Os turistas têm gostado dos meus desenhos, esboços e pinturas que retratam a inocência imponente dessa terra (PEDROSA, 2016, p. 214).

Clarice e Raul encontram na arte um escape. Freud, em O mal-estar na civilização, analisa o papel da beleza na busca pela felicidade.

Daqui podemos passar à consideração do interessante caso em que a felicidade na vida é predominantemente buscada na fruição da beleza, onde quer que essa se apresente a nossos sentidos e a nosso julgamento – a beleza das formas e a dos gestos humanos, a dos objetos naturais e das paisagens e das criações artísticas e mesmo científicas. A atitude estética em relação ao objetivo da vida oferece muito pouca proteção contra a ameaça do sofrimento, embora possa compensá-lo bastante. A fruição da beleza dispõe de uma qualidade peculiar de sentimento, tenuamente intoxicante. A beleza não conta com um emprego evidente; tampouco existe claramente qualquer necessidade sua. Apesar disso, a civilização não pode dispensá-la (FREUD, [1930] 1996, p. 54).

A beleza (dos gestos, da natureza, da criação), segundo Freud, é substancial para a civilização, na medida que a felicidade pode ser buscada na apreciação, na criação artística… Segundo ele, mesmo não sendo completamente eficaz contra o sofrimento, a beleza é um atenuante.

Também, de acordo com Freud, em Os caminhos da formação dos sintomas, escrito em 1917, a sublimação artística pode ser uma forma de compensação narcísica e um meio dele realizar seus desejos através do reconhecimento de sua obra pelo outro.

Raul, através da pintura de suas telas, encontra uma compensação para seus tormentos. Por meio da beleza de seus quadros, conquista o público nas galerias de Lagar, muitos, turistas, que procuram levar consigo vestígios da beleza da terra. É apreciado, valorizado, pela primeira vez em sua trajetória profissional, já que com a carreira de arquiteto não obteve reconhecimento. Por meio da arte, realiza-se.

Clarisse, da mesma forma, ao construir sua carreira de jornalista, busca tocar as pessoas e conscientizá-las sobre os problemas do mundo. Tem, no público, a sua compensação. Através da escrita encontra alteridade, a possibilidade da mudança, um espaço para transformações sociais. Também, individualmente, volta-se para si, mistura-se à obra, às palavras, perde-se nelas.

No romance, a personagem Clarisse é a grande imagem da mudança – uma mulher marcada pelo desamparo, longe do filho, com episódios de depressão e com uma ruptura na carreira, que consegue atravessar a ponte do sofrimento para a realização. Surge na narrativa somente após a morte de Jacinta, e, ao contrário dela, redireciona suas pulsões, transforma a sensação de incompletude e finitude, marcas da feminilidade, em algo positivo. Ela cria, ela se dedica ao outro em sua luta pelos direitos humanos e de justiça social e, por isso, consegue ultrapassar a condição de desamparo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa teve como objetivo analisar o romance português contemporâneo Desamparo, de Inês Pedrosa, escrito em 2015, e publicado no Brasil no ano seguinte, pela editora Leya. Escolhi a obra por ela se tratar de uma narrativa plural, construída a partir de quatro vozes (que se alternam ao longo dos capítulos), mas principalmente pela temática, que, além de traçar um panorama da sociedade portuguesa entre os séculos XX e XXI, versa sobre temas como a solidão, a angústia, a dominação masculina, a culpa, a velhice, o abandono familiar e, conforme o título já revela, sobre o desamparo.

Buscamos analisar o romance a partir dos conceitos de feminilidade e desamparo definidos por Freud, e principalmente, lidos pelo psicanalista Joel Birman, na tentativa de compreender como e porque esse sentimento se apresenta nas diferentes vozes que compõem a narrativa. Para isso, nos debruçamos principalmente sobre as seguintes obras: Gramáticas do Erotismo e Cartografias do Feminino, de Joel Birman; Estudos sobre a histeria (1893- 1895), Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), A dissolução do Complexo de Édipo (1924), Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos (1925), O mal-estar na civilização (1930), Sexualidade feminina (1931), Feminilidade (1932) e Análise terminável e interminável (1937).

Nos interrogamos: como os personagens se comportam diante da feminilidade intrínseca ao ser humano, que carrega consigo uma sensação de incompletude e imperfeição? Procuramos, desta forma, através da análise do romance, encontrar uma resposta para a angústia latente que insiste em dominar o sujeito.

Para isso, no primeiro capítulo, teórico, respondemos o que é desamparo e feminilidade, através da perspectiva de Freud, com o suporte teórico de Joel Birman. Ao fazermos uma análise da teoria do sexo único à diferença sexual, passando pela histeria na psicanálise, pela sexualidade infantil (complexo de Édipo e angústia da castração), até chegarmos à sexualidade feminina, procuramos estabelecer uma relação entre os dois conceitos.

Entendemos que através da recusa do sujeito de sua feminilidade, ele é levado à angústia, à pulsão de morte e, consequentemente, ao desamparo. Já, ao acolher sua condição de imperfeição, finitude e incompletude (afastamento do divino), ele aceita a passividade da

condição humana da feminilidade, e assim, é levado a novos caminhos de sublimação e criação.

No segundo capítulo, buscamos entender a relação entre desamparo e alteridade, compreendendo a experiência do desamparo como angústia originária (hilflösigkeit), já que, segundo Freud, o ser humano já nasce com o fator biológico da dependência a um outro, a quem endereça seu pedido de ajuda.

Também refletimos, através de O mal-estar na civilização, sobre a busca do sujeito pela felicidade. De acordo com Freud, desde o início, o princípio do prazer rege o aparelho psíquico do indivíduo. Ele procura na religião, e principalmente, no amor e no outro, o seu conforto. Ao procurar eliminar de sua vida tudo o que gera desprazer e desconforto, ele desenvolve inúmeros distúrbios patológicos.

Vimos também, que na esfera social, a civilização busca inibir a agressividade e os instintos humanos, tolhendo-os. Eles são internalizados e introjetados, de forma a desarmar o sujeito. Surge, então, um sentimento de culpa e punição. Ele entra em um estado de impotência e fica suscetível às influências externas, como a aceitação e o amparo do outro. O desamparo mostra a incapacidade de reação do sujeito, que fica paralisado.

Nesse sentido, através do romance selecionado, analisamos os principais personagens, nos debruçando principalmente sobre os percursos das mulheres: Jacinta, Clarisse e Vanessa. Vimos que o desamparo é o sentimento que rege a vida das três que, angustiadas, buscam no outro um sentido para as suas vidas.

Com Freud, vimos que a base do sentimento do desamparo está na alteridade. Como a busca pelo prazer é dominante na vida do sujeito, ele busca, no amor e no apoio do outro, sua fonte de felicidade. Quando não é correspondido, surge uma angústia e uma sensação de abandono que desencadeiam pulsões de morte e o levam à autodestruição. Por outro lado, quando o indivíduo encontra no outro o amparo, ele é levado ao prazer e ao conforto.

As mulheres da narrativa procuram em seus companheiros, ou filhos, a satisfação em amar e ser amado, inclusive aceitam passar por situações em que se tornam vítimas da dominação masculina, como Jacinta e Vanessa, para encontrarem um alento para a sensação de abandono e solidão.

Vimos que Inês Pedrosa, através de seus personagens, procura mostrar ao leitor dois caminhos possíveis para enfrentar o desamparo: o da entrega e o da resistência. Enquanto

Jacinta se entrega às dores do abandono, Clarisse o ultrapassa, criando outras possibilidades para a sua vida.

No terceiro e último capítulo, “Desamparo – uma resposta”, concluímos que o outro e a criação podem ser formas de escapar ao sentimento de angústia típico da feminilidade.

Como o outro se faz presente na vida do indivíduo desde seu estágio mais precoce até a vida adulta, ele procura na alteridade a satisfação para os seus anseios. O desamparo revela- se quando o sujeito sente-se sem ajuda e não encontra um alguém para endereçar suas expectativas. Entretanto, ao ser correspondido, como o foram Clarisse e Raul, o sujeito é capaz de vencer a sensação de abandono e sublimar através de ações sociais positivas e do processo de criação. Concluímos, assim, que o outro é capaz de atenuar o sofrimento do ser humano.

A sublimação requer essa relação de alteridade. Nela, haverá sempre um outro a quem o sujeito endereçará sua criação, e com quem ela será compartilhada, mesmo que de forma anônima. Assim, ela exige do indivíduo um reconhecimento e uma aceitação de sua feminilidade e do seu desamparo e, ao mesmo tempo, uma abertura ao outro.

O segundo caminho que encontramos para aplacar a dor do sujeito frente ao desamparo é a criação. Vimos que a feminilidade é uma potência capaz de oferecer a ele múltiplas possibilidades. Articulando os conceitos de desamparo, feminilidade e criação, a partir das reflexões de Birman, entendemos que através da sublimação e da experiência da criação (o que requer uma relação de alteridade), o indivíduo pode construir, para ele, novos caminhos, dando novos destinos às pulsões de vida e de morte.

Clarisse e Raul criam, e através de sua arte, encontram um consolo para suas frustrações com o mundo. Ela, através da escrita e ele, da pintura, buscam na alteridade e no processo criativo formas de escapar ao desamparo e conseguem ultrapassá-lo. Acolhem suas imperfeições e fragilidades, intrínsecas à sua feminilidade, redirecionando suas pulsões para algo positivo. Inês Pedrosa mostra que, no amor do outro e na arte, eles encontram alento, conseguem sublimar e, de certa forma, vencem a condição de desamparo.

BIBLIOGRAFIA

ANDRÉ, Jaques. Entre angústia e desamparo. Revista Ágora, v. IV – n°2 – jul/dez 2001 (pág. 95-109)

ARÁN, Márcia. A singularização adiada: o feminino na civilização moderna. In Feminilidades. Org. Joel Birman. Rio de Janeiro: Contra Capa livraria, 2002.

BIRMAN, Joel. Cartografias do feminino. São Paulo: Editora 34, 1999.

_____Gramáticas do erotismo: A feminilidade e as suas formas de subjetivação em psicanálise. 2°ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

_____O sujeito na contemporaneidade: espaço, dor e desalento na atualidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

_____Feminilidades. Org. Joel Birman. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2002.

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