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Mapa 18: ZEIS inseridas em áreas de risco em Campina Grande

1.2 O IDEÁRIO DA REFORMA URBANA NO BRASIL: OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A

1.2.2 A criação do Ministério das Cidades

Além do Estatuto da Cidade, que forneceu uma base jurídica para a política urbana do Brasil, e da Medida Provisória 2.220/2001, que dispôs sobre a condição especial de uso para fins de moradia, outro acontecimento que também marcou a política urbana após a CF de 1988 foi a criação do Ministério das Cidades, no início do primeiro ano de governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003.

A criação do Ministério das Cidades (MCidades) teve o papel de preencher um grande vazio institucional que retraía o governo federal de iniciativas relacionadas a política urbana e

o destino das cidades brasileiras durante muito tempo. Em âmbito federal, a última proposta de política urbana que colocava o Estado como provedor de políticas setoriais de habitação, saneamento e transportes se deu no governo militar (1964-1985). Com a falência do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Sistema Financeiro de Saneamento (SFS), dada pela crise fiscal que atingiu o Brasil em 1980, as políticas criadas e colocadas em prática pelo Regime Militar entraram em decadência. Após 1985, a política urbana submeteu-se a intervenções dispersas, em que não faltaram formulações e tentativas em âmbito federal, mas todas elas tiveram um curto período de validade (MARICATO, 2006).

O MCidades foi resultado de uma ampla discussão desenvolvida no âmbito do Projeto Moradia (1999-2000), formulada pelo Instituto Cidadania11 como proposta para buscar um equacionamento da questão urbana e habitacional do Brasil. Esse Projeto ouviu diferentes segmentos da sociedade civil relacionados à questão da moradia (universidades, centrais sindicais, ONGs etc.), condensando um grande conjunto de propostas e elaborando uma estratégia para, num prazo médio de quinze anos, resolver o principal problema que norteava a construção do projeto: “um país com os recursos de que dispõe o Brasil não pode admitir que milhões de famílias morem em condições precárias de habitação e infraestrutura, como em favelas e cortiços” (BONDUKI, 2008, p. 71).

Seguindo as propostas contidas no programa de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), o desenho do MCidades previu a criação de quatro secretarias nacionais, sendo três delas ligadas aos problemas sociais que afetavam as populações moradoras nas cidades: a moradia, o saneamento ambiental (esgoto, água, destinação dos resíduos sólidos, drenagem e coleta), mobilidade e trânsito. Além dessas, foi criada uma quarta secretaria para se ocupar de “Programas Especiais”, posteriormente denominada de Secretaria de Programas Urbanos. A regularização fundiária, a reabilitação das tradicionais áreas centrais, a prevenção de risco de desmoronamento e combate aos vazios urbanos são exemplos de programas especiais pautados na aplicação do Estatuto da Cidade (MARICATO, 2011).

11 O Instituto Cidadania, hoje nomeado de Instituto Lula, trata-se de uma instituição não governamental dirigida pelo ex-presidente Lula e que, com o apoio de diferentes especialistas de diversas áreas, elaborou uma série de propostas no período em que se preparava um plano de governo (BONDUKI, 2008).

Como proposta para a criação de um Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano12 (PNDU), o MCidades buscou uma mudança fundamental para a construção de cidades mais justas e democráticas. Nesse sentido, destacam-se as cinco Conferências Nacionais das Cidades precedidas em encontros municipais e estaduais com participação de diferentes profissionais e segmentos da sociedade, realizadas nos anos 2003, 2005, 2007, 2010 e 2013. A partir de então, os municípios organizaram suas conferências tomando como referência as orientações atribuídas em nível nacional, de modo que as informações levantadas fossem sintetizadas e levadas à conferência estadual e, a partir desta, em nível nacional (SANTO AMORE, 2013). Do nível local ao nacional, as representações eram definidas por delegações eleitas que deveriam representar o Conselho Nacional das Cidades (CONCIDADES). O referido Conselho, criado na primeira Conferência Nacional, foi responsável por aprovar as propostas relacionados a habitação, saneamento ambiental, mobilidade e transporte; além da criação do Programa Nacional de Regularização Fundiária, do Plano Diretor Participativo, entre outros assuntos.

As citadas conferências proporcionaram o começo da construção de autêntica política nacional para as cidades brasileiras, isto é, uma política não restringida à ação do governo federal, mas capaz de envolver diferentes segmentos e instâncias públicas e privadas, envolvidas com a questão urbana.

O primeiro ministro a ocupar o MCidades foi o ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, que, na época, vinha de uma reconhecida experiência de governar Porto Alegre, onde foram desenvolvidas diversas iniciativas inovadoras de políticas municipais, envolvendo a gestão democrática participativa. Com isso, houve mudanças significativas nos mecanismos para a produção habitacional voltada à população de menor renda, uma vez que foram colocados em prática instrumentos de participação popular nos processos decisórios.

Conquanto o ministério condensasse um conjunto de propostas progressistas para a gestão das cidades brasileiras, Maricato (2011, p. 35-36) enfatiza que:

Não se esperava nenhuma grande e muito menos rápida mudança, já que havia algum conhecimento e experiência com gestão urbana municipal e metropolitana. Para os que tinham formação teórica sobre a produção capitalista do espaço urbano isso era mais evidente. Mas era esperada, sim, a abertura de um canal para o qual convergisse a articulação de todos os que lidavam com os dramáticos e crescentes problemas urbanos, permitindo dessa forma ampliar e fortalecer o debate sobre como encaminhá-

12 A literatura que discorre sobre o conceito de desenvolvimento é bastante ampla. Para Souza (2005, p. 100), o desenvolvimento urbano “não é, meramente, um aumento da área urbana, e nem mesmo, simplesmente, uma sofisticação ou modernização do espaço urbano, mas, antes e acima de tudo, um desenvolvimento socioespacial na e da cidade [...]”. Portanto, considera-se que o desenvolvimento urbano envolve transformações sociais e espaciais, o que inclui a implementação da função social da cidade e da propriedade, o direito à cidade e à justiça urbana (MARICATO, 2011).

los e influir na correlação de forças de modo a encaminhar novas soluções. Parecia claro que esse encaminhamento levaria à construção social, e não apenas governamental, da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.

Apesar do avanço que representou a criação do MCidades, é importante destacar que uma das suas principais fragilidades diante do enfrentamento dos problemas a que se propôs foi a sua fraqueza institucional, principalmente no tocante à produção habitacional, uma vez que a Caixa Econômica Federal, principal agente financeiro dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), é subordinada do Ministério da Fazenda (BONDUKI, 2008). Teoricamente, a gestão da política habitacional no Brasil é responsabilidade do MCidades, mas, na prática, a aprovação dos pedidos de financiamento e acompanhamento dos empreendimentos produzidos acabam sendo de responsabilidade da Caixa.

Outro aspecto que também influenciou negativamente nas ações previstas pelo ministério foi a substituição de Olívio Dutra, em 2005, por outro ministro sem histórico com a luta pela reforma urbana brasileira e com o programa de governo criado no contexto do Projeto Moradia. Isso rebateu diretamente na deixada do governo de diferentes técnicos comprometidos com a agenda da reforma urbana, o que retraiu o avanço institucional com uma concepção mais progressista.

Nesse contexto de mudanças, alguns aspectos ligados às políticas sociais tiveram um inegável avanço, enquanto outros ligados às “políticas de atraso” permaneceram intocáveis. Para Maricato (2011), o MCidades foi um dos mais prejudicados em nome da busca de ampliação de apoio no Congresso Nacional, devido à não permanência das forças progressistas que embasavam todo o projeto, em que pese a manutenção de parte da equipe inicial que permaneceu no ministério.

Alguns programas criados em nível nacional exerceram influência direta para a ampliação de acesso ao crédito, especialmente o habitacional para a população de menor poder aquisitivo, que, sem dúvidas, compreende a gigantesca maioria atingida pelo chamado déficit habitacional13. Um dos mecanismos utilizados para a ampliação do crédito e redução do déficit habitacional foi a criação de programas como o Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e o

13 O déficit habitacional envolve uma série de fatores que não se limitam apenas à necessidade de produção de novas unidades habitacionais. Mesmo com o déficit habitacional, as populações acabam morando em algum lugar, sejam em domicílios rústicos; de madeira; famílias morando no mesmo teto; situação de ônus excessivo de pagamento de aluguel (quando ultrapassa 30% da renda); ou o adensamento excessivo. Paralelamente ao exacerbado déficit habitacional, existe uma expressiva quantidade de casas e apartamentos vazios, não utilizados, que na nossa legislação estão escritos como não cumprindo sua função social (FJP, 2010). Nessa perspectiva surge a necessidade de ter, ao mesmo tempo em que se cria um programa habitacional, mecanismos que sejam capazes de controlar o preço da terra urbana, e esse controle deve ser feito através da aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade (FERNANDES, 2013).

Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), na busca do chamado desenvolvimento urbano, com maciços investimentos e execução de obras de infraestrutura urbana e social, em particular em seu viés das áreas de saneamento e habitação, como parte dos mecanismos para o enfrentamento da questão urbana brasileira.

Conforme Santo Amore, (2013, p. 65), ambos os programas:

São [foram] curiosamente elaborados e implementados por fora do Ministério das Cidades, fortalecendo a figura da então ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, que, ao ser chamada “mãe do PAC” pelo presidente Lula, iniciou a construção de uma imagem que culminou com sua eleição como presidenta em 2010.

Ainda que não se possa afirmar que houve mudanças estruturantes nos padrões da urbanização brasileira, a implementação dos referidos programas foi fundamental para a economia do país, na medida em que oportunizou a geração de emprego e renda com a produção habitacional em grande escala. No entanto, paralelamente a esse processo, ocorreram os baixos padrões construtivos dos empreendimentos produzidos, o espraiamento das cidades, os impactos da valorização dos empreendimentos, os quais são temas recorrentes na ampla produção acadêmica atual, a exemplo do trabalho organizado por Cardoso (2013), que retrata o PMCMV e seus efeitos territoriais. Diante disso, o MCidades, apesar dos esforços, assiste à produção impulsionada pelo mercado, que tem suas ações amparadas pelos interesses municipais na localização dos empreendimentos imobiliários.

Por enxergarmos esses dois programas como associados aos objetivos das ZEIS no Brasil, singularmente nos aspectos da provisão de habitação de interesse social e da urbanização dos assentamentos precários, cabe um esforço descritivo sobre os referidos programas.

1.2.3 O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa Minha Vida