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O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa Minha Vida (MCMV)

Mapa 18: ZEIS inseridas em áreas de risco em Campina Grande

1.2 O IDEÁRIO DA REFORMA URBANA NO BRASIL: OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A

1.2.3 O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa Minha Vida (MCMV)

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado em janeiro de 2007, é um programa do governo federal que teve para sua primeira fase, PAC 1 (2007-2010), uma previsão de investimento de R$ 657 bilhões para as áreas de logística, energia e infraestrutura social e urbana, compreendendo habitação, saneamento, transporte e recursos hídricos. Do total previsto para o período, foi cumprido o investimento de 503,9 bilhões, contando com a participação do setor produtivo privado (empresas, fundos de pensão, empreiteiras, fundos de investimentos do mercado financeiro) e o setor público (RODRIGUES; SALVADOR, 2011; JARDIM; SILVA, 2015), conforme pode ser observado do Quadro 1.

Quadro 1: Destino dos investimentos realizados pelo PAC 1 (2007-2010).

EIXO DESTINO TOTAL EM R$

BILHÕES

Energia

- geração de energia elétrica; transmissão de energia elétrica; petróleo e gás natural; combustíveis

renováveis. 274,8

Logística - rodovias; ferrovias; portos; aeroportos; hidrovias. 58,3

Infraestrutura Social e Urbana

- saneamento básico; Projeto Luz Para Todos; projetos

de habitação; metrôs; recursos hídricos. 170,8

TOTAL 503,9

Fonte: BRASIL, 2010.

O PAC teve como princípio norteador um conjunto de ações na busca por acelerar o crescimento econômico do país, ampliando a oferta de empregos e melhorando, ao mesmo tempo, as condições de vida da população brasileira. As ações atribuídas ao programa consistem em medidas destinadas a incentivar o investimento do setor privado e o aumento do investimento público em infraestrutura, amenizando empecilhos (administrativos, normativos, burocráticos, jurídicos e legislativos) ao crescimento.

Dos recursos destinados aos projetos de saneamento e habitação do PAC 1, previu-se que 11,6 bilhões seriam dirigidos à urbanização de assentamentos precários e 44,3 bilhões para novas moradias. Na área da habitação, as fontes de investimento tiveram diversas origens, contando com R$ 10,1 bilhões do Orçamento Geral da União (OGU), R$ 42,3 bilhões em empréstimos a pessoa física, através de cartas de crédito (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo [SBPE] ou caderneta de poupança), R$ 17,7 bilhões em contrapartida dos Estados e Municípios e os demais no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), além de uma reduzida participação de outros fundos.

A urbanização de assentamentos precários, ou, de modo mais geral, a recuperação de áreas urbanas degradadas, conduzida dentro dessa perspectiva do PAC, teve o papel de assegurar uma condição urbana saudável para a população de menor renda, consolidando sua localização e também as relações já estabelecidas com o entorno. Conforme Brasil (2015), a urbanização dos assentamentos está pautada em dois tipos de intervenções: a) a integrada: visando a incorporação dos assentamentos à cidade formal, atendendo a questões de ordem urbana, fundiária, social, habitacional e ambiental; e b) a integral: estabelecendo a demarcação

dos assentamentos com poligonais para execução de serviços e obras necessárias para a melhoria das condições de habitabilidade (BRASIL, 2015). O impacto causado por esse tipo de intervenção pode ser observado não apenas no local imediato da realização do projeto, mas também na área do entorno, devido a melhorias de saneamento e do sistema viário que o integra à cidade. Para Maricato (2011, p, 75), “o PAC não ignora a cidade existente, mas propõe justamente incorporar esse passivo urbano elevando seu padrão de urbanidade”.

Passados quatro anos da criação do PAC, o mesmo entrou na sua segunda fase, sendo denominado no governo de Dilma Roussef (2011-2014) de PAC 2. Além de incorporar as ações anteriores, que envolvem entre outros aspectos, a infraestrutura social e urbana para o enfrentamento dos problemas assoladores das cidades brasileiras, a nova fase do programa teve o papel de gerenciar os investimentos na área esportiva, englobando a introdução de infraestrutura para a Copa do Mundo (2014) e para as Olimpíadas do Rio (2016). Atualmente, o PAC está em sua terceira fase, cumprindo, segundo o 7º balanço do programa, até 30 de junho de 2018, o equivalente a “95,4% do total previsto para o período 2015-2018, saindo de R$ 547,5 bilhões, realizados até dezembro de 2017, para R$ 603 bilhões no volume de recursos investidos” (BRASIL, 2018, p. 8).

Segundo os relatórios e balanços nacionais e regionais do PAC, tais investimentos serviram como medida contracíclica à crise econômica, principalmente na primeira fase do programa, que retrata o ápice da crise de 2008, contando com a geração de emprego e renda, com a inclusão social pelas finanças e com a introdução de infraestrutura e serviços através das alianças entre entidades públicas e privadas.

No tocante ao equacionamento das necessidades habitacionais, além da participação do PAC na urbanização dos assentamentos precários, o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), estabelecido pela Lei nº 11.977, de julho de 2009, teve papel fundamental na criação de mecanismos para a produção de unidades habitacionais para a população de baixo poder aquisitivo, compreendendo a faixa de renda familiar entre 0 e 10 salários mínimos (SM).

Trata-se de uma lei criada pela Casa Civil, com grande rebatimento no tocante à produção do espaço urbano das cidades brasileiras, por englobar dois aspectos principais: o primeiro deles versa sobre um quantitativo significativo de subsídios, sendo mais de R$ 16 bilhões direcionados até 2010 à população de até 3 SM, provenientes do Orçamento Geral da União (OGU); o segundo, atribuiu importantes avanços em relação a regularização fundiária, unificando mecanismos jurídicos, assuntos até então quase intocáveis no país; embora o capítulo III da referida lei, que trata exclusivamente da regularização fundiária, tenha sido

revogado pela Lei nº 13.465, de 2017, sendo submetido a novas regras no governo Michel Temer.

Com os incentivos governamentais para aquisição da casa própria, a indústria da construção civil foi fortemente estimulada nos padrões somente vistos nos tempos áureos do Banco Nacional de Habitação (BNH), criado no período do regime militar e extinto em 1986. Com o fim do BNH, a produção da moradia decresceu severamente, marcando inciativas diversas pelos municípios, estados e União através programas alternativos, como urbanização de assentamentos precários e favelas, cartas de crédito para aquisição de imóveis usados e apoio ao financiamento de material construtivo.

Desde de 2003, com o conjunto de propostas elaboradas no contexto do Projeto Moradia, o governo federal operou para ampliar os valores de financiamento habitacional pelo sistema FGTS-SBPE. Naquele ano, o valor total contratado era de aproximadamente R$ 5 milhões. Em 2008, esse valor ultrapassou os 40 bilhões de reais (ROLNIK, 2015). Essa produção teve, como já citado anteriormente, o papel de reverter a faixa de atendimento que se dava em anos passados, em sua maior parte, para as faixas de maior renda – sobretudo no período do BNH e governo FHC; sendo atribuído ao PMCMV a gerência e impulsionamento dessa produção a partir de 2009, garantindo a expressividade no atendido à faixa de até 3 SM, como pode ser observado no Gráfico 1.

Gráfico 1: Evolução dos Investimentos em Habitação: 2002 a 2010.

* PMCMV = Total de contratações PF e PJ Fonte: Extraído de Maricato, 2011.

Como observado no Gráfico 1, em 2002, a produção de unidades habitacionais privilegiou o atendimento das faixas de renda superiores a 6 salários mínimos, situação essa que foi sendo revertida gradativamente com o passar dos anos. A partir de 2004, o número de unidades destinadas à faixa de até 3 SM assumiu o maior atendimento, atingindo a marca de 521.981 unidades habitacionais, seguido por números também expressivos nos anos posteriores.

No entanto, autores como Maricato (2011) e Rolnik (2015) retratam que, apesar do aumento da produção de unidades habitacionais para a população de menor renda, o PMCMV não teve a capacidade de garantir a construção de moradias bem localizas no meio urbano, devido aos interesses de uma série de agentes que estão envolvidos em sua formulação e produção. Como expressa Maricato (2011, p. 76):

A maior parte da localização das novas moradias – grandes conjuntos sendo alguns, verdadeiras cidades – será definida nos municípios e metrópoles, por agentes do mercado imobiliário sem obedecer a uma orientação pública, mas à lógica do mercado. Não podemos afirmar que prefeituras e governos estaduais, certamente não oferecerão, em conjunto, um cenário de maior racionalidade. Interesses privados desarticulados podem definir a localização da maior parte do 1 milhão de moradias do PMCMV, já que dificilmente as prefeituras e câmaras municipais, além da própria Caixa Econômica Federal, o grande agente unificador da aprovação dos projetos, deixarão de atender apelos para a provação de uma construção de porte. Pelo menos essa não é a tradição do Brasil.

Essa condição é observada com mais intensidade nas ditas pequenas e médias cidades, onde os interesses locais exercem uma maior influência sobre o controle do solo urbano, havendo uma associação sem obstáculos entre o poder político, o poder econômico e a propriedade fundiária. A produção das unidades habitacionais mal localizadas tem um impacto direto nos custos de infraestrutura – com a extensão das redes e equipamentos urbanos para áreas distantes e não urbanizadas, impondo altos preços ao conjunto da sociedade – e no expressivo número de vazios especulativos em áreas que deveriam ser aproveitadas e incididas diretamente pelos instrumentos do Estatuto da Cidade.

A abordagem das ZEIS voltada à produção habitacional, por exemplo, versa sobre o aproveitamento desses espaços em áreas consolidadas da cidade, promovendo uma “reserva” do estoque de terras ociosas com o intuito de protegê-las da livre atuação do mercado, que, por tendência, privilegia as classes de altas rendas como público alvo. Nessa condição, as ZEIS, abrangendo a destinação dos vazios urbanos e imóveis não utilizados para fins de habitação de

interesse social, têm a capacidade de potencializar os efeitos do PMCMV, considerando as necessidades locais e a oferta de recursos do programa, conforme orienta Brasil (2009).

Até se consolidar como instrumento urbanístico e proporcionar a articulação das políticas urbana e habitacional no Brasil, as ZEIS passaram por um longo percurso até serem reconhecidas e implementadas no Estatuto da Cidade, que remete à luta dos movimentos sociais urbanos na década de 1980 e às experiências democráticas municipais, que se tornaram bem- sucedidas naquele período. A partir do EC e, consequentemente, da aprovação dos PDMs, as ZEIS ganharam uma base mais sólida para sua implementação, tanto no que se refere ao reconhecimento dos assentamentos urbanos precários, quanto para a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) em áreas vazias. Contudo, enquanto as ZEIS de áreas já ocupadas são colocadas em prática, as ZEIS de áreas vazias, em boa parte dos casos, são submetidas a uma infinidade de entraves, aguardando aprovação e regulamentação pelo poder público municipal, bem como um maior investimento para a gestão do instrumento, como se verá com mais detalhes no decorrer do próximo capítulo.

2 DA EXPERIÊNCIA À DIFUSÃO: TRAJETÓRIA E ESTABELECIMENTO DAS ZEIS COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA URBANA BRASILEIRA

Desde que as ZEIS se estabeleceram como instrumento da política urbana brasileira, diversos trabalhos científicos se dedicaram a analisar a aplicabilidade do instrumento em suas diversas vertentes, mas de maneira geral, apontando seus limites e potencialidades. Boa parte desses trabalhos apresentam em suas discussões, caminhos que apontam para o surgimento das ZEIS no Brasil, que remetem, basicamente, aos primórdios dos anos 1980. Recife e Belo Horizonte, nesse período, foram as primeiras cidades a utilizar mecanismos para a regularização urbanística e de posse da terra para os moradores de assentamentos precários, passando a utilizar índices urbanísticos mais flexíveis em relação aos demais espaços da cidade. Em 1983, a prefeitura de Belo Horizonte criou o Programa Municipal de Regularização de Favelas (PROFAVELA); nesse mesmo ano a prefeitura do Recife instituiu as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que passou a contar com o Plano de Regulamentação das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS) a partir de 1987. Posteriormente, em 1994, realizou- se em Diadema a primeira experiência na aplicação das ZEIS de vazios, as quais se voltaram exclusivamente para a produção de Habitação de Interesse Social.

Após a criação do Estatuto da Cidade em 2001 e, consequentemente, do Ministério das Cidades em 2003 – como apresentado no capítulo anterior –, houve uma crescente utilização do instrumento nas legislações urbanísticas municipais, quando as ZEIS foram disseminadas pelos Planos Diretores. Não se trata, nesse caso, de repetir algo já bastante esclarecido, mas de apresentar aspectos sobre a conjuntura política e social no processo de construção do instrumento, que ultrapassa sua inserção no marco urbanístico regulatório vigente. Como referência prática para a aplicação das ZEIS, analisaremos neste capítulo o processo de sua instituição na legislação urbanística de Campina Grande bem como seus desdobramentos acerca dos mecanismos da gestão democrática participativa.

2.1 PLANEJAMENTO E GESTÃO URBANA: DO ZONEAMENTO REGULATÓRIO