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Mapa 18: ZEIS inseridas em áreas de risco em Campina Grande

3 DA LEI À REALIDADE: UMA AVALIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA DE APLICAÇÃO DAS

3.2 AS ZEIS EM CAMPINA GRANDE: INTERFACES ENTRE A POLÍTICA URBANA E

3.2.2 Os equipamentos públicos

A existência de equipamentos públicos é um aspecto crucial para a qualificação urbanística da cidade e para a qualidade de vida urbana. Alguns fatores, como a distribuição espacial, funcionamento e condições de acesso, podem viabilizar ou restringir o atendimento da população, o que dependerá, necessariamente, do planejamento para a alocação desses equipamentos.

A Lei Federal nº 6.766/79 discorre sobre a reserva de faixas non eadificandi com porcentagem que não deve ser inferior a 35% da gleba para a implementação de equipamentos públicos quando elaborados projetos de loteamentos. Os equipamentos mencionados são aqueles ligados à educação, cultura, lazer, transportes e similares. Todavia, há de se considerar a ausência de normas concretas e instruções técnicas para a implementação dos equipamentos que deveriam estar contidos nos planos diretores municipais, como define o Art. 4 da Lei 9.785/99. O PDCG (2006), por exemplo, indica apenas a necessidade de garantia da acessibilidade aos equipamentos e aos serviços públicos com equidade e de forma integrada, ou seja, com quantidade compatível ao necessário para o atendimento da demanda populacional, sem, contudo, apresentar critérios que definam essa quantidade e sua respectiva localização.

Na ausência de critérios claros nas legislações urbanísticas, alguns autores como Moretti (1997), Pitts (2004) e Castello (2008), definem alguns parâmetros para a localização dos equipamentos púbicos de forma que estejam acessíveis ao uso da população. Monetti (1997) argumenta que cada município tem autonomia de propor suas próprias normas urbanísticas, desde que obedecidas as regras fixadas nas leis federais e estaduais. Dessa forma, a localização dos equipamentos públicos deve estar associada à realidade da cidade, contemplando distâncias compatíveis ao acesso da população. Pitts (2004) também argumenta que a implementação dos equipamentos públicos deve respeitar normas de acessibilidade e levar em consideração o auxílio social em relação as unidades habitacionais. Já Castello (2008) defende que tais equipamentos apresentam serviços distintos e demandas diferentes, por isso se faz necessário entender a frequência de uso e a clientela a ser atendida por cada equipamento, para assim direcionar sua localização no espaço urbano.

Os autores citados utilizam parâmetros diferenciados para estabelecer raios de abrangência máxima para atendimento da população, tomando-os como medidas referenciais, conforme descritos no Quadro 9. Para este trabalho, consideramos como adequadas as menores medidas apresentadas no referido Quadro. Essa escolha se justifica porque entendemos que as

características topográficas de Campina Grande, apresentando condições irregulares por estar situada no Planalto da Borborema com altitudes superiores a 500 metros é um fator que pode dificultar o acesso da população aos equipamentos analisados.

Quadro 9: Parâmetros de localização para os equipamentos públicos.

VARIÁVEL INDICADORES

Parâmetros de localização para os equipamentos públicos

CASTELLO MORETTI PITTS

Equipamentos Públicos Acesso à educação Creches 400m* 500m 500m Escolas municipais Escolas estaduais 800m* 800m 1000m Acesso à saúde UBSFs 800m* -- --

Centros de Saúde (UPAs) -- 2000m* --

Hospitais -- -- 5000m

Acesso à

transporte Paradas de ônibus -- -- 300m*

* Os raios destacados em vermelho são considerados neste trabalho a distância ideal para a localização dos equipamentos públicos levando em consideração a realidade urbana de Campina Grande. Fonte: adaptado de Escobar et al. (2016).

Ressaltamos que as informações acerca dos equipamentos públicos de Campina Grande foram obtidas com base na pesquisa de campo, na pesquisa documental junto à SEPLAN e à Superintendência de Trânsito e Transportes Públicos de Campina Grande (STTP). Vale destacar também que as conversas com os agentes comunitários de saúde (ACSs), encontrados no decurso da pesquisa de campo, foram fundamentais para a obtenção de informações gerais sobre as áreas, principalmente, as relacionadas aos equipamentos de saúde.

Com base nos dados coletados, foram criados buffers21 de acordo com os raios ideais de localização para cada equipamento em relação as ZEIS. No que se refere aos equipamentos de acesso à saúde, foi considerado o raio de 800 metros para as Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSFs), e 2000 metros para as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Os hospitais públicos (municipais e estaduais) não foram considerados na análise por apresentarem raios de abrangência que atendem a cidade como um todo, bem como raios que extrapolam a escala intraurbana, como é o caso do Hospital de Emergência e Trauma Dom Luiz Fernandes, com escala de abrangência regional. Dessa forma, as UBSFs foram fundamentais para indicar o acesso das ZEIS a esses equipamentos, uma vez que estão próximas ou inseridas nas áreas analisadas e são consideradas a “porta de entrada” do serviço de saúde, conforme as atribuições definidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Por meio do Mapa 12, é possível constatar a boa disponibilidade de UBSFs com atendimento as ZEIS, que contam com 79 unidades espalhadas na malha urbana de Campina Grande. Essa distribuição não ocorre de forma regular, existindo alguns vazios não atendidos pelo serviço, essencialmente, nas áreas mais periféricas, como, por exemplo, nas proximidades da ZEIS Invasão da Ramadinha II e Jeremias, incluindo parte da Comunidade do Araxá, que abriga conjuntos habitacionais de baixa renda. Das ZEIS que não são atendidas por UBSFs (Vila de Santa Cruz, Invasão de Brotos e parte da Novo Horizonte), apenas a Invasão de Brotos não é atendida por outro serviço de saúde, neste caso, por Unidades de Pronto Atendimento. Já a Vila de Santa Cruz e parte da Novo Horizonte estão dentro do raio de abrangência das UPAs.

Mesmo considerando que a quase totalidade das ZEIS são atendidas por pelo menos um dos equipamentos de saúde, existe uma alta concentração de unidades em alguns bairros, algumas delas localizadas a poucos metros umas das outras. Em contrapartida a essa concentração, outros bairros são totalmente desprovidos desse atendimento, o que pressupõe a ausência de critérios para a implantação dos equipamentos, ocorrendo muitas vezes de forma desordenada e ineficiente à população. Essa condição pode ser constatada considerando bairros pouco populosos, a exemplo do Monte Santo, com 7.600 habitantes e 4 UBSFs; e bairros com uma população mais expressiva, como o Santa Rosa e Liberdade com população de 10.735 e 15.836 habitantes, respectivamente, contendo uma única unidade de saúde cada, forçando o deslocamento dos usuários para outras localidades, visto que se trata de um serviço essencial a todas faixas etárias e classes sociais.

21 No sistema de informações geográficas, “buffers” são os polígonos que contornam um objeto em uma determinada distância. É um dos recursos mais indicados para a criação de raios de influência, ou seja, a distância de um determinado ponto ou objeto em relação aquilo que se pretende analisar.

Fonte: elaborado pelo autor.

Analisando os equipamentos de acesso à educação, os quais foram definidos os raios de 400m para creches e escolas públicas municipais e 800m para escolas públicas estaduais, há diferentes cenários de atendimento que podem ser considerados em relação as ZEIS. O Mapa 13 mostra que apenas as ZEIS Jeremias, Pedregal, Pelourinho e Catingueira / Riacho de Bodocongó estão dentro dos raios de abrangência das 20 creches distribuídas na malha urbana da cidade, porém de forma parcial. Uma exceção a isso é a ZEIS do Pelourinho com atendimento da área em sua totalidade.

De acordo com a Secretaria de Educação e a Coordenação de Comunicação da Prefeitura de Campina Grande (CODECOM-CG), estão previstas a inauguração de 8 novas creches para o ano de 2019, que beneficiarão áreas carentes que reivindicam por este tipo de equipamento público. Entre as áreas escolhidas para a instalação de novas creches, encontra-se a ZEIS Catolé do Zé Ferreira, localizada na porção sudoeste da cidade.

Fonte: elaborado pelo autor.

Embora exista em Campina Grande um baixo número de ZEIS atendidas por esse tipo de equipamento público, o cenário tende a ser diferente quando consideradas as escolas municipais e estaduais. O Mapa 14 mostra que, considerando o acesso a pelo menos um dos equipamentos de educação, apenas a ZEIS Invasão de Brotos não é atendida por nenhum deles, e as ZEIS Catingueira/Riacho de Bodocongó, Catolé de Ferreira e Novo Horizonte se inserem parcialmente nos raios de abrangência.

Quanto às demais ZEIS que são atendidas por pelo menos um dos equipamentos apontados no Mapa 14, entendemos que a situação pode ser considerada como adequada, uma vez que se tratando exclusivamente do ensino infantil e fundamental, tanto as escolas públicas municipais quanto as estaduais são responsáveis pelo atendimento das demandas. Como orienta Arantes (1991), esses são considerados serviços de atendimento locais e exigem acessibilidade máxima. Em outras palavras, significa dizer que a população deve ter plenas condições de se deslocar a pé do local de moradia até as instituições de ensino, sem que haja a necessidade de atravessar barreiras físicas, nem muito esforço para acessar os equipamentos.

No entanto, quando se trata das escolas públicas de ensino médio, a responsabilidade fica a cargo exclusivo das escolas estaduais e “as distâncias percorridas da moradia até os equipamentos devem ser consideradas compatíveis com as idades esperadas no nível de ensino tratado” (ARANTES, 1991, p. 11). Nessa perspectiva, é possível perceber no Mapa 14 a existência de grandes vazios sem atendimento por escolas estaduais nas porções noroeste, sudoeste, sul e sudeste da cidade, havendo a necessidade de deslocamentos consideráveis para áreas centrais ou próximas que compreendam esse serviço.

Das análises realizadas entre os equipamentos públicos de saúde e de educação, a ZEIS Invasão de Brotos foi a única que apresentou ausência de todos os indicadores de acesso à educação, mesmo estando localizada no Itararé, bairro relativamente novo, mas que detém boas condições de acesso e de infraestrutura urbana, como constatado na seção anterior. Além disso, a ZEIS está localizada próxima a bairros de alto padrão da cidade, como o Catolé e Mirante, e vizinha ao Centro Universitário UNIFACISA, uma das maiores faculdades privadas de Campina Grande. Entretanto, o acesso da ZEIS supracitada aos equipamentos analisados depende, exclusivamente, da disponibilidade do transporte público.

Fonte: elaborado pelo autor.

Quanto ao acesso ao transporte púbico, que é um dos indicadores que permite analisar a integração urbana das ZEIS ao restante da cidade, foi considerado a distância ideal de 300 metros das áreas até as paradas de ônibus, conforme os parâmetros apresentados no Quadro 9. Brasil (2017), argumenta que o acesso ao transporte público deve funcionar como uma opção rápida, barata, confortável e fácil de acessar, seja para se deslocar para o trabalho, aos equipamentos públicos ou para o lazer. Com relação as populações mais vulneráveis, o transporte também representa o acesso a novas oportunidades de trabalho, a educação e a inserção social. Além da proximidade e da variedade de opções, a frequência, rotas, horários, tarifas e demais possibilidades de integração também são aspectos que podem ser considerados.

No Mapa 15, verificamos que existe boa disponibilidade de rotas e de paradas de ônibus com atendimento às ZEIS, seja com os pontos de paradas dentro dos perímetros das áreas, ou em suas proximidades, com atendimento dentro do raio de 300 metros. Vale ressaltar que não foram contemplados os dados sobre frequência e quantidade de linhas, os quais podem funcionar como elementos complicadores para as ZEIS localizadas nas áreas mais periféricas. Apesar disso, outros aspectos podem ser considerados como facilitadores para a integração urbana de Campina Grande e, consequentemente, para o acesso das ZEIS às áreas centrais, como, por exemplo, a influência geográfica exercida pela av. Floriano Peixoto – via estruturante que corta a cidade de Leste a Oeste –, que dá acesso ao centro da cidade; e o Terminal de Integração, que desde 2008 tem funcionado como ponto de confluência entre linhas de ônibus nos sentidos bairro-centro e centro-bairro, cujo acesso pode ser feito tanto pela avenida citada, quanto pelo anel viário que circunda o centro da cidade, como representado no Mapa 1522.

Desde 2015, as ações ligadas à gestão do transporte público de Campina Grande estão submetidas ao Plano de Mobilidade Urbana Municipal (PLANMOB) e à Lei complementar 004/2015, os quais integram-se a uma política do PDCG (2006), e aos requisitos para obtenção de recursos federais destinados à mobilidade urbana da cidade. Nesse Plano, podemos destacar

22 Visando o aperfeiçoamento do sistema de transporte público da cidade, o órgão responsável, a STTP,

vinha estudando desde 2013 a viabilidade de implantação da “integração temporal”. Esse recurso permite que a população possa acessar mais de um ônibus fazendo uso de uma única passagem, dentro de um determinado período de tempo e sem ter que passar necessariamente pelo terminal físico localizado no centro da cidade. Por sua vez, a integração temporal chegou a ser implementada no mês de janeiro de 2019, no entanto vêm sendo alvo de críticas por parte da população, na medida em que teria “esvaziado” a funcionalidade da integração física localizada no centro da cidade. Ou seja, embora a mesma ainda continue existindo, ela teve que se submeter as “novas regras” da integração temporal, permitindo a utilização de mais de um ônibus pagando uma passagem apenas no período de 1 hora.

que são reconhecidos a necessidade de redução das desigualdades sociais associada a promoção da inclusão social; de promoção do acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais; da melhoria das condições urbanas da população por meio da acessibilidade; do desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas; e de consolidação da gestão democrática como instrumento de garantia continua da mobilidade da cidade (PMCG, 2015). Este último, assim como em outras realidades inseridas na gestão pública local, ainda está longe dos parâmetros considerados ideais23.

23 A título de exemplo: na terceira edição do “Cidade Expressa” (seminário que ocorre anualmente com o objetivo de envolver a sociedade no processo de discussão sobre os projetos e obras que englobam a mobilidade urbana da cidade, a partir de iniciativas que envolvem os três níveis de governo), realizou-se, no ano de 2015, a apresentação do Plano de Mobilidade Urbana de Campina Grande, juntamente com o contrato de licitação do transporte público da cidade. Na ocasião, que contou com a presença de diversos segmentos da sociedade – incluindo universidades, entidades representativas e o então Ministro das Cidades, Gilberto Kassab –, o Plano foi apresentado por engenheiros, arquitetos e consultores de maneira “pronta e acabada”, e a participação popular, que deveria ocorrer de maneira ativa no processo de construção do Plano, foi restringida a perguntas escritas em papel e lidas mediante sorteio no decorrer do evento.

Fonte: elaborado pelo autor.