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CAPÍTULO 5 – EDUCAÇÃO AMBIENTAL: PRESSUPOSTOS, CONCEPÇÕES

5.1 CRISE AMBIENTAL

Alguns autores defendem que a educação ambiental surgiu no contexto da chamada crise ambiental, apontada pelo movimento ambientalista e re-significada por alguns acadêmicos, conforme discutido a seguir.

Tal crise ambiental pode ser entendida como aquela que se manifestou a partir da revolução industrial, em que o homem passou a interferir mais intensamente nos ciclos naturais provocando mudanças climáticas, poluição, exaustão de recursos naturais, entre outros impactos (BRÜGGER, 2004).

Para Brügger (2004), sempre existiram problemas ambientais, mas nos últimos 40 anos tal questão tem sido problematizada em termos globais. Isso decorre do fato de que nenhuma civilização anterior teve o poder destruidor planetário que a sociedade industrial possui. As preocupações que antes ocorriam de maneira isolada deram lugar a repercussões e iniciativas de âmbito mundial, sendo o movimento ambientalista que surgiu em meados dos anos de 1960, um exemplo disso.

Em 1968, no contexto dessas preocupações, foi criado o Clube de Roma, composto por 30 pessoas oriundas de diferentes países, que se reuniam para debater os dilemas do

planeta e o futuro da humanidade. O grupo elaborou um relatório que indicava que “os limites mais cruciais para crescimento socioeconômico da humanidade eram: população, produção agrícola, recursos naturais, produção industrial e poluição” (AMARAL, 2001, p.74). A partir dessas conclusões foi publicada a obra Limites do crescimento, que foi um dos marcos do movimento ambientalista.

No seio desse movimento, amplia-se o debate sobre educação e ambiente por meio de eventos promovidos pela Organização das Nações Unidas (UNESCO), em que são discutidos objetivos, normas e diretrizes sobre educação ambiental. Tal abordagem aparece na Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, promovido pela UNESCO, em 1977, em Tbilisi, na antiga União Soviética. A Conferência pode ser considerada um marco conceitual do novo campo, onde a educação é orientada para a resolução dos problemas ambientais e aberta à realidade local, sendo desenvolvida de forma interdisciplinar em espaços escolares e não escolares (AMARAL, 2001).

A problemática ambiental despontou e ganhou força no cenário mundial, sendo abordada na mídia, nas instituições educacionais, nas conversas informais, nas pesquisas acadêmicas, enfim, em diversos âmbitos. Tem se dado grande importância a esse tema, em várias áreas do conhecimento, entre elas a educação.

Leff (2003) entende a crise ambiental como uma crise da razão. Para ele existe esse período da civilização e os paradigmas do conhecimento estão postos em cheque, já que tal realidade se apresenta a nós como crescimento econômico, científico e tecnológico desenfreados; desequilíbrios ecológicos e insustentabilidade da vida; pobreza e desigualdade social. Esse nosso modelo de sociedade em crise é moldado por uma racionalidade econômica que “codifica todas as coisas, todos os objetos e todos os valores em termos de capital para submetê-los à lógica do mercado” (LEFF, 2010, p. 20).

Para o autor, desde as origens da civilização ocidental têm ocorrido transformações significativas no nosso modo de vida, coisificando e objetivando o mundo, colocando à margem a essência humana. Foi construída uma maneira de ser e pensar o mundo dissociando o objeto e o sujeito do conhecimento. A crise ambiental é a crise desse processo histórico, que criou um tipo de pensamento e construiu o mundo humanizado. A economia é o ápice desse processo histórico degenerativo, ao gestar o princípio do mercado, que transforma a natureza e o homem segundo suas leis. A economia

[...] constrói o homo economicus como a manifestação do grau mais elevado de racionalidade do ser, e que se confirma ajustando os comportamentos e desejos do homem aos desígnios da lei abstrata e totalitária do mercado.

O mercado se impôs como uma forma inevitável de viver a vida, como uma lei suprema diante da qual parece um absoluto despropósito imaginar sua desconstrução, mesmo diante das evidências de seus efeitos na degradação ecológica e social (LEFF, 2010, p.25).

A problemática ambiental não é neutra, ocorre num processo histórico de expansão do sistema capitalista, pelos padrões gerados por esse modelo econômico, “guiada pelo propósito de maximizar os lucros e os excedentes econômicos a curto prazo, numa ordem econômica mundial marcada pela desigualdade entre nações e classes sociais” (LEFF, 2010, p. 64). Tal processo surtiu efeitos econômicos, culturais e ecológicos desiguais sobre os diversos grupos sociais.

Uma das respostas imediatistas para sair da crise ambiental seria recodificar o mundo em termos econômicos, adotando a perspectiva do desenvolvimento sustentável que, entre outros aspectos, investe em ciência e tecnologia para diminuir os impactos ambientais.

Nobre (2002) afirma que a problemática ambiental, a partir da década de 70, vai sendo aos poucos institucionalizada, passando a fazer parte do plano de agenda política internacional, fazendo com que as questões ambientais penetrem as decisões sobre as políticas públicas em todos os níveis. Nesse processo o conceito de desenvolvimento sustentável vai sendo formado, reunindo visões antagônicas em que, de um lado, existem os que crêem que não há como medir os limites dos recursos naturais e que, de algum modo, a ciência e a tecnologia encontrariam soluções para todos os problemas ambientais. E de outro lado, há aqueles que defendem que os recursos naturais são finitos, o desequilíbrio ambiental foge ao nosso controle, correndo risco a vida na Terra, se não forem tomadas providencias de gerenciamento e utilização responsável do ambiente.

As duas visões não questionam a estrutura do modo de produção, mas prevêem medidas para sua conservação e diminuição de impactos ambientais, assim como afirma o autor “em qualquer dos casos, o que está em questão é a relação com a lógica de desenvolvimento da ciência e da tecnologia sob o capitalismo” (NOBRE, 2002, p. 22).

Segundo Lima (1999), o conceito de desenvolvimento sustentável tem sido alvo de críticas, devido às suas contradições, ênfase economicista, ausência da perspectiva de classe

no contexto capitalista. Acentua que, apesar de apresentar um novo conceito de desenvolvimento, não altera o sentido da dominação na ordem internacional. É apenas uma nova carta para uma fórmula velha e já esgotada. O discurso do desenvolvimento sustentável utiliza a crise ambiental para fortalecer os aspectos liberais capitalistas embutidos na competição, estratificação social, lucro, que não seriam modificados, embora o bem natural seja “preservado”.

Leff (2010), por sua vez, argumenta contrariamente ao neoliberalismo ambiental, em que se atribuem preços de mercado à natureza, propõe que se regule a vida econômica, ative-se um crescimento sustentado, equilibre-se a ecologia e se dote a sociedade de equidade, pois o autor afirma que, com o neoliberalismo, não se obteve um equilíbrio ecológico e equidade social, mas sim, ampliação da pobreza, desigualdade social e insustentabilidade.

Complementando essa ideia sobre a forma predominante de organização da sociedade estar atrelada à crise ambiental, Foladori (2001) afirma que a sociedade humana possui distinções em seu íntimo que se cristalizam em apropriação histórica diferente dos meios de vida e da natureza externa em geral. “Essa diferente apropriação cria classes e grupos sociais tão distintos em seu relacionamento com o meio ambiente, tanto em relação à responsabilidade sobre as transformações ambientais quanto aos benefícios e/ou prejuízos” (p. 137) [sobre o ambiente]. Portanto temos que as contradições sociais provocam diferenças de acesso à natureza e que os impactos ambientais atingem de modo diferente pessoas de classes sociais diferentes. Para Foladori (2001) as soluções para os problemas ambientais não são meramente técnicas, como seriam se o problema fosse limitado ao aspecto físico, mas as soluções são essencialmente sociais. A partir da resolução das contradições sociais, as alternativas técnicas ganhariam sentido.

Resulta das análises de autores como Brügguer (2004), Lima (1999), Leff (2003; 2010), Foladori (2001), dentre outros que seguem perspectivas parecidas sobre a crise, que as chamadas questões ambientais são fruto, portanto, do modelo de organização da sociedade, daí são questões socioambientais e têm na exclusão, na desigualdade e na hierarquização das relações políticas, sociais, econômicas e culturais suas maiores causas.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Santos (2006) identifica cinco processos de exclusão da sociedade predominante atual:

- Monocultura do saber: “Consiste na transformação da ciência moderna e da alta cultura em critérios únicos de verdade e de qualidade estética” (SANTOS, 2006, p. 12), em que cada uma, em seu campo, produz o conhecimento determinado como único e verdadeiro. Tudo o que não se legitima como parte desse conhecimento é inexistente, ignorante e, nas próprias palavras do autor, é incultura. Tudo o que não for científico é ignorante. Todo o saber que não se provar científico é desconsiderado, sendo descartados os saberes populares e tradicionais dos povos.

- Monocultura do tempo linear: a ideia de desenvolvimento econômico e progresso é contínua e única, sendo que “o tempo é linear e que na frente do tempo seguem os países centrais do sistema mundial e, com eles, os conhecimentos, as instituições e as formas de sociabilidade que neles dominam” (SANTOS, 2006, p. 13). Os países periféricos ou os povos tradicionais que não seguem essa linearidade são excluídos. Completando as ideias desse autor, Leff (2010) afirma que, na sociedade predominante atual, nega-se o tempo e a história em que outros princípios regiam a vida, tal como outrora foi a filosofia e posteriormente o cristianismo, agora dando lugar à ordem econômica.

- Monocultura da escala dominante: são escalas universais e globais das realidades que se impõem independentemente de contextos específicos, tendo prioridade sobre as outras realidades que dependem desses contextos e, portanto, são consideradas particulares. Universal e global em contraposição e sobreposição ao particular e local, em que se tenta universalizar os princípios de mercado. Experiências particulares passam a ser ignoradas e assim passam a não existir.

- Monocultura da classificação social: busca-se naturalizar as diferenças sociais, tal como afirma Santos (2006, p. 13):

Consiste na distribuição das populações por categorias que naturalizam as hierarquias [...] A relação de dominação é a consequência e não a causa dessa hierarquia e pode ser mesmo considerada como uma obrigação de quem é classificado como superior (por exemplo, o fardo do homem branco em sua missão civilizadora).

Sendo assim, essa monocultura retrata as relações sociais (étnicas, religiosas, profissionais, estéticas, etc.) como naturalmente desiguais, numa situação de superioridade e inferioridade dadas como algo inerente nessa sociedade hegemônica. Logo, quem é inferior passa a não existir.

- Monocultura da produtividade: as normas capitalistas são usadas para medir riquezas, modos de produção, modos de vida. Quem está fora dessas normas é preguiçoso, ineficaz e improdutivo, logo passa a não existir. Só é produto aquilo que o mercado considera. A economia solidária e as trocas passam a não ter importância, deixando invisíveis as populações que vivem dessa forma.

Essas são as cinco formas de monoculturas em que se produz a não-existência, legitimadas pela sociedade dominante, que segundo Santos (2006, p. 14):

Trata-se de formas sociais de inexistência porque as realidades que elas conformam estão apenas presentes como obstáculos em relação às realidades que contam como importantes, sejam elas realidades cientificas, avançadas, superiores, globais ou produtivas.

A partir dessa crítica que Santos (2006) constrói sobre a sociedade hegemônica, a crise ambiental pode ser considerada como uma crise dessa sociedade produtora de processos excludentes. Sendo assim, a crise ambiental é, sobretudo, uma crise de conhecimento: como produzimos o nosso conhecimento e como com ele se faz prevalecer esse modelo de sociedade dominante atual. Isso nos faz pensar em outras formas de conhecimento. Faz-nos pensar que a maneira de organização social vigente cria inúmeras formas de exclusão e, portanto, faz-nos almejar outra sociedade. Uma educação ambiental crítica visa fazer com que o indivíduo compreenda essa crise da sociedade, questione-a e busque alternativas (LEFF, 2003).

Para Leff (2010) o grande desafio da crise que presenciamos não é economicizar a vida e a natureza, mas pensar numa outra economia, numa outra forma de organizar a sociedade, numa outra forma de ser e estar no mundo, percebendo que existem outras racionalidades. O autor acredita que a educação seria um meio para se compreender esse processo:

Essa mudança de paradigma social leva a transformar a ordem econômica, política e cultural, que, por sua vez, é impensável sem uma transformação das consciências e dos comportamentos das pessoas. Nesse sentido, a educação se converte em um processo estratégico com o propósito de formar os valores, as habilidades e as capacidades para orientar a transição na direção da sustentabilidade (LEFF, 2001, p. 112).

De acordo com o autor, a educação assume uma importante função na condução do processo de transição para uma sociedade sustentável. Isso implica em revalorizar o

“pensamento crítico, reflexivo e propositivo frente às condutas automatizadas que são geradas pelo pragmatismo e pelo utilitarismo da sociedade atual” (LEFF, 2001, p. 126).

Assim se quis mostrar aqui que existem diferentes compreensões da questão ambiental. Alguns entendem tal questão de um ponto de vista político, questionando o modelo de sociedade instalado, as contradições sociais, seus agravantes e desdobramentos. Outros entendem a questão ambiental de uma perspectiva técnica, em que são levadas em conta apenas as ameaças aos aspectos naturais e as propostas resolutivas por meio do investimento em ciência e tecnologia. Essas distintas maneiras de interpretar a crise ambiental é que irão conotar os tipos de educação ambiental categorizados por diferentes autores, como será explicado no próximo tópico.