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A CRISE DO DESENVOLVIMENTISMO NO MODELO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES

1 INTERPRETAÇÕES SOBRE A BURGUESIA NACIONAL E O EMPRESARIADO

2.1 A CRISE DO DESENVOLVIMENTISMO NO MODELO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES

O Brasil chegou aos anos 1960 após décadas de desenvolvimento industrial baseado no processo de substituição de importações. Porém, sob o ponto de vista social e econômico, esse modelo produziu desequilíbrios estruturais que, combinados ao esgotamento dos impulsos estimuladores do próprio movimento de substituição, aos quais se pôde assistir na virada dos anos 1950 para a década de 1960, abalaram o projeto desenvolvimentista. Sua crise estendeu-se ao frágil consórcio político que o sustentava: o pacto trabalhista entrou em ruína.

Durante o período compreendido entre os anos 1930 e 1960, o crescimento da produção industrial brasileira foi da ordem – impressionante – de 683% (BRESSER- PEREIRA, 1987a p. 52). Nesse mesmo período, é notável também o aumento da participação do Estado na economia nacional. Em relação aos investimentos públicos, é possível verificar sua intensificação à medida que o Estado assumia a condição de planejador da política econômica, com significativas inversões na indústria de base, exploração de recursos naturais e infraestrutura, como transporte e energia. Segundo Bresser-Pereira (1987a), por exemplo, o investimento do setor público passou de 28,2% em 1956, para 60% em 1964 – em relação ao investimento total. A urbanização e o crescimento da população brasileira também foram expressivos. Em 1940, 31% da população vivia nas cidades, contra 45% em 1960; e o ritmo anual de crescimento populacional entre 1940 e 1950 foi de 2,4% e de 3,1% entre 1950 e 1960, números maiores do que o período entre 1920 e 1940 – na ordem de 1,5%. Quanto aos salários, em 1960 os trabalhadores possuíam participação de 65% na renda, contra 56% em

1947. Bresser-Pereira (1987a, p. 66) aponta também o crescimento de 2,7% do salário real médio do trabalhador entre as décadas de 1950 e 1960, levando ao aumento médio anual do consumo privado, de 1947 a 1960, de 2,5%, enquanto o consumo público obteve um crescimento de 5,5% ao ano.

Recuperando Conceição Tavares (1974), o mercado brasileiro ofereceu condições vantajosas para o processo de substituição de importações. O volume e a demanda consideráveis de importações realizadas pelo país na primeira metade do século XX indicavam espaço para a implementação de uma indústria substitutiva, justificada por essa consolidada reserva de mercado. Somada a esse quadro, encontrava-se uma diversificada estrutura produtiva, que foi adquirindo capacidade de reagir aos impulsos das crises do setor de exportação, de forma a atender à demanda do mercado interno.

De acordo com Tavares (1974), no Brasil, ainda, a industrialização via substituição de importações contou com uma extraordinária conjugação de fatores internos e externos que levou o país a atingir um desenvolvimento econômico acima da média dos países vizinho da região. Do ponto de vista interno, além dos já referidos mercado e estrutura produtiva diversificada, encontrava-se a localização espacial das frações mais avançadas tanto do setor exportador quanto industrial, concentradas no centro-sul do país, bem como a disponibilidade de terras e da mão de obra, além da própria política econômica governamental. Para Tavares (1974 p. 101),

A existência de um estrutura produtiva mais diversificada, sobretudo no setor secundário, serviu de suporte para o processo de substituição de importações subsequente, fornecendo os primeiros elos da cadeia de diversificação sucessiva que iriam facilitar a integração vertical do aparelho produtivo [...] A peculiaridade do caso brasileiro, que foi extremamente favorável à dinâmica interna do processo, reside na coincidência espacial dos setores dinâmicos num e noutro modelo de desenvolvimento: o setor exportador no modelo tradicional e o setor secundário no modelo de substituição de importações. Essa coincidência pode ser explicada por uma série de motivos historicamente encadeados, que levaram à localização na mesma área geográfica de elementos decisivos para o processo de industrialização – mercado, economias externas proporcionadas por um setor terciário já desenvolvido e capacidade empresarial – sendo importante assinalar o papel destacado que desempenhou no processo histórico de desenvolvimento verificado a partir da depressão dos anos trinta.

As crises internacionais que afetaram o setor exportador (Primeira Guerra Mundial, virada dos anos 1920 para os anos 1930 e Segunda Guerra Mundial) proporcionaram a transferência de recursos para o setor industrial, facilitada também pela própria integração espacial e, por que não, empresarial, entre os dois modelos – dadas as significativas raízes do setor exportador no desenvolvimento das indústrias nacionais. Nota-se também um

crescimento industrial estimulado por políticas de investimento, cambiais e financeiras do Estado, que acabaram por estimular a inversão de rendas do setor cafeeiro na indústria – crescentes, com a subida dos preços no mercado internacional. Por fim, havia a proximidade com os maiores mercados consumidores do país, em torno do Rio de Janeiro, e grande oferta de mão de obra, concentrada na região.

Do ponto de vista externo, como discutido na seção 1, deve-se considerar que as crises internacionais proporcionaram estrangulamentos da economia nacional de modo a provocar mudanças estruturais calcadas na diversificação de sua base produtiva. Grosso modo, o país passava por períodos não muito longos de restrições do setor externo sucedidos por novas etapas de substituição de importações. Ao longo da primeira metade do século 1920 essa foi a tônica da industrialização nacional, que, no limite, gerou uma significativa redução do coeficiente de importações.

Observa-se também, de acordo com análise de Tavares (1974), o aumento da participação do capital estrangeiro no processo de substituição de importações, conforme a produção industrial se diversificava. Há que considerar, inclusive, que essa participação deu- se de forma “qualitativa” (TAVARES, 1974, p. 103), significando investimentos nos setores estratégicos e mais dinâmicos englobados pelo modelo de substituição importações. Corroborando as discussões colocadas no capítulo anterior, a observação aqui ilustrada reafirma a evolução industrial brasileira nos marcos do desenvolvimento dependente.

Contudo, o relevante crescimento econômico atingido pelo país a partir dos anos 1930, puxado pela industrialização substitutiva de importações, produziu desequilíbrios consideráveis na estrutura socioeconômica nacional. Entre os setores econômicos, o desenvolvimento dos setores secundário (indústria de transformação) e terciário (infraestrutura, transporte, energia, serviços e administração pública) revelou-se muito mais avantajado do que o do setor primário. Entre as décadas de 1950 e 1960, por exemplo, enquanto a produtividade na agricultura se manteve, a industrial praticamente dobrou (TAVARES, 1974, p. 104). O crescimento agrícola no mesmo período deveu-se à expansão das áreas de cultivo para atender a demanda dos centros urbanos, cada vez maiores e recebendo levas imigratórias da zona rural – dando sua contribuição na elástica reserva de mão de obra para as atividades urbanas. Houve também, nesse processo, a intensificação das desigualdades regionais, marcada pela transferência da renda nacional para as áreas industriais – sob forte estímulo das políticas governamentais.

A questão da desigualdade perpassava também o campo social. A partir da década de 1950, observa-se um aumento das diferenças de renda entre o setor primário e o setor

secundário, intensificado pela limitação deste último em expandir seus empregos – não obstante o fato de as taxas de crescimento da indústria terem sido maiores que as das atividades agrícolas.

Tal situação explica-se pela diversificação que o processo de substituição de importações foi ganhando, avançando para áreas de forte inversão de capitais com intensivo desenvolvimento tecnológico, onde a produtividade fazia-se necessariamente maior – e, consequentemente, com menor absorção de mão de obra. Mesmo nos setores tradicionais, como o têxtil, o crescimento do emprego foi menor que a expansão de sua produção, revelando o aumento na produtividade e na renda das atividades industriais.

Assim, o desenvolvimento brasileiro gerou uma maior distância entre as populações economicamente ativas dos setores primários e secundários, agravada pelo ritmo lento de transição da ocupação de trabalhadores do campo na indústria. Além disso, nas próprias cidades, houve um aumento da população marginalizada, uma vez que os trabalhadores não conseguiam ocupação nas indústrias e serviços, a despeito do crescimento dos setores – ao menos, não no mesmo ritmo do crescimento dessa população. Tem-se, então, uma economia marcada

pela existência de um setor capitalista dinâmico que cresce rapidamente empregando relativamente pouca gente, com alto nível comparativo de produtividade, e de um setor subdesenvolvido no qual se concentra a maior parte da população que se mantém praticamente à margem do processo de desenvolvimento. (TAVARES 1974, p. 110)

Nesse cenário, apenas uma parcela da população brasileira estava apta a consumir os artigos produzidos pela indústria de bens de consumo duráveis, enquanto a maior parte dos brasileiros estava impossibilitada, por sua renda. Ao mesmo tempo, o processo de desenvolvimento nacional, ao fundamentar-se no aumento da desigualdade, passava a ter essa mesma desigualdade como entrave para a continuidade da expansão capitalista no país. A limitação do mercado interno a uma parcela da população ameaçava o ritmo de crescimento da economia nacional, puxado pelo processo de substituição de importações. Tratava-se de uma questão estrutural a ser resolvida. Dentro das condições de desequilíbrio socioeconômico brasileiro, nas quais a massificação do consumo não se fazia possível, as indústrias de bens duráveis operavam com o horizonte reduzido em longo prazo – dirigindo seus investimentos para a verticalização de seu mercado, ao diversificar a criação de bens os quais atendiam apenas a faixa de renda que já consumia seus produtos (o mercado de luxo formado no país é o exemplo mais claro dessa situação).

Ao atingir avançado patamar de substituição de importações, alcançando, inclusive (mesmo que não de forma completa), o setor de bens de capital, o desenvolvimento industrial brasileiro dava sinais de esgotamento do modelo: sua dinâmica de sucesso limitava-se à medida que o parque industrial se diversificava. A manutenção de tal processo encontrava-se na década de 1960, portanto, restrita ao setor de bens de capital, dado que o mercado de consumo, emperrado pela desigualdade de renda, não se expandiu na mesma razão que o crescimento industrial.

O início da segunda metade do século XX apresentava, portanto, um país com uma realidade social e econômica bem distinta daquela verificada nas primeiras décadas do mesmo século. Mas o desenvolvimento nacional deparava-se com seus entraves. Se, por um lado, urbanização, modernização e industrialização conjugaram uma transformação intensa no país, o quadro de desigualdade persistiu, ainda que sob outras condições, com igual nível de gravidade. As substituições de importações impulsionadas pelos estrangulamentos externos, com vistas a atender a reserva de mercado nacional, já não tinham condições de promover o desenvolvimento industrial com a mesma desenvoltura.

Do ponto de vista do empresariado industrial brasileiro, os anos de desenvolvimentismo, ao longo do período compreendido entre 1930 e o final do governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961), foram favoráveis a seus interesses. Evidentemente, como discutido na seção 1, o desenvolvimentismo como ideologia congregou em seu seio diferentes correntes, unificadas pela proposta de desenvolvimento de um capitalismo industrial moderno, capaz de gerar o acúmulo endógeno de capitais por meio do planejamento econômico e decidido apoio e estímulo estatal. Segundo Bielschowsky (2000), é possível distinguir, ao menos, três grandes grupos desenvolvimentistas: setor privado, setor público nacionalista e setor público não nacionalista. No que concerne à presente dissertação, Roberto Simonsen (1973) foi o maior expoente do setor privado, e o Iseb e Celso Furtado (1961;2000) representam o setor público nacionalista. No campo do setor público não nacionalista, encontra-se a figura de Roberto Campos (1969).

Em relação ao grupo do setor privado, assiste-se, da década de 1930 em diante, a diversos momentos em que os industriais marcaram posições públicas a respeito da industrialização do Brasil dentro dos parâmetros da ideologia desenvolvimentista. No I Congresso Brasileiro da Indústria (1944, em São Paulo), e nas I e II Conferências Nacionais das Classes Produtoras (1945, em Teresópolis, e 1953, em Araxá), por exemplo, são nítidas as defesas em torno da planificação, do protecionismo e da expansão do mercado interno. (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 417)

Além dos congressos e das conferências, que elaboravam documentos com as linhas gerais do pensamento do empresariado industrial nacional, os posicionamentos tomados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) também exerciam um papel norteador. Organizados por Simonsen, o Conselho Econômico e o Departamento Econômico da CNI funcionaram como centros de produção do pensamento desenvolvimentista do setor privado. De seu Conselho Econômico participaram economistas do porte de Rômulo de Almeida, Ewaldo Correia Lima, Joaquim Mangia e Heitor Lima Rocha – todos continuaram suas carreiras em cargos públicos, alinhando-se ao desenvolvimentismo nacionalista –, bem como Almeida Magalhães, Ernesto Street e Knalk de Souza – identificados ao setor privado.

A defesa do planejamento industrial, por parte desse setor, vinha acompanhada sempre da ideia da garantia de mercado para as indústrias nacionais privadas. Diante dos investimentos diretos do setor estatal, o empresariado industrial posicionava-se a favor da cautela e exigia ser consultado por meio das entidades de classe. Na II Reunião Plenária da Indústria, em 1955, organizada pela CNI, o empresariado dava o tom:

O programa de desenvolvimento econômico importa, necessariamente, na intervenção do Estado. O problema não está em julgar se essa intervenção deve ser aumentada ou diminuída. Um dos objetivos fundamentais da programação é precisamente o de definir, à base de acurada investigação e profunda análise, o que o Estado deve fazer para que a iniciativa privada possa exercer-se com maior amplitude e a máxima eficiência. Isto significa, em primeiro lugar, uma determinação funcional e precisa das áreas em que é mister aplicar-se a ação governamental e, em segundo, as formas ou modalidades de que dela se revestirá. Só assim, através de um programa, poder-se á eliminar a irracionalidade e o empirismo da intervenção estatal. Mais grave – forçoso é reconhecê-lo – do que a extensão e profundidade da iniciativa e ação pública em nosso país tem sido o seu caráter tumultuário, se não caótico. (SANTOS24, 1955, p. 19 apud BIELSHOWSKY, 2000, p. 91)

Preferencialmente, os empresários defendiam um planejamento integral, em que a ação Estatal ocorreria de forma indireta, na criação de infraestrutura para o desenvolvimento do setor privado nacional (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 93). A participação direta do Estado deveria ocorrer, portanto, em áreas nas quais as empresas privadas não atuavam ou não tinham condições de investir, dada a quantidade de capitais necessários, ou em áreas consideradas de segurança nacional. O Estado deveria atuar no sentido de dar condições para o desenvolvimento das atividades privadas. Quando houvesse ação direta, deveria garantir participação nos investimentos e na direção25.

24 SANTOS. 1955.

25 Na carta de princípios da indústria aprovada na II Reunião Industrial, em 1955, Bielschowsky (2000) destaca a visão da CNI quando houvesse a necessidade da participação direta estatal: a) prévia audiência no Conselho

Mesmo nas áreas consideradas estratégicas ou de predomínio de grandes inversões de capital, como o setor de mineração e de serviços públicos, a cautela quanto à intervenção estatal fazia-se presente. No caso do petróleo, houve dificuldades em se tirar um parecer coletivo – ao final, houve apoio à Petrobrás, mas com ressalvas sobre a iniciativa privada ser o “fator de progresso e engrandecimento do país” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 90). Quanto à energia elétrica, a posição era favorável à participação do capital estrangeiro e à possibilidade de expansão dos lucros no setor, com a defesa do ajuste das tarifas compensatórias de inflação.

Diante do capital estrangeiro, a postura obedecia à mesma razão destinada, a princípio, para as inversões diretas do Estado: deveriam se concentrar em áreas ainda não exploradas pelo setor privado nacional. Recomendava-se, também, a participação do capital nacional nos investimentos estrangeiros. Assim, pode-se observar que a motivação do empresariado industrial era a proteção de seus interesses, e não a confrontação direta do capital estrangeiro26.

Em contrapartida, exigia-se igualdade de condições para a importação de máquinas e equipamentos, participação dos órgãos de classe nas decisões sobre novos investimentos estrangeiros no país e fim do câmbio e de taxas especiais para amortização, juros e remessa de lucro27, além da proibição de empréstimos públicos a empresas com mais de 50% de capital internacional. Essas exigências, feitas na reunião plenária da CNI de 1957, foram disparadas como uma reação à Instrução n.º 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), de 1955, elaborada pelo então ministro da fazenda Eugênio Gudin, que autorizou a importação de equipamentos sem cobertura cambial. No documento elaborado pela plenária,

Nacional de Economia, bem como das classes interessadas por meio de suas entidades representativas; b) Livre participação do capital particular no investimento e na direção do empreendimento (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA*, 1955, p. 13 apud BIELSCHOWSKY, 2000, p. 93).

* CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 1955.

26Na reunião plenária de 1955, os industriais sugeriam “facilidades ao ingresso de capitais estrangeiros com objetivos econômicos e sociais, mediante garantias e tratamento tributário e cambial equitativo, ressalvados os interesses fundamentais do país e evitadas as discriminações contra as empresas nacionais. Incremento à entrada de técnicos e de equipamento, a fim de assegurar o êxito dos investimentos de real interesse para a nossa economia, ressalvados os casos em que a indústria nacional já esteja abastecendo, satisfatoriamente, o mercado interno”. (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 1955, p. 33 apud BIELSCHOWSKY, 2000, p. 95).

* CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 1955.

27 Na reunião plenária de 1957, a CNI estabelece um posicionamento mais combativo à remessa de lucros: “Sendo justo proclamar o direito do país aplicador de repatriar os proventos de capital investido, é também irrecusável o reconhecimento do direito que cabe ao país recebedor defender-se de eventual perda de substância, exigindo-se que esse repatriamento observe as possibilidades da economia nacional” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 1957, p. 33 apud BIELSCHOWSKY, 2000, p. 95). * CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 1957.

recomendava-se a promulgação de uma nova legislação tarifária e um substitutivo à Instrução n.º 113 para garantir igualdade de condições.

Sobre a questão distributiva, o empresariado industrial desenvolvimentista defendia, evidentemente, a lucratividade privada como principal ator estimulador do aumento de investimentos, elevação da renda e do emprego. Essa argumentação reforçava o discurso contrário a qualquer tentativa de aumento das tributações por impostos diretos, que, a seu ver, desencorajariam a formação de capitais e os investimentos privados nacionais e estrangeiros. Em relação às políticas salariais, o setor privado industrial concordava com a existência do salário mínimo, mas contestava sistematicamente seus reajustes e os encargos trabalhistas – culpando-os pelos aumentos de preços. O setor defendia que a melhoria do salário real dar-se- ia por meio do aumento da produtividade e de maiores possibilidades de acesso aos bens de consumo e serviços, que viriam a partir do crescimento da produção.

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Como ideologia, o desenvolvimentismo brasileiro encontrou sua maior influência na economia brasileira durante as presidências de Juscelino Kubitschek (1956-1961), ainda que ao longo de todo o período democrático seja possível avaliar o avanço do projeto desenvolvimentista na política econômica estatal28. O resultado do clima político favorável às indústrias significou o aumento na produção do setor. No período entre 1946 e 1955, esse aumento foi da ordem 122%, com destaque para a instalação de indústrias de bens de consumo mais complexos, como as de eletrodomésticos, e as de bens de produção, sobretudo nos setores metalúrgico e químico (BRESSER-PEREIRA, 1987a p. 42). É nesse momento, também, que o Estado nacional consolida sua participação direta na produção industrial, por meio da criação do BNDE e da Petrobrás, respectivamente em 1952 e 1953.

O governo Juscelino Kubistchek representou o ideal desenvolvimentista em seu auge, ao colocar no centro de sua política o planejamento econômico, simbolizado pelo Plano de Metas, cujos objetivos principais eram a ampliação dos investimentos na industrialização e a

28 Dentre elas, verifica-se a criação da Sumoc (1945) e da Carteira de Importação e Exportação (Cexim) do Banco do Brasil (1947), órgãos do Estado responsáveis pelo sistema cambial do país e que contribuíram para os estímulos institucionais à industrialização. Dessa forma, a política cambial realizada no período buscava garantir para a indústria nacional a importação de maquinário e matérias-primas, ao mesmo tempo em que criava barreiras à importação de artigos industriais para consumo, reservando mercado para os produtos industriais nacionais.

superação dos entraves estruturais para o crescimento industrial, sobretudo nos setores de transporte e energia. Para coordenar o Plano de Metas, Kubistchek criou, em 1956, o Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), que reunia diversos ministérios, órgãos e agências estatais. (SUZIGAN, 1996)

Aproveitando-se de uma incipiente estrutura burocrática voltada para uma racionalidade administrativa que privilegiava a necessidade do planejamento, experimentada em governos anteriores, sobretudo nas administrações varguistas, o CDE significou o aprofundamento da participação do Estado nas diretrizes econômicas, produzindo uma maior uniformidade nos incentivos oferecidos ao setor privado. Por meio da criação de Grupos Executivos e Grupos de Trabalho, o Governo Federal visava a desenvolver metas a partir do planejamento setorial, centralizando decisões e coordenando as agências responsáveis por incentivos aos setores econômicos em questão. Dentre os grupos executivos, os que obtiveram